sexta-feira, 28 de maio de 2010

29/05: Paradise Now (Hany Abu-Assad, 2005)

Paradise Now - Hany Abu-Assad (2005)

Sinopse
Amigos de infância, os palestinos Khaled (Ali Suliman) e Said (Kais Nashef) são recrutados para realizar um atentado suicida em Tel Aviv. Depois de passar com suas famílias o que teoricamente seria a última noite de suas vidas, sem poder revelar a sua missão, eles são levados à fronteira. A operação não ocorre como o planejado e eles acabam se separando. Distantes um do outro, com bombas escondidas em seus corpos, Khaled e Said devem enfrentar seus destinos e defender suas convicções. Duração: 90 minutos.
Antes da sessão haverá uma pequena palestra ministrada pelo professor Alexandre Camilo Magalhães assim como um debate ao final da sessão também mediado por ele.

Crítica: Paradise Now (Hany Abu-Assad, 2005)

por Turambar
Extraído de http://cinefilos.interativo.org/filmes/2006/06/paradise-now/

Depois de ver o ponto de vista do cinema americano sobre os homens por trás de atos terroristas suicidas no excelente “Syriana”, temos o grato prazer, de ver esse polêmico tema a partir do ponto de vista de um cineasta que faz parte desse meio. Ou seja, em “Paradise Now”, temos a oportunidade de conhecer o lado de lá sem correr o risco de cair no preconceito maniqueísta ao qual nos habituamos, principalmente após o fatídico 11 de Setembro de 2001.

Said (Nashef) e Khaled (Suliman), são dois amigos de infância que vivem em uma destruída cidade palestina (campo de refugiados), onde a miséria, a falta de oportunidades e o revanchismo contra Israel ocupam a cabeça de boa parte dos seus cidadãos, em especial os mais jovens. Said e Khaled são chamados então, por um grupo ultra-radical, a se tornarem homens bomba e realizar um atentado contra soldados israelenses na belíssima e “americanesca” Tel Aviv. O plano sofre um sério revés quando os amigos se separam e tem que alterar todo o plano de ataque. É nessa busca, um pelo o outro, que as principais questões do filme são colocadas, e onde também é discutido o próprio sentido de como reagir a uma situação como essa enfrentada pelos personagens. O que os motiva e até onde essas motivações podem levá-los?

A partir daí, o ótimo diretor/roteirista Hany Abu-Assad, passa a mostrar algumas razões que levam pessoas simples e comuns, sem nenhuma espécie de radicalismo político ou religioso, uma forte ligação familiar, a tomar formas tão drásticas de combate. Estariam os homens bombas realmente convictos da necessidade de se explodirem, no intuito de destruir alvos considerados inimigos? Seria a violência a melhor forma de lutar contra um sistema opressor, mesmo sendo ele exageradamente violento, como comprovadamente foi Israel em relação à Palestina?
Hany Abu-Assad também busca quebrar com seu filme alguns dos estereótipos em relação ao povo palestino, mostrando a heterogeneidade de pensamento daquele povo, que também acredita em formas pacíficas de luta como alternativas à violência. E apesar de ser uma produção palestina, e a história ser toda focada no ponto de vista desse povo, em nenhum momento ocorre uma demonização judia, bem diferente do que é visto em algumas declarações do governo americano, constantemente reproduzidas pela mídia e alguns filmes de Hollywood, onde o maniqueísmo e o medo do “terror” são recursos de uso constante.

Reação de Israel ao filme "Paradise now"

Indicação de “Paradise Now” gera protestos em Israel
da Efe, em Israel
Extraído de www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u93273.shtml

Vista aérea de Jerusálem

A indicação de "Paradise Now" ao Oscar tem provocado protestos em Israel --o filme retrata a história de dois amigos palestinos que são convocados para serem homens-bomba em um atentado. "Paradise Now", que compete com outros quatro filmes ao Oscar de melhor estrangeiro, é apresentado no site oficial da Academia de Hollywood como a "candidatura da Palestina", um país cuja independência foi proclamada pela OLP (Organização para a Libertação da Palestina ) em 1988, na Argélia, mas que ainda não foi reconhecido pela maior parte da comunidade internacional. O rótulo provocou o protesto de judeus em Israel e nos Estados Unidos que são contra, também, a indicação de um filme que humaniza os homens-bomba.

Os protagonistas, os palestinos Said e Khaled, são recrutados por uma facção armada para um atentado suicida em Tel Aviv. A história se passa nas 27 horas restantes de suas vidas, nas quais se preparam para o ataque e se despedem de sua família e amigos. "Paradise Now" já ganhou diversos prêmios --entre eles o Globo de Ouro como melhor filme estrangeiro e o Anjo Azul do Festival de Cinema de Berlim, além de uma premiação da Anistia Internacional.

