quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

19/12: Mother (Bong Joon-ho, 2009)

Mother - Bong Joon-ho (2009)
Sinopse
O filme conta a história de um jovem deficiente mental que é preso acusado de matar uma estudante da pequena cidade onde vive. O jovem é incapaz de negar ou confirmar o assassinato, apesar de comprovado que ele estava na cena do crime. Sua única esperança reside em sua mãe, superprotetora e obstinada tentará de todas as maneiras provar a inocência do filho. Bong Joon-ho usa o terror por meio de um quotidiano repleto de personagens bizarros, momentos de humor e diálogos inusitados que contribuem em um suspense diferente dos outros. Um dos filmes mais badalados da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo deste ano. Duração: 128 minutos.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

19/12 Exibição do curta: "Os Que Vivem o Sonho"


No próximo sábado, dia 19/12, às 19:30 antes de exibir-mos o filme Mother (Joon-ho Bong, 2009), exibiremos o curta "Os Que Vivem o Sonho" com direção de Lia Nahomi Kajiki (estudante da Unesp de Botucatu).

Sinopse:
Curta metragem com duração de aproximadamente 9min, produzido como um trabalho de conclusao de curso em bacharelado de Biologia na UNESP de Botucatu.
As aves sao aquelas que tornam mundano o maior sonho do homem: o de voar. Não é um documentario, muito menos um romance..."Os que vivem o sonho" é um curta-metragem que tenta abordar caracteristicas da biologia das aves de uma forma dinamica e facil de se compreender, e acrescentar ainda uma visão cinematografica a respeito da maneira como encaramos o mundo natural em que estamos inseridos.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

12/12: Oldboy (2003)


Sinopse: Um homem que passou 15 anos aprisionado em um quarto é solto sem explicação. Em busca de respostas, ele parte atrás de vingança contra o homem que o seqüestrou.

12/12: Crítica - Oldboy


Por Pablo Villaça.

Oldboy é uma tragédia grega produzida na Coréia do Sul. Inicialmente enfocando o desejo de vingança de seu protagonista, o filme aos poucos mergulha em uma trama repleta de reviravoltas que, a cada nova revelação, leva o espectador a compreender um pouco melhor a mentalidade doentia de seu vilão e a dimensão absolutamente horrenda de seus planos para destruir a vida do pobre herói.

Herói? Corrijo: anti-herói. Vivido com intensidade por Min-sik Choi, o infeliz Oh Dae-su é um indivíduo fraco que, entregue ao álcool, perde o aniversário da própria filha e, depois de aparentemente se meter em uma briga de bar, é levado para a delegacia mais próxima, onde continua a agir de forma pouco social (uma seqüência hilária, diga-se de passagem). Depois de liberado graças à ajuda de um amigo, no entanto, ele acaba sendo seqüestrado e colocado em cativeiro – situação que irá durar nada menos do que quinze anos. Sem saber quem o aprisionou nem o motivo, Dae-su tem apenas uma televisão para lhe fazer companhia – e, de acordo com suas palavras, o aparelho lhe serve como relógio, calendário escola, lar, igreja, amiga...e amante. A tevê funciona, também, como uma espécie de Abade Faria (o mentor de Edmond Dantès em O Conde de Monte Cristo – que chega a ser citado em Oldboy), alimentando a mente e a alma de Dae-su e impedindo que este enlouqueça enquanto planeja sua vingança contra seus captores.

A partir daí, o ótimo roteiro (escrito a oito mãos) dedica-se a estudar as conseqüências psicológicas do longo isolamento imposto ao herói, que, ao encontrar uma pessoa depois de quinze anos sozinho, parece retornar a uma condição quase animalesca, cheirando o outro e forçando-o a acariciar seu rosto – numa ilustração tocante de sua imensa carência. Porém, assim que se acostuma à liberdade recém-conquistada, Dae-su resolve testar se 'o treinamento imaginário de 15 anos pode ser posto em prática, já que passou todo aquele período esmurrando as paredes (observe suas articulações calosas – um detalhe que o filme não esquece) e praticando artes marciais. Esta curiosidade culmina em um dos melhores momentos de Oldboy, quando, em um longo plano sem cortes, vemos o protagonista enfrentar raivosamente uma série de marginais numa luta desajeitada que parece cansativa e real como poucas do gênero.

O filme, aliás, não economiza na violência, levando o espectador a se encolher na poltrona diversas vezes (principalmente aqueles que têm medo de dentista). Ainda assim, o competente diretor Chan-wook Park extrai humor da natureza violenta da história, o que explica a fascinação que Quentin Tarantino demonstrou por este projeto depois de vê-lo no Festival de Cannes de 2004. E, enquanto a fotografia sombria e triste de Jeong-hun Jeong confere um tom quase noir à produção, a trilha composta por Yeong-wook Jo (com `contribuições`de Vivaldi) surge melancólica e evocativa, acentuando a infeliz trajetória de Dae-su. Além disso, Oldboy ainda é beneficiado pela montagem extremamente fluida, que prima pelas passagens de cena criativas e dinâmicas.

Fortalecido também pelas performances de seu elenco principal, o filme guarda suas maiores armas para o ato final, quando finalmente compreendemos toda a extensão dos planos de seu vilão – que, de forma fascinante, parece perceber que exagerou na dose (uma reação que, confesso, não me lembro de ter visto antes no Cinema). Aliás, quando percebi para onde a trama caminhava, confesso que cheguei a sussurrar para mim mesmo (e perdoem-me pela vulgaridade): "Puta que pariu. Puta que pariu. Puta que pariu". Sim, eu poderia ter dito algo mais elegante, como "Oh, Céus, não creio no que meus olhos me dizem!", mas nada poderia expressar meu choque melhor do que um "puta que pariu" em alto e bom som.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

05/12: A Casa Vazia (Kim ki-Duk, 2004)

Casa Vazia - Kim Ki-Duk (2004)


Sinopse
Um jovem vagabundo invade a casa de estranhos e mora nelas enquanto os donos estão fora. Para pagar a estadia ele realiza pequenos consertos ou faz limpeza na casa. Ele costuma ficar um ou dois dias em cada lugar, trocando de casa constantemente. Até que um dia encontra uma bela mulher em uma mansão, que assim como ele também está tentando escapar da vida que leva. Duração: 95 minutos

05/12: Crítica: A Casa Vazia

por Celso Sabadin
Extraído de http://cinema.cineclick.uol.com.br/criticas/ficha/filme/casa-vazia/id/1083


O cinema oriental ataca novamente. E com muita qualidade! Co-produzido entre Japão e Coréia do Sul, Casa Vazia é um drama belo e hipnótico que merece ser conferido com muita atenção. O filme começa de maneira simples e despretensiosa, mostrando um jovem distribuindo panfletos publicitários em portas de casas e apartamentos. Um gesto corriqueiro que revela intenções pouco nobres: no dia seguinte, o rapaz observa as residências que ainda mantêm os folhetos presos às portas, o que sinaliza o título do filme - casa vazia - e, portanto, passível de ser arrombada. Um ladrão? Não. Novamente o roteiro nos prega uma peça e mostra que o jovem entra nas casas apenas para tomar um banho, ver um pouco de TV e desfrutar de uma boa noite de sono. Assalto, somente às geladeiras. Em troca, ele conserta algo que esteja quebrado e ainda lava algumas peças de roupas da residência invadida. Quando percebe que o dono pode voltar, vai embora.

O conflito começa de fato quando o rapaz, numa de suas invasões, conhece uma modelo agredida pelo marido. A identificação entre ambos é imediata. Cada um parece projetar no outro o apoio necessário para suportar suas contrariedades. Ele, vitimado pela extrema solidão, se solidariza com ela na dor. Ela, com hematomas físicos e emocionais, vê nele a fuga possível. Os dois outsiders ensaiam uma associação amorosa e "profissional" no ofício do arrombamento.

O diretor e roteirista sul-coreano Kim Ki-Duk (de Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera) traça em Casa Vazia um doloroso e poético painel sobre a solidão e o isolamento. A direção é extremamente sóbria e minimalista. Os protagonistas nem precisam se expressar verbalmente para externar suas dores. Não há uma única palavra trocada pelo casal. Já os coadjuvantes falam normalmente. Mas o que é "normalmente"? Esta profunda dicotomia entre o verbal e o não-verbal contribui para que os protagonistas sejam colocados num outro plano, numa espécie de limbo situado alguns patamares acima da existência banal e cotidiana. Mais que isso, o rapaz arrombador de casas ainda desenvolve um treinamento para passar o mais despercebido possível de todos, para quase "desaparecer", numa licença poética que pode simbolizar um verdadeiro nirvana dentro de um insatisfatório cotidiano material. Se o Budismo prega que o homem deve se desprover de tudo o que ele não possa carregar consigo, o filme propõe - radical e poeticamente - que o próprio peso do nosso corpo faça parte deste desprendimento.

