sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

26/01: Um dia de cão (Sidney Lumet, 1975)

Um dia de Cão - Sidney Lumet (1975)

Sinopse
Em agosto de 1972 um assalto em um banco no Brooklyn chama a atenção da mídia e transforma-se em um show com uma enorme audiência. Era um roubo que teoricamente duraria apenas dez minutos, mas após várias horas os assaltantes estavam ainda cercados com reféns dentro do banco. Sonny (Al Pacino), o líder dos assaltantes, planejou conseguir dinheiro para Leon (Chris Sarandon), seu amante homossexual, fazer uma cirurgia de mudança de sexo. Enquanto tudo se desenrola a multidão apóia e aplaude as declarações de Sonny e fica contrária ao comportamento da polícia. Duração: 120 minutos

Crítica: Um dia de cão (Sidney Lumet, 1975)

por Rodrigo Cunha

Uma obra-prima do diretor Sidney Lumet, que levou para as telas a história real de um assalto famoso. 
 
Um Dia de Cão é mais uma obra-prima do diretor Sidney Lumet, lançado há quase vinte anos da obra máxima do diretor, Doze Homens e uma Sentença, e apenas a dois de Serpico, também com Al Pacino. Visto sob um olhar descuidado, pode parecer simples demais, uma história de assalto a banco feijão com arroz, mas, se visto com a devida atenção que merece, vai se mostrar infinitamente mais complexo do que antes; tanto na construção psicológica cuidadosa de seus personagens quanto no polimento das imagens.
Baseado na história real ocorrida em 22 de Agosto de 1972, conheça Sonny (Al Pacino) e Sal (John Cazale), dois homens comuns que simplesmente entram em um banco e o assaltam, sem nunca ter a mínima noção do que estão fazendo exatamente. O que era para durar apenas alguns minutos estende-se por várias e várias complicadas horas, com direito a policiais fortemente armados, imprensa tornando tudo em um gigantesco evento e uma platéia de curiosos que reage a todos os acontecimentos.

Vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original, escrito por Frank Pierson, baseado nos artigos de Kluge e Thomas Moore, o brilhante aqui não é uma situação estratosférica, gigantesca, digna de um grande blockbuster; o que vale realmente é a situação simples, anormal, lotada de pequenos detalhes que a enriquecem e a aprofundam. Perceba, por exemplo, as reações de Al Pacino a todos os imprevistos da trama, como o olhar surpreso quando a polícia aparece ou então o modo gentil com que ele trata os funcionários do banco. É tudo muito óbvio, mas, ao mesmo tempo, profundo. Há um fundamental segredo para o desenvolvimento da trama, mas que todos os veículos de comunicação simplesmente ignoram e o revelam, tirando o choque de quem está assistindo ao filme – algo que não farei, mas dou a dica que é relacionado à motivação do assalto e que realmente é inesperado.

Acompanhando unilateralmente a visão do personagem de Al Pacino, que está presente em todas as seqüências do longa, temos praticamente um "monólogo" interpretativo brilhante do ator, que indiretamente discute valores da sociedade, preconceitos e mídia. Só que isso não é ruim, pois simplesmente não atrapalha o andamento e nem o entendimento da obra e ainda tem o mérito de nos deixar interessados naquilo tudo – de uma forma ou de outra, somos também uma daquelas pessoas, seja da parte de fora do banco ou em casa, assistindo à televisão, interessados no que acontecerá a seguir. Algumas cenas são clássicas: o povo aplaudindo um Al Pacino que não sabe bem o que faz, agindo intuitivamente, o entregador de pizza comemorando ter participado do “evento” que a mídia construiu, ou então as pessoas totalmente à vontade dentro do banco, onde fica claro que Sonny e Sal nunca quiseram fazer mal a ninguém; eles foram tão ingênuos que nem um nome fictício eles chegaram a usar. Uma das reféns chega a dar entrevista durante um dos discursos de Sonny!