O Projeto de Israel, organização independente que busca defender a imagem do país no mundo, já reuniu as assinaturas de 32 mil pessoas que exigem a exclusão de "Paradise Now" da lista de indicados ao Oscar. Segundo o grupo, a nomeação do filme representa a glorificação dos suicidas palestinos que mataram centenas de israelenses durante os últimos cinco anos e meio de conflitos. As principais redes de cinemas israelenses se negaram a exibir a produção, com o argumento de que apresentar um olhar compreensivo sobre os suicidas palestinos não renderia bilheteria. Entre os palestinos, o filme foi bem recebido, embora também tenha sido criticado por insinuar que um dos palestinos decide se transformar em suicida por pressões sociais.


Diretor de Paradise Now responde a críticas
Diretor palestino Hany Abu-Assad agradecendo o prêmio Anjo Azul do Festival de Cinema de Berlim

Los Angeles - O diretor palestino do filme Paradise Now, Hany Abu-Assad, respondeu no jornal norteamericano Variety às acusações recebidas na petição assinada por 22 mil pessoas e enviada para a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas com o pedido de tirar o filme da disputa pelo Oscar de melhor filme estrangeiro. O filme é acusado de justificar os ataques dos suicidas palestinos contra os civis israelenses. “É um pequeno grupo de pessoas. Gostaria de saber o que tanto as incomoda no meu filme. Só protestar não basta, é preciso poder sustentar uma discussão com as pessoas que pensam diferente da gente. Civilidade, diálogo e humanidade andam juntas. Essas pessoas deveriam fazer um filme para mostrar o seu ponto de vista”, disse o diretor palestino. Paradise Now mostra as 24 horas que antecederam um atentado suicida em Israel de dois jovens palestinos, Said Nashef e Khaled Suliman, selecionados para realizar o ataque. A petição, assinada por 22.410 pessoas, afirma que o filme justifica tais atos de violência. Uma segunda petição pede à Academia para não apresentar Paradise Now como filme proveniente da Palestina, porque tal Estado, segundo eles, não existe. “Os palestinos são um povo e existe uma terra na qual vivem”, respondeu o diretor Hany Abu-Assad. “Até os Estados Unidos reconhecem a existência de um Estado palestino e o fato de estar atualmente ocupado não significa que não exista”.

A Questão Palestina

A Questão Palestina

O texto abaixo foi extraído do livro Oriente Médio e a Questão Palestina. Nelson Bacic Olic e Beatriz Canepa. Editora Moderna. 203. p 82-86

A chamada Questão Palestina tem se constituído no mais persistente foco de tensão no Oriente Médio. De forma bastante sintética, ela refere-se à luta de dois povos, o judeu e o árabe-palestino, pela posse de uma área, a Palestina, sobre a qual ambos julgam ter direitos históricos ou adquiridos. Por estar localizada numa espécie de encruzilhada entre as civilizações árabe-islâmica e ocidental, a região passou por vários domínios. Um dos mais longos foi aquele exercido pelos turcos-otomanos, que durou de 1.516 até o final da Primeira Guerra Mundial. Durante este conflito, os britânicos encorajaram a rebelião árabe contra os otomanos e, vencendo-os, ocuparam a Palestina. Pelos acordos firmados no final do conflito, a Sociedade das Nações, uma espécie antecessora da ONU, confiou os destinos da Palestina à Grã-Bretanha. Os britânicos mantiveram o controle da região até 1.947, quando, incapazes de evitar os confrontos entre a majoritária população árabe e a crescente comunidade judaica, passaram o problema para a ONU. Esta propôs um plano de partilha da Palestina em dois Estados, um judeu e um árabe. Essa proposta, aprovada pela Assembléia Geral da organização, foi rejeitada pelos árabes da Palestina e países árabes vizinhos. O conflito que se seguiu entre árabes e o recém-criado Estado judeu (Israel) teve os últimos como vitoriosos. Se, de um lado, Israel concretizou o sonho acalentado pelos judeus, que desde o início da era cristã almejavam um lar nacional, de outro, marcou o início de um drama de um outro povo, os árabes da Palestina. Desde então, eles, que passaram a ser conhecidos simplesmente por palestinos, vêm lutando pela criação de um Estado nacional.

Ai de ti, Jerusálem

O texto abaixo foi extraído do boletim Mundo - Geografia e Política Internacional (ano 2, n. 3, maio de 1994, p. 7) e discute a importância simbólica da posse de Jerusalém entre judeus e palestinos.