Vencedor do Prêmio da Crítica em Veneza, Casa Vazia é uma ode ao desapego como caminho para o combate à solidão. Belo e poeticamente oriental.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Programação Dezembro: Cinema Sul Coreano

Aclamado pela crítica internacional e nacional, o cinema sul-coreano é um dos que mais têm dado bons frutos nos últimos tempos, resultado de uma Coréia ativa, em ascensão cultural e econômica. A Coréia do Sul é um dos únicos países no mundo em que o cinema nacional é mais visto que o cinema norte-americano. Uma febre no oriente, principalmente Japão e China, o cinema coreano já ganhou vários prêmios na Europa e cada vez mais vêm ganhando espaço e encantando platéias de cinemas e cineclubes no Brasil.
O Cine Clube Ybitu Katu exibe:

05/12: Casa Vazia (Kim Kim Duk, 2004)
Um jovem vagabundo invade a casa de estranhos e mora nelas enquanto os donos estão fora. Para pagar a estadia ele realiza pequenos consertos ou faz limpeza na casa. Ele costuma ficar um ou dois dias em cada lugar, trocando de casa constantemente. Até que um dia encontra uma bela mulher em uma mansão, que assim como ele também está tentando escapar da vida que leva. Duração: 95 minutos

12/12: Oldboy (Chan-wook Park, 2003)
1988. Oh Dae-su (Choi Min-sik) é um homem comum, bem casado e pai de uma garota de 3 anos, que é levado a uma delegacia por estar alcoolizado. Ao sair ele liga para casa de uma cabine telefônica e logo em seguida desaparece, dexando como pista apenas o presente de aniversário que havia comprado para a filha. Pouco depois ele percebe estar em uma estranha prisão, que na verdade é um quarto de hotel onde há apenas uma TV ligada, no qual recebe pouca comida na porta e respira um gás que o faz dormir diariamente. Através do noticiário da TV ele descobre que é o principal suspeito do assassinato brutal de sua esposa, o que faz com que tente o suicídio. Sem obter sucesso, ele passa a se adaptar à escuridão de seu quarto e a preparar seu corpo e sua mente para sobreviver à pena que está sendo obrigado a cumprir sem saber o porquê. Duração: 120 minutos

19/12: Mother (Joon-ho Bong, 2009)
O filme conta a história de um jovem deficiente mental, vivido pelo ator Won Bi, que é preso acusado de matar uma estudante da pequena cidade onde vive. O jovem é incapaz de negar ou confirmar o assassinato, apesar de comprovado que ele estava na cena do crime. Sua única esperança reside em sua mãe, interpretada por Kim Hye-ja, uma das atrizes mais respeitadas da televisão coreana, superprotetora e obstinada tentará de todas as maneiras provar a inocência do filho. Bong Joon-ho usa o terror por meio de um quotidiano repleto de personagens bizarros, momentos de humor e diálogos inusitados que contribuem em um suspense diferente dos outros.
Duração: 128 minutos.

Cartaz - Programação Dezembro 2009

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

28/11 - São Paulo Sociedade Anônima

São Paulo Sociedade Anônima - Luís Sérgio Person (1965)

Sinopse
Carlos (Walmor Chagas) é um jovem de classe média que se junta a um rico empresário do setor automobilístico de São Paulo. Ele é casado, tem um bom trabalho e boa vida social, mas nunca está realmente satisfeito e pretende dar uma reviravolta em sua vida. O filme trata do momento do rompimento com a vida burguesa, limitada ao trabalho e à acumulação de bens. Seria também um rompimento com a cidade, porém, ao afastar-se dela, Carlos se dá conta que esse ato é impossível e resolve voltar para "recomeçar". Esta obra é considerada uma das únicas representantes paulistas do Cinema Novo e recebeu o Prêmio de Público na I Mostra Internacional do Novo Cinema, em 1965, na Itália. Duração: 111 minutos


Crítica: São Paulo Sociedade Anônima

por Renato Silveira
Extraído de http://www.cinemaemcena.com.br/Critica_Detalhe.aspx?id_critica=6704&id_tipo_critica=3

Não é a toa que São Paulo Sociedade Anônima é considerado um dos dez melhores filmes da história do cinema brasileiro. Filmado por Luís Sérgio Person no início da década de 1960, o longa até hoje produz ressonâncias temáticas, não só em nossa sociedade, mas em qualquer outra onde o indivíduo de classe média se vê sem direção em meio às preocupações que leva de casa para o trabalho e vice-versa.

Nesta crônica da cidade grande, Walmor Chagas interpreta Carlos, um jovem que larga o emprego em uma grande empresa para trabalhar como gerente de uma fábrica de auto-peças. Entre a troca de trabalho e a tentativa de subir rápido na vida, Carlos se envolve com três mulheres, cada qual com uma personalidade peculiar: Luciana (Eva Wilma) é a certinha, com quem se casa; Ana (Darlene Glória) o atrai pelo olhar ambicioso; e Hilda (Ana Esmeralda) é a paixão do passado, com quem dividia os mesmos ideais.

Chagas compõe um personagem introspectivo, que ao longo do filme demonstra um olhar cansado e indiferente durante suas constantes caminhadas pela cidade. Esse aspecto blasé de Carlos representa um sentimento geral que pode ser observado nas pessoas que vivem nas metrópoles: tudo parece se tornar desinteressante com a rotina diária. Os pedestres, prédios, carros, placas. Nada espanta e tudo é tédio.

Para retratar esse sentimento de angústia de seu protagonista, Person cria uma narrativa reflexiva, subjetiva por excelência: em vários momentos ouvimos os pensamentos de Carlos, praticamente como se o filme se passasse em sua cabeça. O que se vê na tela é também o que ele vê. A não-linearidade dos acontecimentos é uma amostra disso, já que a memória do personagem também é uma das guias da história, indo e voltando no passado a fim de ligar um evento a outro.

Por Carlos ser um homem solitário (nunca o vemos na companhia da família ou amigos, as únicas pessoas com quem ele convive são suas amantes e os amigos e parentes delas), Chagas está praticamente em todas as cenas do filme. Duas em particular chamam a atenção: aquela em que, embriagado após o reveillon, ele grita o nome de Luciana em frente à casa da moça e quebra garrafas na rua; e a seqüência em que ele repete “Aceitar, recomeçar!”, quase como um mantra. Através da montagem, esta segunda faz uma analogia do homem como engrenagem da cidade e estabelece aquele que é o principal conflito do longa: “recomeçar” é viver em ciclo, como uma máquina. Mas o homem não é uma máquina, logo, sua vida pessoal e afetiva dificilmente se adequará a uma rotina mecânica.

Um professor de sociologia (o saudoso “Kika”) me disse certa vez que um dos grandes perigos que o indivíduo da sociedade urbana e consumista corre é confundir “utilidade” com “felicidade”. É um pensamento que não se aplica apenas aos tempos de hoje, quando se encontra intensificado. Vem de longa data e São Paulo S/A o reflete bastante. O valor do filme é ainda maior quando pensamos que, numa época em que a principal preocupação era o desenvolvimentismo, Person virou sua câmera para o homem e viu que dentro dele havia uma revolução contida, suprimida por um maquinario impessoal que o enxergava como mera peça para seu funcionamento.





sexta-feira, 20 de novembro de 2009

21/11: 2001 Uma Odisséia no Espaço

2001 Uma Odisséia no Espaço - Stanley Kubrick (1968)

Sinopse
Desde a pré-história, um misterioso monolito negro parece emitir sinais de outra civilização, interferindo no nosso planeta. Quatro milhões de anos depois, no século XXI, uma equipe de astronautas a bordo na nave Discovery é enviada a Júpiter para investigar o enigmático monolito. Duração: 139 minutos

Crítica: 2001 - Uma Odisséia no Espaço


por Rodrigo Cunha
Extraído de http://www.cineplayers.com/critica.php?id=576

Não estranhe se, assim que terminar de assistir a 2001: Uma Odisséia no Espaço, a sensação que ficar dentro de você seja de perplexidade, estranheza, incerteza. Isso é normal, afinal, estamos falando de uma (se não for a) das obras mais complexas da história do cinema.

Desde que inauguramos o site tenho vontade de falar sobre este filme, mas nunca me senti arduamente preparado para tal missão. Por quê? É simples. Kubrick, por si só, já é uma figura enigmática e que emprega sub-textos em seus filmes de maneira brilhante, quase sempre de uma maneira pouco perceptível, ou que abra um leque de discussões sobre suas obras, afinal, ele nunca mastiga o que quer para nós. Essa característica do diretor atinge seu auge aqui, neste filme, quando até hoje, passados quase quarenta anos de seu lançamento, continua sendo uma obra de ficção científica atual e discutida, pois nenhuma das interpretações que rolaram até hoje, por mais plausíveis que possam parecer, podem ser consideradas certas.

Como isso? Qual a graça de ver um filme onde não há, aparentemente, um sentido? 2001 é muito mais que isso. O sentido não está no entendimento da história, e sim na reflexão que seus temas, principalmente o homem, proporcionam ao público. É interessante pensar, entender as situações e tentar nos colocar dentro da complexa cápsula do tempo em que 2001 se situa. Sua atualidade, sua ficção e seu deslumbramento se encontram na história, e não em efeitos e ferozes cenas de ação, como a grande maioria dos filmes procuram focar seu interesse. 2001 é feito para neurônios, não para os testículos – e não pense que esta é uma frase preconceituosa, pois 2001 é isso mesmo, um desafio a sua mente. É um filme de questionamentos, não de respostas.