Ao contrário de seu parceiro, Sal é um mistério total para o público. Interpretando mais uma vez um personagem complexo em sua carreira, John Cazale, que fez apenas oito filmes, quase todos obras-primas, antes de falecer por câncer, monta um personagem extremamente sombrio, que faz tudo por algum motivo que nunca vamos saber. Sua característica mais forte durante todo o filme é a certeza de que ele mesmo tem: “não sou homossexual”, apesar de todas as evidências apontarem para o inverso.

Não há uma música sequer para realçar as emoções pré-estabelecidas pelo longa: as seqüências, por si só, já são tensas o suficiente para poder segurar a onda do longa. Recheado com um humor-negro de uma era pré-Tarantino, principalmente pelas atitudes ingênuas de Sonny (mas nunca idiota, ele está sempre ligado nos passos dos policiais), o filme tem ainda um final chocante e inesperado, cru e repentino - os policiais têm a sua teoria e a defendem até o desfecho.

A montagem é ágil e ajuda a manter o interesse em tudo o que está acontecendo. Mesmo com a escassez de informação do começo do filme (há personagens que aparecem e desaparecem do nada, mas, afinal, Sonny realmente não sabe o que aconteceu com eles durante o assalto), nunca perdemos o interesse do que está acontecendo. As calças coladas e cores extravagantes definem bem a época em que o filme foi realizado, mas, ao contrário de seus irmãos inovadores dos anos 70, não temos uma montagem experimental, e sim o mais linear possível, com as informações chegando aos poucos, mas sem toda a clareza que Hollywood costuma mastigar para o seu público. A compreensão vem da inteligência, e não do explícito.

Ao final, temos uma tragédia que a mídia transformou em evento e um evento que Sidney Lumet transformou em obra-prima.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

19/01: A Sangue Frio (Richard Brooks, 1967)

A Sangue Frio - Richard Brooks (1967)

Sinopse
Dois ex-condenados, Perry Edward Smith (Robert Blake) e Richard "Dick" Eugene Hickock (Scott Wilson), invadem a casa dos Clutter, pois Herbert Clutter (John McLiam, um rico fazendeiro, teria um cofre com US$ 10 mil. Esta informação vinha de uma "fonte segura", Floyd Wells, um condenado que conheceu Dick na prisão e lhe contou que viu o cofre quando, anos atrás, trabalhou para os Clutter. Mas Perry e Dick não acharam o cofre, pois ele não existia, e roubaram apenas US$ 43. Isto não os impediu de matarem Herbert, a esposa dele e um casal de filhos, pois não queriam deixar testemunhas. Alvin Dewey (John Forsythe) comanda as investigações e tenta encontrar alguma pista que leve aos assassinos. No entanto Dick e Perry foram para o México, onde Perry tem fantasias de achar um fabuloso tesouro. Quando os sonhos dele redundam em nada, Dick insiste que voltem para os Estados Unidos. Certos de que não deixaram alguma pista, eles trocam cheques sem fundo e são pegos em Las Vegas, dirigindo um carro roubado. Aos poucos os álibis vão sendo desmontados, pois contam histórias contraditórias. Baseado na obra de Trumam Capote. Duração: 134 minutos

Crítica: A Sangue Frio (Richard Brooks, 1967)

por Gabriel Neves

Traduzindo motivações para palavras, o homem permanece uma incógnita que permanecerá sem ser descoberta. A frieza humana provém do mesmo lugar que deu origem à bondade. E porque não se perguntam os motivos para ambos? Porque apenas o mal assume lugar nesse fim do devir, nessa decisão do bem e do mal, sem dar nenhuma chance das motivações boas se explicarem? Há bondade em impulsos considerados maldosos pela moral social? E como se define um psicopata numa sociedade? Todo o público que foi ver e ainda verá a obra de Truman Capote adaptada para o cinema sabe muito bem distinguir o certo do errado à partir de uma ideia perdurada da filosofia platônica. Mas é impossível sair do cinema balançado. Sabe-se que aquele ali é o certo, mas o final não poderia ser diferente?