Nenhuma questão é tão espinhosa na geopolítica do Oriente Médio quanto a do status de Jerusalém. Reivindicada como sua capital por israelenses e palestinos; declarada cidade internacional pelas Nações Unidas (em 1.948); sede das três mais importantes religiões monoteístas (judaísmo, catolicismo e islamismo); local bíblico de passagem de profetas e vilões; pecadores e santos, messias e déspotas; território disputado por impérios, por cruzados e por mercadores, Jerusalém, mais do que qualquer outra cidade no mundo, é um símbolo — que transcende em muito, nessa qualidade, a sua eventual importância estratégico-militar. Quando se discute a posse de Jerusalém, o que se coloca em jogo é a posse de uma chave quase mágica, que conferirá ao seu eventual senhor a legitimidade de pelo menos 3 mil anos de história. O ano que vem em Jerusalém: na senha da Diáspora judaica, Jerusalém tornou-se o lugar mitológico de um povo milenarmente destituído de seu lugar geopolítico. Um mito de tamanho poder, uma virtualidade sustentada por uma força tão material que pôde fundamentar, culturalmente, uma coesão que desafiou o tempo, a hostilidade dos impérios e — suprema ignomínia — o holocausto de Adolf Hitler.

Sanaúd (Voltaremos): na senha palestina, nessa Diáspora contemporânea, a saudação tem o duplo valor de uma advertência e de uma aspiração. Jerusalém não é, agora, um local apenas preservado pela memória. Não. Ali estão, ainda, as casas das quais palestinos ainda vivos foram expulsos pelos novos ocupantes judeus, as ruas e as construções que ainda ecoam suas vozes, mesquitas em que jamais foram interrompidas suas orações. Voltar a Jerusalém é sanar uma injustiça, costurar o que foi rompido, lavar com água fresca a amargura da despossessão. Mas tampouco Jerusalém é o condomínio de judeus e palestinos. É um patrimônio da humanidade naquilo que ela tem de mais perene, a identificação religiosa materializada em símbolos e locais “sagrados”. Ali estão o Muro das Lamentações, as sinagogas ancestrais, os túmulos de Davi e Absalom, a Basílica do Santo Sepulcro, o Santuário da Ascensão de Cristo, o caminho do Calvário, as mesquitas muçulmanas, a tumba de Lázaro. É dessa identificação — a mesma que, nos limites tantas vezes construídos pela História, gera a intolerância cultural, o ódio étnico e exclusivista — que a “Cidade Santa” extrai sua força, seu magnetismo, seu enigma. Nesse sentido, Jerusalém também é o grande testemunho de que os homens hoje não são tão radicalmente distintos daqueles que vagavam pelos desertos do Oriente Médio antes de Cristo. Subsiste o dilema. A que Estado pertence Jerusalém? Não haverá qualquer acordo realista entre judeus e palestinos sem a resolução desta questão. Na pior hipótese, não haverá mesmo acordo nenhum. Mais uma vez, o fantasma evocado pela profecia bíblica – “Ai de ti, Jerusalém, não restará pedra sobre pedra” – pesa sobre o destino dos que tentam viver.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

22/05: Estado de Sítio (Cota-Gavras, 1972)

Estado de Sítio - Costa Gavras (1972)

Sinopse
Em uma ousada operação tática, o grupo guerrilheiro Tupamaro seqüestra o cônsul brasileiro no Uruguai e o cidadão norte-americano Philip Michael Santore (Yves Montand), funcionário de uma agência americana. Com o sucesso da operação, os Tupamaros partem para a segunda faze do plano: negociações exigindo a troca dos seqüestrados por militantes presos. O incidente causa grande repercussão internacional e diplomática, deixando o governo em xeque e o presidente uruguaio próximo da renúncia. Enquanto isso, o líder do grupo foca as atenções no interrogatório do americano Santore, a quem atribui a responsabilidade direta na seleção e treinamento de vários policiais militares em tortura, antenados e na articulação do Esquadrão da Morte. Um filme surpreendente e esclarecedor do mestre do cinema político Costa-Gavras que desvenda de forma brilhante vários fatos da nossa história recente. Duração: 119 minutos
Antes da sessão haverá uma pequena palestra ministrada pelo historiador João Carlos Figueroa assim como um debate ao final da sessão também mediado por ele.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

15/05: O Sol (Aleksandr Sokurov, 2005)

O Sol - Aleksansdr Sokurov (2005)

Sinopse
Acompanhamos as últimas horas antes da rendição japonesa na Segunda Grande Guerra. O processo de reconhecimento de haver perdido a guerra é mostrado através da magia da câmera de Sokurov, que mostra o interior, ou melhor, torna o interior abstrato em coisa. Que pode ser vista, sentida, tornando-se quase algo tátil. Duração: 110 minutos
Antes da sessão haverá uma pequena palestra ministrada pelo professor Carlos Alexandre Fernandes assim como um debate ao final da sessão também mediado por ele.