Mas o filme é completo, pensado, perfeito, e até essa lentidão soa como proposital aos olhos dos mais filosóficos, afinal, no espaço, os movimentos parecem ser em câmera lenta. A complexidade técnica causa inveja e estudo até os dias de hoje, mesmo sem existir computadores na época para efeitos especiais (não se esqueçam disso, o que Kubrick fez foi na marra, na técnica, no talento, e até hoje o espaço de 68 continua lindo e convincente). Como não se fascinar, por exemplo, pela bela rotação que a moça dá em certo ponto do filme, saindo de cabeça para baixo pela porta lateral? E a caneta flutuante? E a sala gigante de exercícios, construída para ser rotacional e, em certo momento, Kubrick passeia com sua câmera por ela como se ela fosse plana e estática? E o que dizer do maior corte temporal da história do cinema, quando partimos da pré-história para o século XXI?

A sobreposição de películas para criar um espaço convincente combina perfeitamente com a fina trilha sonora que só mesmo Kubrick consegue combinar em seus filmes – músicas clássicas, antigas, mas que parecem que foram feitas especialmente para as cenas em que são utilizadas, na mais perfeita sinfonia de uma valsa espacial. O número de seqüências clássicas ultrapassa o limite do citável, em uma história definida por três atos: o nascimento, que é toda aquela parte dos macacos pulando, descobrindo seus meios de vida e dando os primeiros passos evolutivos (como ferramentas, deixar de ser caça para se tornar caçador e etc); a luta do homem contra a máquina (quando o super computador HAL 9000 enlouquece com a idéia de ser desligado e passa a aterrorizar sua tripulação) e o próximo passo da evolução humana, em uma psicodélica e diferente seqüência, provavelmente diferente de tudo o que você viu da época - e essas três histórias estão interligadas por um ponto chave, que é a chegada de um monolito à Terra.

Como não poderia deixar de ser, 2001: Uma Odisséia no Espaço é um filme tipicamente Kubrickiano não apenas na história, mas também na forma. Diversos pequenos detalhes enriquecem a obra, como a referência escondida à IBM, que iria patrocinar o filme, mas tirou a cota e deixou Kubrick bastante irritado. Como vingança, colocou as iniciais no computador que se torna assassino como HAL, que são, exatamente, as letras anteriores da sigla IBM. Os espaços são grandes e brilhosos, com poucos ou estranhos objetos de cena, assim como em diversas de suas obras. Dizem que a história é baseada em um livro de Arthur C. Clarke, mas essa informação é discutível, afinal, enquanto o homem escrevia seu livro, Kubrick trabalhava simultaneamente no roteiro, com ambos trocando idéias sobre o desenvolvimento e acontecimentos de uma história em comum.

A importância de 2001 é cristalina: antes dele, os filmes de ficção científica eram aqueles conglomerados de monstros destruindo cidades, sempre vistos com ar trash – características que, após os mais de 100 milhões de dólares arrecadados em bilheterias e sua importância artística, foram alteradas com o tempo. Hoje, por exemplo, filmes de ficção como Solaris podem ser vistos sobre outros olhos. Ganhou, merecidamente, o Oscar de Efeitos Especiais e foi indicado ainda em outras três categorias: Melhor Diretor, Direção de Arte e Roteiro Original (novamente levantando o fato que esta não é uma adaptação). Uma pena que Kubrick tenha perdido a direção para Carol Reed e seu Oliver!, um filme que hoje é muito menos lembrado.

Kubrick era perfeccionista, arrogante, de poucos amigos, mas também um gênio inesquecível do cinema, e 2001: Uma Odisséia no Espaço é sua melhor obra de sua pequena e brilhante filmografia. Apenas ele poderia fazer um filme onde não há o certo e o errado, apenas o complexo em um lugar onde não há nem ar, mas uma bela e sincronizada sinfonia. A combinação perfeita de imagem, som, história, atuação e personagens marcantes. Prepare-se para o turbilhão de informações e curta a vontade, pois nossa equipe, quase em sua totalidade, recomenda este filme! E desculpem qualquer pleonasmo, mas este aqui pode qualquer coisa.



sexta-feira, 13 de novembro de 2009

14/11 - Metrópolis (Fritz Lang, 1927)

Metropolis - Fritz Lang (1927)

Sinopse
O futuro é distante e o mundo está sob o comando dos poderosos, que isolaram os mais pobres no subsolo como se fossem seus escravos, para que trabalhassem em prol dos mesmos. Comandados por Freder Fredersen (Gustav Fröhlich), os operários são obrigados a trabalharem sem parar para que a cidade não pare. Obra-prima de Fritz Lang, reconhecido como um dos filmes-mudos mais importantes já lançados no cinema, continuando atual ainda hoje. Duração: 123 minutos.

Crítica - Metrópolis

por Deivid Cardoso
Extraído de http://www.cineplayers.com/critica.php?id=168

Muitas décadas antes dos irmãos Wachowski nos presentearem com a baboseira pseudo-filosófica de Matrix Reloaded e Matrix Revolutions (não citarei o original de 1999, pois ainda o acho um marco na história do cinema, embora a premissa não tenha sido bem aproveitada), um verdadeiro gênio do cinema - Fritz Lang (autor do também excepcional M - O Vampiro de Dusseldorf), já nos brindava com a sua visão bem mais realista do que poderia vir a ser o futuro da humanidade.

Sempre reverenciado e imitado por vários cineastas, inclusive os mais importantes da História, Lang traçou um perfil de como ele imaginava um futuro (baseada na novela escrita por Thea von Harbou, que também escreveu o roteiro em parceria com Lang) onde haveria uma classe dominante (os ricos) e uma classe dominada (os operários), que viviam em suas cidades no subsolo, onde trabalhavam diuturnamente, em períodos divididos de 10 horas cada, para não deixarem que a cidade onde os mais ricos moravam parasse. Ou seja: estamos em um futuro distante e o mundo está sob o comando dos poderosos, que isolaram os mais pobres no subsolo como se fossem seus escravos, para que trabalhassem em prol dos mesmos.

Comandados por Freder Fredersen (Gustav Fröhlich), os operários são obrigados a trabalharem sem parar para que a cidade não pare. Um dia, após achar planos de uma possível rebelião nas roupas de um operário que havia morrido em um acidente, o filho de Fredersen, Johhan Fredersen (Alfred Abel), decidiu descer até a cidade dos operários, lá vendo quão desumano era o tratamento que eles sofriam - cena memorável a que ele fica exausto tendo de trabalhar em uma máquina com ponteiros, não vendo a hora em que as suas 10 horas de turno terminassem.

E é naquele local horroroso que ele encontra a bela Maria, que em uma das reuniões à qual ele comparece como se fosse um trabalhador comum, vê que os planos da rebelião estão mesmo sendo levados adiante. Mas, ao contrário de que pensavam, eles querem que tudo seja feito na paz, e esperam que um mediador os ajude a fazer isso. Mas os planos deles não dão muito certo, pois Freder Frederson pede ajuda a um cientista de sua confiança (interpretado por Rudolf Klein-Rogge), que está trabalhando na construção de um robô que será capaz de substituir os humanos no trabalho. E ele seqüestra Maria, substituindo-a pelo robô, infiltrando-o no meio dos operários para tentar causar a discórdia e a própria destruição dos mesmos, mostrando assim que estes não merecem o respeito que exigem.

Assim como na saga futurista dos irmãos Wachowski, os operários são levados a acreditar que um dia virá alguém que os libertará de todo esse sofrimento e angústia. No caso, O Mediador. Mas aqui a espera deles têm algum fundamento, pois liderados por Maria (interpretada por Brigitte Helm, que também faz o papel do robô que toma o lugar dela), eles acreditam que "não pode haver entendimento entre a mão e o cérebro se o coração não agir como mediador" (sentença hoje célebre no mundo do cinema). E é por esse coração que todos aguardam. Como podemos ver, em sua visão do futuro, o diretor não estava tão errado, pois hoje em dia já acontece algo parecido: os trabalhadores têm que fazer com que o país não pare, enquanto que a classe mais poderosa somente desfruta de todas as regalias às custas de quem trabalha incessantemente.

Com uma bela história e um jeito único de contá-la, Fritz Lang nos mostra que não é preciso encher um filme de efeitos especiais (embora estes também foram necessários para criar um visual revolucionário para a época) e lances futuristas que sabemos ser difícil de que venham a acontecer para se fazer um bom filme de ficção. Imitado por várias gerações posteriores, Lang tinha uma particularidade que anos após veio a ser copiada pelo maior mestre do suspense. Após ter de ensinar a um ator como deveria fazer com a mão em um close, o diretor acabou gostando do take e utilizando-o no filme original. A partir daí, ele optou por colocar em todos os seus filmes um close de sua própria mão. Alfred Hitchcock o imitou aparecendo em todas as suas películas. E hoje em dia M. Night Shyamalan faz a mesma coisa. O que é bom tem de ser copiado mesmo.