A Sangue Frio é um filme baseado no romance homônimo de Truman Capote. Ele conta a história de Perry Smith (Robert Blake) e Dick Hickock (Scott Wilson), dois criminosos que começam a bolar um plano para roubar todo o dinheiro da família Clutter, uma família de fazendeiros ricos de Holcomb, Kansas, e assassinar todos os moradores da casa. Após a brutalidade do assassinato, que realmente ocorreu, o filme não para. Aos poucos ele mostra as motivações, as personalidades e a mentalidade dos dois criminosos, explorando tudo que os levou a cometer o crime.

O que difere essa obra de 1967 de qualquer outra que já tinha vindo é a aproximação do público com o lado antagonista do longa-metragem. Se alguém vai para o cinema e acaba simpatizando com um psicopata cuja única função no filme inteiro foi matar, roubar, estuprar, torturar e tudo isso à sangue frio, isso não é considerado normal se não houver um atrativo a mais para a caracterização do vilão. Mas quando o vilão nos é apresentado junto a sua ficha criminal e suas motivações para o caso e todo o psicológico é posto à prova, é difícil não admitir que o antagonista é que trouxe o carisma para a sessão. Primeiramente analisamos a visão de Dick, o homem que planejou tudo e apenas incluiu Perry em seu plano pela facilidade que ele tinha em perder a cabeça e matar. Dick fez tudo isso pelas motivações mais pífias que podem existir: conseguir dinheiro fácil, sair com as mãos limpas, apostar numa garantia inexistente na vida. É a despreocupação ambulante, que consegue improvisar caso algum plano dê errado. Todos os seus passos são movidos pela ganância e, após isso, pela aceitação. Desde que ele sempre esteja com um sorriso idiota no rosto, sempre com um ar superior aos demais até quando está por baixo. Ele não se deixa atingir e isso é fatal para ele. No fim do filme, o público chega a agradecer pelo final que lhe é dado.

Perry é o contrário disso tudo em apenas uma parte de sua consciência perturbada. O homem tem seu certo carisma e cria toda uma aura bondosa ao redor de suas ações que o público consegue adquirir simpatia pelo antagonista, e esse é um grande trunfo tanto do livro quanto do filme. Ao tornar o criminoso o psicológico principal do longa metragem, explora-se um lado desconhecido do espectador. Como se sente tamanha afeição por um homem que se mostra implacável, que consegue matar facilmente e prova isso aos poucos para a tela? Com uma delineação magnífica da redenção e de um perfil perturbado, ele chega a um ponto em que só se pode sentir pena. Há até uma revolta por causa do final de Perry, mas, analisando o crime apenas em teoria e não colocando o papel social sobre o homicida, ele não fez por merecer? Os atores principais merecem uma ressalva, tanto Scott Wilson, por criar tamanho ódio num drama concentrado para as telas; quanto Robert Blake, que é o lado emocionante e humano de A Sangue Frio. Há até uma certa química entre os dois em cena, por meio de palavras ou de ações, que não se concretiza explicitamente. Outro ponto que merece ser levado em conta é a fotografia de Conrad Hall, que até foi indicada ao Oscar de 1967. O filme, que é todo rodado em preto e branco, possui cenas lindas que se contrastam graças aos diversos tons escuros.

Uma das últimas cenas foca a face de Perry enquanto ele faz um discurso. Observar as gotas de chuva caindo pela janela dá a impressão sutil de que ele chora enquanto fala. É a humanização do monstro até por parte da natureza. Tudo em A Sangue Frio é carismático, é tocante e é enganador. É a visão de um criminoso que não se espera encontrar em cada esquina, um criminoso que é gentil, que respeita e que tem medo, por mais que tenha uma facilidade espantosa em matar. É a inversão de papéis feita por Truman Capote em seu livro que tornou Perry a vítima de todo o planejamento, enquanto a sociedade se mostrou cruel em não deixar ele sair impune. Depoimentos foram feitos para deixar o homem cada vez mais bondoso. Mas de que, afinal, adianta a bondade num equilíbrio para redenção dos pecados? E onde está a verdadeira diferença entre o pecado e as boas intenções?