Crítica: O Sol (Aleksandr Sokurov, 2005) por Luiz Carlos Oliveira Jr.

Extraído de http://www.contracampo.com.br/89/festosol.htm

Que Imagem para a História? Eis a pergunta que Sokurov se faz em seus filmes sobre grandes ditadores do século XX. As letras maiúsculas designam o peso que ele confere a ambas, Imagem e História. O modo de representação, porém, estabelece um sentido de grandiosidade ambíguo, privilegiando o recorte microscópico em detrimento da encenação dos acontecimentos épicos. A visão histórica, em Sokurov, se reconstrói a partir daquilo que a princípio não estava destinado à memória coletiva. Uma cena de O Sol ilustra à perfeição a estratégia do diretor: o imperador Hirohito, apaixonado por biologia marinha, observa um raro espécime de caranguejo no microscópio e o descreve em minúcias para seu assistente. Detendo-se sobre os últimos dias de poder de Hirohito, da mesma forma que já fizera com Hitler em Moloch e Lênin em Taurus, Sokurov assume essa mesma postura de observador motivado simultaneamente pelo gesto científico e pelo fetichismo. Ele sublinha os cacoetes de Hirohito, os hábitos, a respiração, a compleição física. Sokurov é um colecionador de personagens históricos; sua trilogia é seu hobby, seu álbum de figuras icônicas – igual ao que Hirohito possui, com imagens de Chaplin, Garbo, Bogart e outros astros de Hollywood. As imagens de O Sol (captadas em HD) se aproximam de um sépia que reforça a impressão de um álbum de fotografias antigas folheado com muito cuidado por Sokurov. Em sua maior parte, o filme foi rodado dentro de estúdio, como a demarcar o espaço de uma relação íntima com a História – ou de um laboratório privado para o diretor se entregar a seu “lazer sério”. Ele alcança agora o que Moloch só esboçava: a poesia e a patologia da História guardadas em uma mesma textura, uma mesma luz.

E não são apenas os personagens históricos que se tornam alvos de fetiche, mas também os objetos sobre os quais o tempo depositou sua marca, sua espessura, algum signo forte do passado, algo que distinga aquele objeto como pertencente a uma época que se foi. Abundam em O Sol os planos-detalhe sobre objetos de antiquário, desde pratos de cerâmica até abotoadeiras, luvas e embalagens do chocolate Hershey’s (um presente do general MacArthur ao imperador Hirohito: vemos o Japão pop em embrião). O lado museólogo de Sokurovhavia ganho seu tour de force em Arca Russa, mas em O Sol o desejo de reter objetos antigos na frente da câmera adquire o aspecto de um manifesto a favor da beleza dessas peças arqueológicas, esses detalhes das épocas passadas. O próprio Hirohito é tratado dessa forma, como uma peça cuja beleza devemos aprender a apreciar ao longo do filme. A opção por apanhar o imperador às vésperas de sua capitulação é evidente: Sokurov filma o estatuto de um ser em processo de mutação. O deus deverá ser homem, pôr os pés no chão, aprender a abrir uma porta sem esperar que um súdito o faça por ele.

Arca Russa, filme que consistia num único plano de mais de 90 minutos, levava ao paroxismo uma recusa às transformações da História. O filme rechaçava a montagem, o corte, condenava o caráter de rupturas drásticas que caracterizaria os processos históricos após o momento (o século XIX) que ele estabelecia como fim da era preciosa da humanidade. Em O Sol, a montagem está presente, mas é curioso como, sobretudo nas primeiras cenas do filme, leves fusões fazem a transição de um plano a outro, e não cortes secos. O amortecimento das passagens de plano adia as transformações a caminho, dilata o crepúsculo do poder de Hirohito. O filme inteiro é essa dilatação, um prolongamento dos últimos raios do “sol” – com o detalhe de que, num determinado momento, Hirohito se descobre gostando de não precisar mais ser deus. Como MacArthur observa, ele parece uma criança. O imperador, visto de perto, é um pequeno ser cheio de manias engraçadas. Os dois encontros do famoso general americano com Hirohito são preciosos, representam o ápice de uma construção que começa já na primeira seqüência do filme: o protagonista é visto por alguém através de uma fresta. Essa cena se repete em outras ocasiões, até que chegamos no momento em que é a vez de MacArthur observar Hirohito pela fresta da porta, seu rosto tomado por uma curiosidade reservada. Esse admirador secreto localiza, no filme, o próprio olhar de Sokurov em relação a seus personagens tiranos. A decadência da soberania lhe fascina mais que a qualquer outro cineasta vivo. E esse fascínio agora rende um filme exuberante, uma obra que encontra a interseção ideal entre a frieza, a força e a doce fragilidade de seu protagonista.