O filme original, feito em 1927 (portanto, mudo), tinha mais de cinco horas de duração. Mas com o passar dos anos, ele foi sendo enxuto, até que chegasse hoje em dia com a sua versão de um pouco mais de duas horas de projeção. Com tantos filmes ruins sendo refilmados, os executivos de Hollywood deveriam tentar recontar essa história, com os recursos que dispõem hoje. Se derem sorte de pegar um bom diretor, teremos uma ótima história nas telas. Se você se acha entendedor de filmes, esse é indispensável.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

04/11 - Cidadão Kane

Cidadão Kane - Orsom Welles (1942)

Sinopse
Baseado na vida do magnata das comunicações William Randolph Hearst, conhecemos a história de Charles Foster Kane, o homem que construiu um império a partir do nada, mas que vivia uma vida pessoal extremamente ruim. Vencedor do Oscar de Melhor Roteiro, é considerado um dos filmes mais importantes da história. Duração: 119 minutos

Crítica - Cidadão Kane (Orson Welles, 1941)

por Rodrigo Cunha
Extraído de http://www.cineplayers.com/critica.php?id=224


Engraçado como a mente de um gênio funciona. Com pouco mais de 20 anos, Orson Welles dirigiu, produziu e roteirizou uma das maiores obras-primas da história do cinema. Nesta matéria, comentarei o filme em si, sua repercussão na época, algumas curiosidades, sua atualidade, o quão serviu para a evolução das técnicas do cinema e muito, muito mais. É complexo falar de Cidadão Kane; é complexo assisti-lo; é complexo entender sua importância.

É impossível falar do filme sem levar em conta a época que fora realizado. Se ainda hoje tem impacto e denuncia toda a sujeira por trás do sistema jornalístico mundial, imagine o apocalipse que causou na década de 40, tradicionalista e cheia de regras de conduta? Um personagem sujo, egoísta, egocêntrico, no meio de tantos galãs? Uma guerra começando e a denúncia ali, na tela? Era muito para as pessoas. Diversas abandonavam as salas de cinema revoltadas, e o filme foi muito mal em diversas críticas.

Ele começa com uma cena curiosa. Um castelo, que em breve sabemos que se chama Xanadu, com uma placa de “afaste-se” pendurada na grade e uma câmera que vai passeando por ele até uma janela. Até aí nada demais, para nós que estamos acostumados com uma certa linguagem no cinema, mas teve um significado muito maior na época. Depois a cena transição para dentro do castelo, outro recurso técnico inovador, vemos uma pessoa segurando uma bola dizendo “Rosebud”. Logo depois, ele a solta, entra uma enfermeira na sala e vemos que o homem está morto.

Tem-se início um documentário. Através dele descobrimos que quem acabara de morrer é ninguém mais ninguém menos que Charles Foster Kane, um dos homens mais importantes da época. O documentário tem duração de mais ou menos 10 minutos e mostra tudo resumidamente o que será aprofundado pelas próximas duas horas de Cidadão Kane. A partir daí, vemos quem está realizando o tal documentário, e que o mesmo não está satisfeito com o resultado provisório apresentado. Na tentativa de tornar o conteúdo mais interessante, ele coloca seus jornalistas atrás da resposta sobre uma questão que será a espinha dorsal do filme: o que diabos significaria “Rosebud”, a última palavra proferida pelo gigante Kane?

A genialidade de Welles entra junto com essa palavra, pois como poderiam saber qual foi se Kane estava sozinho na hora que a pronunciou? Welles jogou sabiamente com isso, e os mais despercebidos com certeza não notaram esse sutil detalhe. É como se nós, o público, tivéssemos espalhando a notícia. Isso mostra a profundidade do filme já na primeira cena. É como se fosse um aviso, “preste atenção em mim o tempo inteiro, porque nada aqui está por acaso, tudo tem seu significado, seu valor”. Realmente, é preciso ver Cidadão Kane com dois olhos, um de avaliador e outro de apreciador. Se possível, inúmeras vezes.

Na jornada para descobrir a resposta que procura, o jornalista Thompson (William Alland) entrevista diversas pessoas que mantiveram um forte contato com o magnata: sua ex-mulher (Dorothy Comingore, como Susan Alexander), seu antigo melhor amigo (Jedediah Leland, interpretado por Joseph Cotten), seu mordomo, etc. E a cada encontro uma nova história é contada, sempre de modo magnífico, trabalhando cada vez mais os personagens, evoluindo, fazendo transformações. As interpretações sempre perfeitas, com Welles extraindo tudo de seus atores. O modo como essa história é contada foi uma revolução para a época, por causa da narrativa não-linear. É necessário a atenção do espectador para colocar em ordem tudo o que o filme está apresentando. Nunca um filme havia utilizado tal sistema de flashbacks antes (sim, flashbacks já haviam sido usados, mas nunca dessa forma, assíncrona, para construir a história; eram utilizados apenas para esclarecê-la).

O interessante é que a descoberta do que seria “Rosebud” acaba se tornando um plano de fundo para descobrirmos o quão longe um ser humano pode chegar. Não é o verdadeiro foco do filme, e sim o trabalho sobre o personagem de Welles. Esse foi o primeiro grande impacto real que o filme causou sobre as pessoas, pois como falei acima, Kane não era o grande galã que elas estavam acostumadas a ver nas telas da época. Isso causou um repúdio ao personagem, acentuado ainda mais pelo jornalista William Randolph Hearst, que acreditava que muitos dos acontecimentos do filme foram baseados em sua vida real (e foram mesmo, o número de ‘coincidências’ é enorme). Ele começou uma forte campanha anti-Kane que afundou ainda mais o já sujo filme. Foi vaiado pelos poucos espectadores que não saíam do cinema ao final. O enredo, fazendo fortes críticas ao sistema jornalístico da época, é assinado por Herman J. Mankiewicz e o próprio Welles. Ousado, inovador, profundo, faturou o Oscar da categoria (mesmo com toda essa explosiva energia contra o filme, que das oito indicações, só ficou com essa).

Logo na cena de abertura, onde vemos o portão em primeiro plano e o castelo no segundo, é o primeiro aspecto técnico impressionante, afinal, era a primeira vez que a profundidade de campo era usada intencionalmente em um filme. Orson Welles trabalhou, durante toda sua duração (e brincando nesse começo), sobre a importância do que acontecia em primeiro e em segundo plano. Ele e seu Cidadão Kane foram os grandes responsáveis por talvez o recurso mais comum hoje em dia no cinema. Impossível um filme não se aproveitar dessa técnica. Outro ponto legal é a passagem do exterior do castelo para o interior, com a fusão de películas e um longo travelling. Isso era outro fator inédito, esses movimentos com a câmera, até então nunca utilizados. Se Griffith inventou a linguagem cinematográfica, foi Welles que a aperfeiçoou e deu as ferramentas para todos os diretores trabalharem com ela.

A direção de arte teve um papel importantíssimo, mesmo que passe despercebida para os espectadores casuais (bem, hoje em dia eles não existem mais, mas estou considerando a época em que foi realizado). Como o filme abrange diversos anos da vida de Kane, é impossível não perceber o belo trabalho da maquiagem. O modo como Welles foi transformado, envelhecendo anos junto com Kane é fantástico. Ah, vale citar que nem todos os cenários eram realmente o que apareciam. Muitos foram construídos pela metade para cortar custos e Welles mais uma vez provou sua competência ao fazê-los crescer frente às câmeras. No documentário inicial, por exemplo, foram usadas diversas imagens de arquivo para baratear a obra o máximo possível.

A fotografia é outro fator importantíssimo para o filme. Ao contrário do Expressionismo Alemão, que utilizava das sombras para tornar o protagonista parte do cenário, Gregg Toland (o fotógrafo do filme) utilizou o jogo de luz e sombras para dar o clima dark que queria. Sempre que Kane ia revelando seu lado negro, fazendo suas peripécias somente pensando em si, a sombra dominava o cenário, geralmente o encobrindo. O enquadramento foca tanto os primeiros planos como os segundos, sempre jogando com isso, diversas vezes mostrando o teto dos cenários, brincando com o tamanho aparente e seus egos no momento.

O que pode ter sido a gota d´água para Randolph processar Welles e fazer todo o estardalhaço anti-Kane (o que hoje em dia poderia acabar influindo a favor do filme, já que todos ficariam curiosos para saber qual bomba seria esta fita) não deve ter sido o modo como ele estripou o caráter de Kane. Não deve ter sido todo o repúdio ao jornalismo e as pessoas que se sentiram ofendidas com isso. Deve ter sido justamente a palavra Rosebud, o coração do filme. Welles poderia ter escolhido qualquer outra palavra no mundo, mas por que ele foi colocar justamente o nome como Randolph chamava o clitóris da amada?

Falei, no início dessa matéria, que o filme se mantinha atual, apesar de já ser sexagenário. Mas, por que? É bem simples. É só ver que todas essas críticas, toda essa sujeira que é percebida até hoje quando o assunto é jornalismo, onde uma TV especializada, por exemplo, deixa de dar uma importante notícia só porque uma pessoa que já foi famosa já não é tanto hoje em dia. É só ver o que uma pessoa faz para se manter por cima, ver todas as pessoas que ela não faz questão de pisar para que seu ego continue alto. É natural. Não que seja certo, mas está no sangue do ser humano, não há como negar as origens.

Na restauração da imagem e do som, para que uma boa qualidade fosse alcançada, foi necessário um trabalho foto-químico digital em uma cópia guardada no MoMA, já que a original havia se perdido em um incêndio. Por pouco não ficamos sem um dos maiores clássicos do cinema, considerado por muitos críticos como o melhor filme já feito de todos os tempos.