Programação Janeiro 2013

A programação de janeiro do Cine Clube Ybitu Katu será sobre filmes que foram baseados em fatos reais:

19/01: À Sangue Frio (Richard Brooks, 1967)
Dois ex-condenados, Perry Edward Smith (Robert Blake) e Richard "Dick" Eugene Hickock (Scott Wilson), invadem a casa dos Clutter, pois Herbert Clutter (John McLiam, um rico fazendeiro, teria um cofre com US$ 10 mil. Esta informação vinha de uma "fonte segura", Floyd Wells, um condenado que conheceu Dick na prisão e lhe contou que viu o cofre quando, anos atrás, trabalhou para os Clutter. Mas Perry e Dick não acharam o cofre, pois ele não existia, e roubaram apenas US$ 43. Isto não os impediu de matarem Herbert, a esposa dele e um casal de filhos, pois não queriam deixar testemunhas. Alvin Dewey (John Forsythe) comanda as investigações e tenta encontrar alguma pista que leve aos assassinos. No entanto Dick e Perry foram para o México, onde Perry tem fantasias de achar um fabuloso tesouro. Quando os sonhos dele redundam em nada, Dick insiste que voltem para os Estados Unidos. Certos de que não deixaram alguma pista, eles trocam cheques sem fundo e são pegos em Las Vegas, dirigindo um carro roubado. Aos poucos os álibis vão sendo desmontados, pois contam histórias contraditórias. Baseado no livro de Truman Capote. Duração: 134 minutos.

26/01: Um Dia de Cão (Sidney Lumet, 1975)
Em 1972, John Stanley Wojtowicz e um companheiro seu, Salvatore Naturile, elaboraram um esquema e procederam à tentativa de assalto a um banco em Brooklyn. O plano, contudo, colapsa mal entra em operação e no final do dia os dois assaltantes eram midiáticos. P.F. Kluge escreveu um artigo sobre este evento intitulado de “The Boys in the Bank”, tendo sido publicado pela revista Life nesse mesmo ano. Foi esse artigo que serviu de fonte de inspiração para Dog Day Afternoon. Sidney Lumet agarra a história, desenvolve-a e injeta uma grande frescura a este sub-gênero de Bank Heist, através de uma mistura de comédia e drama completamente harmoniosa. Baseado em eventos reais, Dog Day Afternoon retrata um assalto que em tudo corre mal, o que também não seria de espantar uma vez que as duas mentes por detrás do golpe não são propriamente as mais brilhantes que alguma vez pisaram a Terra. Duração: 124 minutos.

02/02: O Engima de Kaspar House (Werner Herzog, 1974)
O Enigma de Kaspar Hauser é uma das obras-primas do cineasta alemão Werner Herzog. Baseando-se em registros históricos, Herzog nos conta o estranho caso de Kaspar Hauser: um rapaz esfarrapado que é encontrado em Nuremberg, em 1828. Ele só sabe falar a palavra "cavalo" e tem nas mãos uma carta explicando sua história: tinha 16 anos e vivera até então num porão, nada conhecendo do mundo exterior. Recolhido pela prefeitura local e exposto com curiosidade, foi finalmente adotado por um homem rico que o ensinou a ler e escrever, mas nunca solucionou seu mistério. Seria ele um herdeiro nobre rejeitado, uma criança roubada, um impostor ou um louco? O Enigma de Kaspar Hauser é um filme indispensável para educadores, psicólogos e admiradores do bom cinema. Duração: 109 minutos.