Existe um aspecto da estética de Sokurov, um tipo de densidade da imagem, que magnetiza o olhar mesmo em seus filmes menos interessantes – um efeito-Sokurov que sempre encanta, por exemplo, o espectador de primeira viagem. Mas se houve facilidade no uso desse efeito em alguns de seus filmes, aqui eles estão adequados ao conceito e até comedidos – mas não menos marcantes. Como não se embasbacar com aquele plano do faisão espelhando os soldados curvados em reverência à saída do imperador em seu carro? No decorrer dessa cena, o trajeto de Hirohito até a casa de MacArthur é um verdadeiro choque estético. O mundo interior do protagonista, que até ali o filme nos tinha dado a conhecer, se colide com o exterior devastado pela guerra. Mas as cenas externas são também mergulhos a um porão obscuro. Um teto de chumbo permanece sobre o filme. Além dessa cena e do jantar com MacArthur, existem dois outros momentos antológicos: o abraço lento e tímido de Hirohito em sua mulher, já no final, e o ataque aéreo promovido por bestas do apocalipse, pesadelo em meio a seu país incendiado, cena que se desenvolve como uma animação que estranhamente se assemelha a algumas partes de O Castelo Animado de Miyazaki. Dá para incluir também no pacote de antologia o momento em que Hirohito posa para fotos. Os soldados americanos exclamam: "Esse cara parece o Charlie Chaplin!". Uma incrível abordagem do homem e do mito. Pensávamos que Sokurov deixaria de nos interessar, mas O Sol trouxe à sua obra uma nova potência e um novo mistério.

Crítica: O Sol (Aleksandr Sokurov, 2005) por José Geraldo Couto

Extraído de http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u65660.shtml

Sokúrov analisa a lenta e muda agonia de Hirohito em "O Sol"

De acordo com a tradição, o imperador do Japão descende do deus sol e é, ele próprio, uma divindade. Quando os Estados Unidos bombardeiam Hiroshima e Nagasaki, o Japão arrasado sofre uma pressão insuportável para se render aos aliados.

Mas a condição divina do imperador Hirohito impede que ele capitule diante de um mortal. É no momento desse impasse, em agosto de 1945, que o cineasta russo Aleksandr Sokúrov concentra a ação de "O Sol".

Os últimos dias antes da rendição são filmados por Sokúrov de forma lenta e hierática, no labirinto subterrâneo que era o bunker de Hirohito (interpretado como uma máscara imóvel pelo excelente Issey Ogata).

Enquanto o mundo desaba lá fora, Hirohito continua a se comportar como um ser quase decorativo. Move-se com gestos engomados, litúrgicos, e precisa de um lacaio até para se vestir. Antes de se encontrar com o general McArthur, comandante das forças de ocupação, não abre mão de acompanhar num laboratório o andamento de uma pesquisa científica. É um homem de outro tempo, ou fora do tempo.

Na superfície, o filme de Sokúrov --fecho de uma trilogia do poder que inclui "Moloch" (sobre Hitler) e "Taurus" (sobre Lênin)-- remete a outra obra recente, "A Queda - Os Últimos Dias de Hitler", de Oliver Hirschbiegel. Mas na essência são filmes opostos.

Se há desespero e frenesi nas últimas horas de Hitler, o tom em "O Sol" é de tragédia lenta e muda, em que o sentido do drama parece deslocado, filtrado e silenciado pela liturgia do império do sol nascente.

Dois momentos são memoráveis: a cena em que, visando evitar mais sofrimento de seu povo, Hirohito renuncia à sua condição divina para poder assinar a rendição, e o diálogo entre o imperador e McArthur.

Contrastes

A mediação do intérprete, nessa reunião, seria tecnicamente dispensável, uma vez que Hirohito falava bem inglês, mas, do modo como está no filme, é essencial para pontuar a distância entre dois mundos: um império em ascensão, o outro no ocaso. É um contraste de figurinos, de gestos, de linguagem, como se de repente o cinema americano invadisse ruidosamente um filme contemplativo do Oriente.

A energia de McCarthur, sua conversa pragmática, transbordando de saúde e vulgaridade, amplificam a humilhação japonesa, tornando dolorosa, patética mesmo, a retidão doentia do imperador Hirohito.