O reconhecimento veio com o tempo. Não que Welles tenha feito uma obra tendo em vista que ela fosse amadurecer e ser reconhecida com o passar dos anos, isso aconteceu naturalmente, talvez impulsionado pelo impacto causado na época. As pessoas ficaram curiosas, estudaram o filme e perceberam o talento do jovem diretor de apenas 25 anos, todo o seu simbolismo, sua inovação e, principalmente, sua importância dentro do cinema. É triste ver que um gênio como esse passou muita dificuldade na vida, enquanto algumas pessoas que se consideram diretores hoje em dia nadam nos cifrões de Hollywood.

Pode ser que nem todos gostem tanto assim da história de Cidadão Kane, mas, analisando toda a sua importância, o filme é impecável. Um grande clássico do cinema que deve ser assistido por todos, não importa a idade, o sexo, os valores humanos. Inesquecível, um filme que estará vivo facilmente por outros 60 anos.

Programação Novembro: Grandes Clássicos do Cinema - Votação final

07/11: Cidadão Kane (Orson Welles, 1941)
Baseado na vida do magnata das comunicações William Randolph Hearst, conhecemos a história de Charles Foster Kane, o homem que construiu um império a partir do nada, mas que vivia uma vida pessoal extremamente ruim. Vencedor do Oscar de Melhor Roteiro, é considerado um dos filmes mais importantes da história. Duração: 119 minutos

14/11: Metrópolis (Fritz Lang, 1927)
O futuro é distante e o mundo está sob o comando dos poderosos, que isolaram os mais pobres no subsolo como se fossem seus escravos, para que trabalhassem em prol dos mesmos. Comandados por Freder Fredersen (Gustav Fröhlich), os operários são obrigados a trabalharem sem parar para que a cidade não pare. Obra-prima de Fritz Lang, reconhecido como um dos filmes-mudos mais importantes já lançados no cinema, continuando atual ainda hoje. Duração: 123 minutos

21/11: 2001 - Uma Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick, 1968)
Desde a pré-história, um misterioso monolito negro parece emitir sinais de outra civilização, interferindo no nosso planeta. Quatro milhões de anos depois, no século XXI, uma equipe de astronautas a bordo na nave Discovery é enviada a Júpiter para investigar o enigmático monolito. Duração: 139 minutos

28/11: São Paulo Sociedade Anônima (Luís Sérgio Person, 1965)
São Paulo S/A se passa no momento de euforia desenvolvimentista provocada pela instalação de indústrias automobilísticas estrangeiras no Brasil no final dos anos 50. O filme conta a história de Carlos, que segue a trajetória da maioria dos jovens de certa camada da classe média paulistana. Guiando-se pelas oportunidades imediatas que a sociedade oferece, ingressa numa grande empresa. Logo depois, aceita um cargo numa fábrica de auto-peças, da qual torna-se gerente. A certa altura, encontra-se na pele de um chefe de família, que trabalha muito, ganha bem, mas vive insatisfeito. Sem um projeto pessoal de vida ou perspectivas de se opor à condição que rejeita, só lhe resta fugir. Duração: 112 minutos

Programação Novembro Grandes Clássicos do Cinema - Votação final

1-São Paulo Sociedade Anônima 37 votos
2-Metrópolis 30 votos
2001 - Uma Odisséia no Espaço 30 votos
4-Cidadão Kane 29 votos
5-Cinema Paradiso 28 votos
6-A Doce Vida 27 votos
7-Touro Indomável 26 votos
8-Yojimbo 25 votos
9-Um corpo que cai 23 votos
10-O discreto charme da burguesia 22 votos
11-O Crepúsculo dos Deuses 19 votos
Acossado 19 votos
O Encouraçado Potenkim 19 votos
14-O Sétimo Selo 16 votos
15-Chinatown 15 votos
16-Doze homens e uma sentença 13 votos
17-Blow up-Depois daquele beijo 10 votos
18- O Gabinete do Dr. Caligari 09 votos
19-Três homens em conflito 08 votos
20-O Falcão Maltês 07 votos

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

31/10 - Vidas Secas

Vidas Secas - Nelson Pereira dos Santos (1963)

Sinopse
Família de retirantes, Fabiano, Sinha Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo e a cachorra Baleia, que, pressionados pela seca, atravessam o sertão em busca de meios de sobrevivência. Recebeu o prêmio do OCIC e prêmio dos Cinemas de Arte em Cannes em 1964. Baseado na obra de Graciliano Ramos. Duração: 103 minutos.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

24/10 - O Bandido da Luz Vermelha

O Bandido da Luz Vermelha - Rogério Sganzerla (1968)

Sinopse
Um assaltante misterioso usa técnicas extravagantes para roubar casas luxuosas de São Paulo. Apelidado pela imprensa de "O Bandido da Luz Vermelha", traz sempre uma lanterna vermelha e conversa longamente com suas vítimas. Debochado e cínico, este filme se transformou num dos marcos do cinema marginal. Duração: 92 minutos

NÃO PERCAM!!
ANTES DA SESSÃO HAVERÁ UMA PEQUENA PALESTRA ENTITULADA
"CINEMA MARGINAL"
MINISTRADA POR CARLOS FERNANDES.
E APÓS A SESSÃO, DISCUSSÃO SOBRE O FILME TAMBÉM MEDIADA POR CARLOS FERNANDES.

Crítica - O Bandido da Luz Vermelha

por Herculano Callou
Extraído de http://oficinadetextos2007.blogspot.com/2008/10/o-bandido-da-luz-vermelha-por-hermano.html

O principal risco de se escrever hoje sobre O Bandido da Luz Vermelha é o de celebrar o caráter de ruptura do cinema de Rogério Sganzerla dentro de um discurso crítico que o torne inofensivo. Quando nos encontramos com O Bandido hoje, temos que lidar com toda uma herança crítica que tomamos contato direta ou indiretamente e que se coloca, de alguma forma, como mediadora da obra. Podemos agora, portanto, saborear, tranqüilamente, a disformidade e o caráter dissidente do filme, seguindo passo a passo as linhas do mapa que já foram traçadas. O que se desenha, nesse intuito, é um filme sem arestas, sedimentado em um bom gosto cinematográfico que a própria obra parecia rejeitar, pelo menos no momento em que foi fabricada. Se ainda faz sentido ver e procurar escrever sobre O Bandido da Luz Vermelha é porque algo ainda se mantém em suspenso e ainda resiste. O filme de Sganzerla ainda pode ser um campo minado.

O Bandido da Luz Vermelha foi uma reação à institucionalização do Cinema Novo como porta voz da consciência nacional e a uma crise política que, de maneira muito geral, pode ser mapeada como uma crescente descrença em qualquer tipo de teleologia histórica. O sertão continuava seco, o mar permanecia em sua placidez azul e nada sugeria que a situação viesse a se alterar. Se Terra em Transe soube materializar o desespero da crise por uma teatralização trágica do fracasso político, O Bandido da Luz Vermelha escolheu o riso nervoso, a gargalhada agressiva, a irônia absoluta. Enquanto o Cinema Novo, nos seus primeiros momentos, sempre se manteve em uma distância segura da cultura de massa, O Bandido implodiu distinções em uma poética inclusiva e voraz, que soube se apropriar da tv, do noticiário sensasionalista, do filme de ficção cientifíca B, do filme noir, da chanchada e das revistas em quadrinhos. O amálgama que surgiu destilava um sarcasmo francamente sombrio sobre a possibilidade de um cinema político edificante e conscientizador e, ao mesmo tempo, violentava o bom gosto de uma classe média alta que havia aprendido a apreciar o Cinema Novo.

O que eu acabo de falar - nada muito novo, evidentemente, haja vista o que já se escreveu sobre o filme - contribui pouco para entender o que significa O Bandido da Luz Vermelha hoje. Ao colocar O Bandido em uma perspectiva histórica, pode-se enclausurá-lo como resposta imediata a uma certa conjuntura política e cinematográfica e, portanto, pacificar em uma interpretação totalizante o que o filme possui de caótico. O Bandido se inicia com um letreiro luminoso, em que se lê “um gênio ou uma besta”. Em seguida, em um corte tipicamente godardiano, nos deparamos com a imagem de uma esfinge. Ouvimos, em voice over, a pergunta “quem sou eu?”, proferida por o assim chamado Bandido da Luz Vermelha (Paulo Vilaça), um assaltante de casas de luxo de São Paulo. O personagem é uma esfinge que propõe a se próprio como questionamento: figura que o filme tenta o tempo todo decifrar, sem sucesso. Policiais vagabundos, locutores de rádio enlouquecidos e o próprio bandido lançam um volume desordenado de informações pouco críveis a respeito do persongem, que nunca se torna completamente apreensível.

Se a indagação metafísica do início do filme sugere que o enredo permitirá um aprofundamento psicológico do seu personagem, o desenvolvimento do filme trata de mandar essa idéia para longe. Não há posto de observação seguro: Sganzerla não estabelece um personagem unificado, mas o apresenta como um entrecruzamento de vozes que nunca alcança unidade ou coerência. A voice over do personagem, narrando sua infância pobre, nos sugere o marginal da ficção realista, sua imagem nos remete a uma iconografia noir de homens durões, as notícias de rádio dos seus assaltos desenham uma figura típica do jornalismo sensasionalista, o comportamento anárquico do bandido nos lembra certo herói de alguns filmes de Godard, o personagem parece, em alguns momentos, saído de uma história em quadrinhos. A narrativa acompanha o mesmo impulso: fragmentação e caotização intensa, intertextualidade em expansão descontrolada, riso paródico de si mesmo. O Bandido ainda não perdeu a capacidade de nos desorientar.