Raras vezes o cinema soube captar em tão poucas cenas, em tão poucos gestos e palavras, um ponto de inflexão tão decisivo da história moderna. Ao ver "O Sol", percebemos de um modo profundo, sensorial, por que o Japão nunca mais seria o mesmo depois daquelas poucas horas. A ocidentalização chegava como um rolo compressor.

E Sokúrov, o russo que conta essa história nipo-americana, volta a colocar seu enorme talento para a composição plástica a serviço de uma idéia estética e ética, depois de alguns filmes em que a beleza do estilo se impunha a todo o resto.

Curso analisa o impacto do cinema japonês no Ocidente

Mais de 20 filmes serão analisados durante o curso

A Fundação Japão em São Paulo tem seu foco no cinema. Nos dias 26, 27 e 28 de maio de 2010, das 15h às 17h30, a mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e pesquisadora Marcela Silvia Canizo ministra o curso “De Rashomon à A Partida. Um percurso pelo sucesso do cinema japonês no Ocidente”, gratuitamente, no Espaço Cultural da instituição.

Dividido em três módulos distintos, o evento tem como proposta analisar alguns filmes selecionados e revisar seu contexto tanto na produção no Japão quanto na recepção no ocidente, observando as características deste fenômeno no Brasil. O antropólogo e integrante do Grupo de Antropologia Visual (GRAVI) da Universidade de São Paulo, Alexandre Kishimoto, participa do primeiro encontro e fala sobre "Exibição e recepção dos filmes japoneses nos cinemas da Liberdade".

O primeiro encontro é dedicado a produção dos anos 50; o segundo aos anos 60 e 70 e o terceiro, dos anos 80 até os dias atuais.
“Rashomon”, “Os sete samurais”, e “Era uma vez em Tóquio” são alguns dos filmes analisados no evento. Eles foram escolhidos como alguns dos melhores filmes de todos os tempos por diretores e críticos de cinema, a pedido da revista britânica Sight & Sound, em 2002.

Influência mundial

Desde a premiação de Rashomon com o Oscar ao melhor filme estrangeiro, e ao melhor filme no Festival de Veneza, em 1950, a recepção da produção cinematográfica japonesa pelo público ocidental passou por diversos momentos, acompanhando as tendências da teoria e a crítica cinematográfica, assim como os acontecimentos sociais e políticos mundiais. Cada época recebeu os filmes japoneses com entusiasmo, e muitas vezes serviram de inspiração a diversos “remakes”.

No século XXI, após o reconhecimento da produção nipônica, por sua história e sua influência, o animê e o cinema de terror atraem um grande público juvenil, incentivando os pesquisadores e fãs da tradicional “sétima arte”, através da emergência de um campo de estudos sobre o cinema mundial, o “World cinema”.
No Brasil, o cenário tem características interessantes, já que os espectadores tiveram acesso à salas exclusivas, entre 1953 e 1988, como os cinemas Niterói, Tokio, Jóia, e Nippon, na Liberdade, em São Paulo.

Perfil
Marcela Silvia Canizo é argentina, mas residente no Brasil desde 2002. É Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2004-2006. Realizou projeto de pesquisa “Orientalismos no cinema ocidental” sob orientação da profa. Dra. Christine Greiner. Licenciada em Artes pela Universidade de Buenos Aires (UBA), Buenos Aires, 1985-1990.

Pesquisadora free-lance do Centro de Estudos Orientais – PUC SP e realizou diversas atividades culturais em 2008, ano das Comemorações do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil, como a “Mostra de Cinema Japonês - 100 Anos de Japão no Brasil”, no CCBB-SP; a palestra “Luzes e sombras no cinema” no Ciclo de Palestras Meu Japão Brasileiro, na Caixa Econômica Federal – SP; palestra “O quimono no cinema” no ACCIJB, no Centro de Exposições Anhembi e curadoria audiovisual da exibição, junto com o Prof. Dr. Almir Almas, no evento “Tokiogaqui”, no SESC Paulista.

Alexandre Kishimoto é antropólogo, integrante do Grupo de Antropologia Visual (GRAVI) da Universidade de São Paulo. Concluiu e defendeu recentemente, junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP, uma dissertação de mestrado intitulada “A experiência do cinema japonês no bairro da Liberdade".

Programa

Encontro 1

- A década dos 50 na produção cinematográfica japonesa. A época de glória dos estudos cinematográficos. O gênero histórico. O cinema e política de Ocupação. Os filmes estrangeiros voltam ao Japão. O cenário brasileiro. Criação do cinema Niterói no Bairro de Liberdade. Os grandes festivais descobrem o cinema japonês.
Participação especial de Alexandre Kishimoto.

Filmes escolhidos:
“Rashomon”, de Akira Kurosawa (Rashomon; 1950; Festival de Veneza 1951 - Leão de Ouro; indicado ao Oscar 1953 – Direção de Arte; Blue Ribbon 1951 – Melhor Filme; National Board of Review 1951 – Direção)

“O Portal do Inferno”, de Teinosuke Kinugasa (Jigokumon; 1953; Festival de Cannes 1954 – Grande Prêmio; Oscar Honorário e Oscar Figurino 1955)

“Contos da Lua Vaga”, de Kenji Mizoguchi (Ugetsu monogatari; 1953; Festival de Veneza 1953 – Leão de Prata; indicado ao Oscar 1956 – Figurino)

“Os Amantes Crucificados”, de Kenji Mizoguchi (Chikamatsu monogatari; 1954; Blue Ribbon; – Festival de Cannes 1955 - indicado à Palma de Ouro)

Encontro 2

- A década dos 60 e 70 na produção cinematográfica japonesa. A criação do ATG. As produtoras independentes. A crítica do Cahiers do Cinemá. A crítica do “estilo japonês”: Burch e o olhar distante, Schrader e o cinema transcendental. O olhar humanista. O cinema de autor.

Filmes escolhidos:
“Yojimbo – O Guarda Costas”, de Akira Kurosawa (Yojimbo; 1961; Festival de Veneza 1961 - Volpi Cup Ator/Toshiro Mifune ; Kinema Jumpo 1962– Ator/Toshiro Mifune; Blue Ribbon 1962 – Ator/Toshiro Mifune; indicado ao Oscar 1962– Figurino)

“Harakiri”, de Masaki Kobayashi (Seppuku; 1962; Festival de Cannes 1963 - Prêmio Especial do Juri; Blue Ribbon 1963 – Ator/Tatsuya Nakadai; Kinema Jumpo 1963 – Ator/Tatsuya Nakadai; Mainichi Film Concours 1963; Festival de Cannes 1963 - indicado à Palma de Ouro)

“Kwaidan – As Quatro Faces do Medo”, de Masaki Kobayashi (Kaidan; 1964; Festival de Cannes 1965 – Prêmio Especial do Juri; Kinema Jumpo 1965 – Filme; Mainichi Film Concours 1966; Santi Jordi 1968 – Filme Estrangeiro; Festival de Cannes 1965 – indicado à Palma de Ouro; Oscar 1966 – indicado para Melhor Filme Estrangeiro)

“A Mulher de Areia”, de Hiroshi Teshigahara (Suna no onna; 1964; Festival de Cannes 1964 – Prêmio Especial do Juri; Blu Ribbon 1965 – Direção/Filme; Kinema Jumpo 1965– Filme/Direção; Mainichi Film Concours 1965; Festival de Cannes 1964 - indicado à Palma de Ouro ; Oscar 1965 – indicado para Melhor Filme Estrangeiro; indicado ao Oscar 1966 – indicado para Melhor Direção)

“Final de Verão”, de Yazujiro Ozu (Kohayagawake no aki; 1962; Festival de Berlim 1962 – indicado ao Leão de Ouro; Mainichi Film Concours 1962 – atriz coadjuvante/ Michiyo Aratama)

“Eros + Massacre”, de Yoshishige Yoshida (Erosu purasu gyakusatsu; 1969)

“Duplo Suicídio em Amijima”, de Masahiro Shinoda (Shinju ten no amijima; 1969;Kinema Junpo Awards 1970 – atriz/Shima Iwashita, diretor/Masahiro Shinoda, filme; Mainichi Film Concours 1970 – atriz/Shima Iwashita, filme, música/Hideo Nishizaki.

“Dersu Uzala”, de Akira Kurosawa (Dersu Uzala; 1975; Oscar 1976 – melhor filme estrangeiro; Cinema Writers Circle Awards, Spain 1977 – melhor filme experimental e de arte; Moscow International Film Festival 1975 - FIPRESCI Prize, Golden Prize; Italian National Syndicate of Film Journalists 1977 – melhor diretor de filme estrangeiro; French Syndicate of Cinema Critics 1978 – melhor filme estrangeiro; David di Donatello Awards 1977 – melhor diretor de filme estrangeiro)

“O Império dos Sentidos”, de Nagisha Oshima (Ai no corrida; 1976; British Film Institute Awards 1976 - Sutherland Trophy; Hochi Film Awards 1976 – ator/Tatsuya Fuji)

Encontro 3

- Dos anos oitenta até o cenário atual. Retomada da produção. Globalização. Os gêneros revisitados. O cinema mundial no campo de novos estudos. Os prêmios continuam, e as “remakes” de filmes japoneses se multiplicam.