Imagino o que seria se O Bandido abandonasse sua condição de marco histórico do cinema brasileiro e andasse pelas ruas novamente. O que teria ainda O Bandido para nos provocar? Em uma época em que o cinema que se propõe político apresenta questões e idéias já muito bem assentadas no mercado cinematográfico, O Bandido nos lembra que o cinema pode ser político não apenas no colorido temático, mas na própria carne: Sganzerla sabe que é preciso romper com a sensibilidade dominante se quiser quebrar a fruição do filme como espetáculo e colocar o espectador em questionamento.

O final do filme é, sem dúvida, o momento mais poderoso e terrivelmente belo da obra. Luz, o bandido, consegue enfim se suicidar. Amarra fios pelo seu corpo, em meio a um vasto lixão, e morre com uma descarga elétrica. Referência ao suicídio de Ferdinand em Pierrot le fou, de Godard, a morte de nosso personagem se encontra em uma sucessão de planos curtos e intensos, tal como o próprio filme do francês. Se a morte de Ferdinand era o fim de um projeto de existência nômade e livre, levado por um jovem burguês cansado da normalidade da vida social, a morte de Luz é a culminação de um processo de autodestruição, descentramento e apagamento de identidade. Uma catarse. Após o suicídio de Ferdinand, Godard, no entanto, nos oferece a redenção com um belo travelling lateral para o mar. A morte de Luz, ao contrário, nos apresenta o início do caos: fuzileiros navais, comunistas, ets ou não sei mais o quê invadem o Brasil. Com a atmosfera de um carnaval, mas também a de uma revolução, assistimos imagens fritarem na tela, histericamente: uma roda de samba com ares de macumba, disco voadores explodindo no céu, uma imagem de São Jorge pegando fogo. Máscaras disformes de noções de brasilidade, as últimas imagens do filme mantiveram sua beleza e violência por esses quarenta anos. Se o filme se inicia com um “quem sou eu” é curiosamente amargo que ele termine com o berro do locutor de rádio dizendo um “e daí?”


Artigo: A estética do lixo do bandido Sganzerla

por Carim Azeddine
Extraído de http://www.contracampo.com.br/58/bandidodaluzvermelha.htm
Publicado originalmente na Revista Contracampo Edição 58


Ao realizar com vinte e poucos anos O Bandido da Luz Vermelha, Sganzerla não apenas surge com um filme totalmente novo e genial no cenário algo institucionalizado em que vai se tornando o Cinema Novo. Mais que isso, seu primeiro filme vem apontar para um outro cinema, fatalmente batizado de marginal, descompromissado com construções narrativas e psicológicas. Um cinema do instante, ao mesmo tempo performático e reflexivo. E não surpreende que, antenado com a novidade, Glauber tenha também enveredado por essas trilhas, ao filmar Câncer. Apesar da fidelidade aos amigos, sua sensibilidade artística estava mais próxima do experimentalismo dos marginais Sganzerla e Bressane. O resto da sua trajetória solitária o confirmaria cada vez mais.

Ainda hoje, ver ou rever O Bandido da Luz Vermelha dá a impressão de que se está diante de um marco, um divisor de águas. A diferença com os outros filmes contemporâneos, flagrante, ainda opera com força. O humor inteligente e debochado, escrache de um filme que não quer se levar a sério, o complexo tecido de referências, citações, gigantesca colagem de tudo que rodeava um jovem brasileiro urbano em 1968, a montagem complexa, virtuosística, quase experimental, o esvaziamento psicológico e narrativo da trama ainda hoje contrastam radicalmente com todo o cinema que então se fazia (e se faz) no Brasil. Um filme que aponta nitidamente para o que viria logo em seguida: a radicalidade criativa do chamado cinema marginal.

Ver ou rever O Bandido da Luz Vermelha é uma curiosa experiência. Um mergulho num filme visceralmente identificado à sua época e, talvez por isso mesmo, ainda atual, nada tendo perdido do seu poder. Atemporal, nunca datado. Eterna lição de cinema.

O Bandido da Luz Vermelha é um intenso diálogo com o cinema, com o dado cultural em geral (quadrinhos, tv, música popular), com o Brasil em época de crise. As convulsões do país não se manifestam numa transposição metafórica, como no belo e lírico Terra em Transe. O sintoma em lugar do símbolo. Um bandido em lugar de um poeta. Cada elemento do filme diz essa convulsão, que não é só política, é total, pois que o político nada mais é que o viver-junto. O próprio filme como produto de um país pobre, periférico, em crise. Depois da estética da fome, a estética do lixo.

Pierrot le fou em São Paulo não mais se suicida com dinamite num cenário idílico. Morre eletrocutado num lixão. Ao multiplicar as referências ao cinema de Godard, Sganzerla faz mais que uma deglutição carnavalesca, inversão paródica de um cinema de primeiro mundo, esteticamente ambicioso. Para além da erudições de cinéfilo e das marcas de filiação, trava um diálogo sobre as condições de se fazer arte num país periférico. Vivendo num país semi-industrial do terceiro mundo, apenas nos resta fazer cinema com os restos do primeiro. Um cinema da gambiarra, do gatilho, da recuperação.

O Bandido da Luz Vermelha decompõe a seqüência do suicídio de Pierrot, numa análise visual aguçada e certeira, para deslocá-la estruturalmente, fundamentalmente, para a realidade do país/filme. Um país em crise pede um filme em crise. Crise da representação, impossibilidade de, sendo periferia, fazer cinema de primeiro mundo. Imagens das mais diversas natureza entram em conflito, numa montagem heterogênea, colagem dos mais diversos objetos culturais. A temporalidade do filme de Godard, contemplativa e melancólica, busca do absoluto na arte e na vida despedaça-se, atomiza-se numa sucessão de instantes, um presente a gaguejar sem fim, infernal. Não há possibilidade sequer de avançar, evoluir ao longo da linha do tempo, quanto mais aspirar ao eterno. O bandido, manifestando a crise existencial de ser brasileiro quando o mar não tá pra peixe, grita, engole tinta, tenta se matar no mar depois de borrifar-se com detefon, e termina por dizer à câmera: "Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba."

É o fim das ilusões. O poeta de Terra em Transe procura pelo erro cometido. Talvez ainda acredite poder salvar seus sonhos. O bandido já não os tem. Já não pensa em construir; autodestrói-se. Estética do lixo não é estética da fome.

Sganzerla escolhe uma estratégia radicalmente diferente, diria até oposta, da do cinema novo. A metalinguagem, o discurso que se apresenta enquanto discurso, sem artifícios, destina-se a outro público. O filme fala de igual para igual com o espectador. Quem tem os dados para enxergar a mensagem que o faça e azar de quem não tem. O trato é com a inteligência. Não se trata mais de conscientização, ilusória proposta do cinema novo, nem de empatia, talvez seu verdadeiro veículo. Sganzerla, conscientemente, está falando para um público de classe média culto, seu semelhante. Aponta para o fim da ilusão de um cinema de transformação social, tabu cinemanovista até então incólume.

Mais que isso, a estratégia da metalinguagem põe em cheque a sagrada ontologia da imagem. Não mais acreditar numa representação unívoca da realidade. Referir-se indiretamente ao mundo. Referir-se a outras referências. O uso da paródia, da colagem, da citação, ou seja, a metalinguagem, privilegia a natureza discursiva da obra, explicitando-a como construção conceitual. Assume-se como ponto de vista, a ser confrontado com o do espectador. Na sua relação direta ao mundo, o cinema novo não questiona a imagem. Todo o seu discurso alicerça-se sobre esta verdade última. "Você vai me desculpar se isso que eu tô dizendo não seja verdade mas uma simples mentira", afirma o bandido. Ao instaurar uma relação direta ao cinema e não mais ao mundo, o filme de Sganzerla pede outra postura da parte do espectador. O próprio filme torna-se instável, múltiplo, ambíguo.

Questionar o poder do discurso da arte leva a questionar a própria arte e o lugar do artista. Não mais a certeza da nobre missão política do artista engajado. Não mais a certeza do poder do discurso cinematográfico. Talvez esteja aí a razão profunda do conflito entre marginais e cinemanovistas.

Biografia - Rogério Sganzerla

Desde cedo, Sganzerla manifestou sua vocação para o cinema. Casou-se com sua própria musa do cinema (a atriz Helena Ignez), viveu para o cinema e morreu fazendo cinema, assim como os Irmãos Ientz. Nascido em Joaçaba (SC) no dia 26 de novembro de 1946, foi leitor e escritor precoce, formado desde a adolescência na leitura de diversas tradições artísticas e de vanguardas mundiais.

Antes de começar sua produção cinematográfica, escreveu durante quatro anos para o jornal O Estado de S. Paulo, sempre sobre cinema. Em 1967 realizou seu primeiro curta-metragem titulado como Documentário. E em 1968 seu primeiro longa-metragem foi rodado, o consagrado O bandido da luz vermelha. A partir daí realizou uma notória carreira como diretor de cinema.

Sempre buscando a transgressão. Em toda a sua obra se vê uma força criadora e viva, deslocando-se visivelmente das idéias tradicionais e secas de grande parte do cinema contemporâneo, atual ou não. Em 1970 fundou a produtora Bel-Air, juntamente de Júlio Bressane. Esta produtora foi responsável por filmes do diretor como O abismo, Copacabana mon amour e Sem essa aranha. Pesquisador e pensador da imagem em sua duração e em seu movimento, criou novas relações de linguagem com uma nova forma de olhar para a tela.

Com influência direta na cinematografia de Orson Welles, Jean-Luc Godard,Michelangelo Antonioni e Samuel Fuller, além de utilizar com alta freqüência os clichês do filme noir e das pornochanchadas. Apresentou sempre um cinema de ruptura, inclusive com os próprios modelos. Ele fez da ironia sua marca registrada, do “antifilme” sua referência constante e da câmera na mão sua maior aliada. Bom-humor picante, linguagem próxima às histórias em quadrinhos, personagens bem (des)estruturados, ineditismo, sarcasmo da narrativa clássica, lentes anárquicas e debochadas, câmera imprevisível, radicalidade estética e temporalidade diferente e reflexiva, são as principais características que fazem do cinema de Rogério Sganzerla inexplicável em poucas palavras.

Morreu em 2004, devido a um tumor no cérebro, apenas um breve tempo após realizar seu último filme O signo do caos.

Filmografia:
    2003 - O signo do caos
    1997 - Tudo é Brasil
    1993 - Perigo negro
    1992 - Oswaldianas
    1989 - A linguagem de Orson Welles (curta-metragem)
    1986 - Nem tudo é verdade
    1981 - Noel por Noel (curta-metragem)
    1981 - Brasil (curta-metragem)
    1977 - O abismo
    1976 - Viagem e descrição do rio Guanabara por ocasião da França Antártica (Villegagnon)
    1970 - Copacabana mon amour
    1971 - Fora do baralho
    1970 - Carnaval na lama (Betty Bomba, a exibicionista)
    1970 - Sem essa, aranha
    1969 - Mulher de todos
    1968 - O bandido da luz vermelha
    1968 - HQ (curta-metragem)
    1966 - Documentário (curta-metragem)

Notícia: Sganzerla será homenageado no Festival de Trieste


Notícia publicada em 11/10/09 em CineClickUol

Rogério Sganzerla será homenageado na 24ª edição do Festival de Cinema Latino-americano de Trieste, na Itália. O festival será realizado de 24 de outubro a 1º de novembro, na cidade italiana.

O diretor brasileiro, morto em 2004, é um dos símbolos do cinema "Boca do Lixo", da década de 60. Durante o evento será exibida uma retrospectiva com 12 de seus filmes. Entre os sucessos do cineasta está O Bandido da Luz Vermelha (1968).

O 24º Festival de Cinema de Trieste ainda exibirá 180 filmes, curtas e documentários, informou a AFP.


Artigo: Na saga da beirada - A Redescoberta do Cinema Marginal


por André Maleronka
Extraído de http://www.viceland.com/br/v1n4/htdocs/na-saga-124.php?country=br
Publicado originalmente na revista Vice Magazine Ano 01 Edição 04

Quando assisti O Bandido da Luz Vermelha pela primeira vez, eu tinha 17 anos. Estava meio chapado, de madrugada, assistindo TV e peguei o filme já no meio num canal de TV estatal. Não entendi da onde vinha aquilo tudo. Episódios barulhentos e encadeados que contavam a história de um ladrão estuprador, com narrações e diálogos sarcásticos que são quase palavras de ordem: “O Terceiro Mundo vai explodir! Quem tiver de sapato não sobra!”. Um filme policial de humor desgraçado, cruel, crítico pra cacete, as atuações alegóricas na cara dura.

Claro, como bom adolescente, eu já conhecia os filmes da Pornochanchada que passavam na Sala Especial da TV Record, e alguns deles até tinham um pouco da tonitruância, nudez e escracho que eu via ali, mas aquilo eram outros quinhentos. Não subestimava quem assistia em troca de ereções nem abusava do frasismo entusiasmado atrás de risadas. Era único. Achei o diretor do filme, o tal do Rogério Sganzerla, um gênio. “Filme legal é isso, O Bandido” virou um lugar-comum em rodas de amigos e mesas de bar.

Demorou anos, mas descobri que O Bandido era só a cabecinha—tá bom, uma cabeçorra—de uma jeba que mede quase 70 filmes de comprimento, entre curtas, médias e longas que tentou ficar ereta durante uns dez anos na má intenção de arrebentar as pregas da sociedade, que na época eram bem apertadinhas. Eram os anos de chumbo do governo militar e muitos desses filmes, que eram coitos em público, foram interrompidos através da censura e dos boicotes feitos pelos usurpadores fascistas que tentavam fazer papel do pai protetor nos lares brasileiros.

Isso que acabei de comparar com um penis gigantesco foi, como muitas das boas coisas, um estado de espírito que as pessoas tendem a ver como movimento, e que para o desgosto da maioria de seus diretores foi agrupado sob a pecha de “cinema marginal”. Tudo bem que um dos filmes considerados marco inicial do “movimento” se chame a A Margem, realizado pelo ex-caminhoneiro de bigode cabuloso Ozualdo Candeias em 1967, que o próprio Sganzerla tenha feito publicar o seu manifesto Cinema Fora da Lei em 1968, e que, principalmente, esses tais filmes tivessem uma predileção pelas pessoas à margem da sociedade e buscassem formas de contar as histórias que optassem pela deriva do personagens, câmeras e roteiros. Tudo bem que o epicentro dessa produção tenha sido a Boca do Lixo no centro de São Paulo. Mas a verdade é que essa denominação pegou por conta de uma enxurrada de preconceito e estereotipia da imprensa—não é de hoje que a mídia está coalhada de sicofantas. “Essa coisa de marginal nasce com força em matéria da Manchete que vem com uma foto do Orgia, ou O Homem que Deu Cria, do João Silvério Trevisan. ‘Ah, o que é isso?’ ‘Ah, isso é cinema de marginal, cinema marginal’. Já é 70. Em 70 que esse nome estoura. Já tinha sido usado, as pessoas já falavam, mas não tinha ainda sido tão popularizado.” Quem me contou essa e a maioria das coisas que divido aqui com vocês foi o Eugênio Puppo, pesquisador à frente da Heco Produções que organizou a Mostra Marginal em 2001 com 40 filmes em São Paulo, 61 no Rio e 35 em Brasília.

Fui atrás do Puppo porque a produtora dele está com um projeto, junto com a Lume Filmes, do Maranhão, de colocar na rua 12 DVDs com filmes marginais, todos com livretos supercompletos e extras inacreditáveis. Até agora já saíram quatro: Bang Bang de Andrea Tonacci, Sem essa Aranha do Sganzerla, Meteorango Kid, O Herói Intergalático de André Luiz Oliveira e Os Monstros de Babaloo de Elyseu Visconti. O Puppo estava irritado com os lançamentos de selos brasileiros: “Eles lançam e põem lá um longa e um curta, ou um longa e dois curtas, ou galeria de posteres, sabe? Parece coisa de internet e não é, não é nem interativo... É pior! Aí não tem condição. Do Tonacci, por exemplo, a gente fez o Ismail Xavier analisando Bang Bang”. Ele também contou que o único registro de um curta de Oliveira, O Doce Amargo, é no DVD, porque o negativo estragou, foi pro lixo e não tem cópia. A única cópia que existia eles deram um play já copiando pro Mac. Depois de salvo, “demos um play na fita de novo e a fita fodeu, foi pro lixo. Então nesse Doce Amargo demos um trato, e a gente colocou os curtas que ele fez com o Mário Cravo—o fotógrafo, que acabou de morrer, fez curtas, coisas muito loucas...”. Tem uma entrevista inédita de duas horas do Rogério Sganzerla feita nos anos 90 que é realmente fantástica. Há dois anos seu filme de maior projeção, O Bandido, foi relançado em DVD pela produtora Versátil. O Puppo fez questão de lançar logo o Meteorango Kid, do diretor baiano André Luiz Oliveira, pra provar que esse jeito livre de fazer cinema não era uma coisa restrita a São Paulo e à Boca do Lixo.

Os filmes, vistos hoje, parecem uma sequência de chutes no saco de obviedade que domina a maioria do cinema nacional atual, que perde tempo em macaquear Hollywood. O Puppo até ensaiou dar uma definição, mas tergiversou: “O cinema marginal, o que é? É a realidade do país da época. A referência do cinema marginal é a própria rua, são as próprias pessoas passando fome, sendo presas, torturadas. Isso é uma coisa que pela primeira vez teve eco”. Na Boca, um lugar delimitado por algumas ruas, botecos, restaurantes, em que as pessoas estavam fazendo todos os tipos de filmes, era comum nego chegar dizendo, “Tô com uma ideia de um filme...”, ou “Tô com umas latas, eu fotografo, tenho uma câmera”. E o filme entrava em cartaz e fazia sucesso porque tinha aonde ser exibido. Ali convivia o povo do cinema com trabalhadores braçais, prostitutas e travestis, entre outras pessoas consideradas “resto” pela sociedade, foi fundamental sim, até para que grande parte dos diretores valorizasse a Chanchada como um momento onde se desenvolveram soluções brasileiras para se contar histórias no ci-nema. Mas a opção independente e autoral de cada um dos realizadores ao soltarem as câmeras e microfones nas ruas foi fundamental e extrapolou a localidade. Outros nomes também foram cunhados: cinema de invenção, cinema poesia, cinema underground. “Os caras puderam fazer um filme para retratar o medo, por exemplo... É impressionante. O cinema de hoje—ele não dialoga com a nossa realidade, ele dialoga com um certo enredo, com uma perspectiva que você vê em muitos filmes que estão sendo feitos para serem selecionados em Cannes, Berlim - há uma internacionalização dos filmes e com isso você perde justamente o melhor do cinema, que é cada país tratando das suas questões. Não quer dizer que isso seja um filme engajado, um filme nacionalista, nada disso”, me disse o Puppo.

A opção pelo esculacho e pela degradação, a opção pelos personagens marginais em geral e não pela classe trabalhadora que a esquerda da época preconizava, deram no que muita gente já classificou como a última vaga inventiva do cinema brasileiro—coletivamente falando, claro. Mas muitos dos filmes foram, isso sim, marginalizados. Nunca, ou pouco, foram exibidos comercialmente, caso de Bang Bang, que na época passou só em Cannes. O Puppo conta que “foi pra Quinzena dos Realizadores lá e fez um puta sucesso”. Existia a Lei de Obrigatoriedade, que exigia que os cinemas passassem curtas brasileiros antes de filmes gringos, o que dava dinheiro e permitia que os caras filmassem em episódios. Mas nem isso segurou, e a porra toda começo a ir pro vinagre a partir de 1976 com a censura, permitindo a penetração massiva de filmes de sexo estrangeiros a partir de O Império dos Sentidos. Algumas coisas ainda foram até 1978, mas a produção degringola pro sexo explícito e o espaço para qualquer outro tipo de filme diminui drasticamente. De qualquer jeito, foram dez anos foda, mesmo os filmes mais cerebrais são obras de instinto—como surubas sujas e sem regras feitas no meio da praça, em frente à igreja e à luz do dia. Guerrilha instintiva, não institucional, feita por diretores de origens variadas, do Ozualdo a Sganzerla e Júlio Bressane, entre quase 30 nomes. Gente que filmava sem medo, “os caras eram loucos, saiam filmando dando tiro na rua durante o regime militar”, conta Puppo sobre Bang Bang, e montava como se tivesse discutindo com o cara do bar e o presidente da República ao mesmo tempo, todo mundo junto. São filmes para desorganizar a cabeça da plateia, e ao mesmo tempo falam tanto sobre o Brasil que dá pra qualquer um entender, principalmente quem está de saco cheio de assistir filmes onde você já sabe exatamente o que vai acontecer.

Vai Puppo: “O trunfo desse cinema marginal é que ele estava junto do povo. Os anseios eram facilmente percebidos. E isso era absolutamente traduzido para uma obra. Seja para fazer uma crítica, seja para exaltar alguma coisa. Quer dizer, a diferença dessa arte que se faz dentro dos escritórios, de onde você fica lá planejando, mas você não vai à rua, não se relaciona—porque uma coisa é você falar da ditadura e viver num apartamento de cobertura, outra coisa é você estar trabalhando na rua, pegando ônibus, sentindo essa opressão e o que ela faz na vida do cidadão”. Os filmes são absolutamente variados, há alguns barulhentos, outros introspectivos, mas todos falam com uma sociedade em mutação, que ninguém ainda conhecia bem, e cindida entre as opções de nacionalismo excludente e retardado (“ame-o ou deixe-o”) ou a luta armada. Opções que não eram opções. Como pegar uma doença venérea escandalosa pela primeira vez e ter que escolher entre cortar o pau fora ou por fogo na boceta em um delírio moralista, ou ameaçar enfiar logo uma bala na cabeça no meio de um puteiro lotado escolhido a dedo e ser preso por tentativa de suicídio, pra depois ser esfolado na cadeia e ser enterrado como indigente.

Cada um dos filmes que assisti parece vir da necessidade intestina e extrema desses caras de falarem sobre as coisas que estavam acontecendo com as pessoas numa época que isso não podia ser feito. “Então essas viagens, essas frases enlouquecidas, é tudo parte desse universo... Eles são criativos de fato, mas o momento era muito propício. Se você realmente fosse criativo você conseguia catalisar aquilo de uma maneira muito foda”, falou o Puppo. A invenção, a incorporação do improviso, parecem esforços dentro desse espírito de época de sair das beiradas, de falar com quem fosse possível sobre a marginalização que afetava todo mundo—são também o contrário dos manuais de consumo. O Puppo disse que esse ano ainda saem Lilian M.—Relatório Confidencial do Carlos Reichenbach, Hitler Terceiro Mundo do José Agripino de Paula e A Margem do Ozualdo Candeias. Tenho a impressão que filmes fortes assim podem servir muito bem pra você levar alguém pra cama porque você é a pessoa mais esperta do seu rolê. Podem servir pra pensar o Brasil, podem ser assunto pra mesa do bar e o que mais você quiser mas, principalmente, por insistirem em sintonizar o que estava de fora da visão oficial e consolidada da sociedade, por arriscarem e acertar tanto, são coisas bonitas pra cacete e não precisam servir pra nada. Pra mim, dos poucos que eu vi até agora—são 70, pouco exibidos, lembra?—tive a sensação de que se esses filmes não me ajudassem a ser mais eu, eu desistia e ia fazer outra coisa. Como virar mobília. Ou pneu. Ou um letreiro. Ou um baú.

Saiba mais sobre o cinema marginal em www.heco.com.br/marginal e www.lumesfilmes.com.br

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

17/10 - Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967)

Terra em Transe - Glauber Rocha (1967)

Sinopse
Num país fictício chamado Eldorado, o jornalista e poeta Paulo (Jardel Filho) oscila entre diversas forças políticas em luta pelo poder. Porfírio Diaz (Paulo Autran) é um líder de direita, político paternalista da capital litorânea de Eldorado. Dom Felipe Vieira (José Lewgoy) é um político populista e Julio Fuentes (Paulo Gracindo), o dono de um império de comunicação. Em uma conversa com a militante Sara (Glauce Rocha), Paulo conclui que o povo de Eldorado precisa de um líder e que Vieira tem os pré-requisitos para a missão. Grande clássico do Cinema Novo, o filme faz duras críticas à ditadura. Vencedor dos prêmios Luis Buñuel e Fipresci no XX Festival de Cannes. Duração: 106 minutos

NÃO PERCAM!!
ANTES DA SESSÃO HAVERÁ UMA PEQUENA PALESTRA ENTITULADA
"CINEMA NOVO"
MINISTRADA POR BEATRIZ RODRIGUES.

E APÓS A SESSÃO, DISCUSSÃO SOBRE O FILME TAMBÉM MEDIADA POR BEATRIZ RODRIGUES.

Crítica - Terra em Transe


por Thiago Crivellaro
Extraído de http://www.cranik.com/terraemtranse.html

TERRA EM TRANSE é um filme que marcou o cinema nacional pela sua construção estética e seu conteúdo. Lançado em plena ditadura militar, Glauber Rocha molda seu filme através de uma câmera nervosa e inquieta representando de alguma maneira o contexto caótico em que estava inserida a população brasileira – e grande parte latino-americana.

O personagem principal Paulo Martins (Jardel Filho) beira à desordem psicológica e social estando entre o povo e dois candidatos a um cargo no governo – um indeciso em manifestar suas ideologias publicamente e outro claramente autoritário. Desta forma, Glauber utiliza abusos de closes e primeiros-planos que capta os mais profundos sentimentos desprovidos de lucidez do personagem. Este um jornalista revoltado com a situação abusiva de um novo governante no Eldorado e tendo de observar quase passivamente todos os acontecimentos em torno de si.

A câmera nunca pára. Nas mãos de Glauber, ela se movimenta para todos os lados e tenta compreender todos os personagens através de certa histeria generalizada, mas de maneira nenhuma os apresentando gratuitamente. A conjuntura toda está próxima de um abismo e seus personagens podem cair de uma vez, portanto, existe uma profusão de palavras em tons arbitrariamente altos de som.

Parece que ninguém consegue se entender. A tomada de poder é abusiva e o povo anda de um lado para outro sem saber o que fazer. E, sem parar, lá está a câmera de Glauber invadindo os problemas psicológicos do Estado – ou de uma pessoa só – contra todo o resto – os subservientes. Todos estão em transe, principalmente as camadas populares que seguem o candidato em que acreditam – numa forma acéfala e despolitizada. Eles sempre estão à margem da tela; em vários momentos são jogados para fora dela.

É justamente dessa forma que Glauber prefere conduzir seu filme, não da maneira linear comum e ordinária. A fragmentação dos acontecimentos causa tensão. As cenas têm tensão para se confrontar; elas disputam entre si um espaço para aparecer, assim como a politicagem e os interesses econômicos disputam o poder. Portanto, esse jornalista a quem acompanhamos se torna uma peça em convulsão psicológica diante de muitos outros personagens na mesma circunstância e o cineasta “joga” a câmera na cara de todos eles para demonstrar isso.