Filmes escolhidos:
“A balada de Narayama”, de Shohei Imamura (Narayama bushiko; 1983; Festival de Cannes 1983 – Palma de Ouro; Academia Japonesa de Cinema 1984 – filme, ator/Ken Ogata, som; Blue Ribbon Awards 1984 – ator/Ken Ogata, Mainichi Film Concours 1984 );

“A Promessa”, de Yoshishige Yoshida (Ningen no yakusoku; 1986, Mainichi Film Concours 1987 – atriz coadjuvante/Sachiko Murase, produção cinematográfica; San Sebastián International Film Festival 1986)

“O Ferrão da Morte”, de Kohei Oguri (Shi no toge; 1990; Festival de Cannes 1990– prêmio FIPRESCI, Grande Prêmio do Júri/ Kohei Oguri; Hochi Film Awards 1990 – atriz/Keiko Matsuzaka; Kinema Junpo Awards 1991 – ator/Ittoku Kishibe, atriz/Keiko Matsuzaka)

“A Enguia”, de Shohei Imamura (Unagi; 1997; Festival de Cannes 1997 – Palma de Ouro; Camerimage 1997 – indicado para Golden Frog; Independent Spirit Awards 1999 – indicado para melhor filme estrangeiro)

“Hana-bi”, de Takeshi Kitano (Hanabi; 1997; Argentinean Film Critics Association Awards 2000 – indicado para melhor filme estrangeiro; Chicago Film Critics Association Awards 1999 – indicado para melhor filme estrangeiro; Cinema Brazil Grand Prize 2000 – indicado para melhor filme estrangeiro; César Awards, France 1998 – indicado para melhor filme estrangeiro; European Film Awards 1997 – prêmio de melhor filme estrangeiro; Festival de Veneza 1997 – Leão de Ouro; Russian Guild of Film Critics 1999 – ator/Takeshi Kitano)

“Maborosi”, de Hirokazu Kore-eda (Maboroshi no hikari; 1995; Festival de 1995 – prêmio Dragons and Tigers; Festival de Veneza 1995 – direção/indicado ao Leão de Ouro; Chicago International Film Festival 1995 – prêmio Gold Hugo)

“A Viagem de Chihiro”, de Hayao Miyazaki (Sen to Chihiro no kamikakushi; 2001; Oscar 2003 - melhor filme de animação; Academy of Science Fiction, Fantasy & Horror Films, USA 2003 –melhor filme de animação; Festival de Berlim 2002 – Urso de ouro; Amsterdam Fantastic Film Festival 2003 – prêmio Silver Screen; Cambridge Film Festival 2003 – melhor filme; Cinema Writers Circle Awards, Spain 2003 - indicado para melhor filme estrangeiro; San Francisco International Film Festival 2002 – melhor roteiro ; Dallas-Fort Worth Film Critics Association Awards 2003 – prêmio de melhor filme animado)

“Suzaku”, de Naomi Kawase (Moe no suzaku; 1997; Festival de Cannes 1997 – prêmio Golden Camera; Chicago International Film Festival 1997 – indicado para melhor filme; Rotterdam International Film Festival 1997 – prêmio FIPRESCI, indicado para prêmio Tiger; Valladolid International Film Festival 1997 – indicado para o Golden Spike.)

“A Partida”, de Yojiro Takita (Okuribito; 2008; Oscar 2009 - melhor filme estrangeiro; Asian Film Awards 2009 – ator/Masahiro Motoki; Montréal World Film Festival 2008 - Grand Prix des Amériques; Palm Springs International Film Festival 2009 – melhor roteiro; Wisconsin Film Festival 2009 – melhor roteiro)

Serviço

Curso: De Rashomon à A Partida. Um Percurso pelo sucesso do cinema japonês no Ocidente
Data:
26, 27 e 28 de maio de 2010, das 15h às 17h30
Local: Espaço Cultural Fundação Japão

Av. Paulista, 37 – 1º andar - Paraíso
Entrada Gratuita
É necessário fazer inscrição prévia com envio de nome e telefone de contato para o e-mail info@fjsp.org.br
Vagas: 50 pessoas

Informações, fotos e contatos para imprensa:
Erico Marmiroli - (11) 9372 7774 / (11) 3865 0656 - erico.marmiroli@gmail.com
Sandra Keika Fujishiro - (11) 3141 0110 - kei@fjsp.org.br

quinta-feira, 6 de maio de 2010

08/05: Tempos Modernos (Charles Chaplin, 1936)

Tempos Modernos - Charles Chaplin (1936)

Sinopse
Um operário de uma linha de montagem, que testou uma "máquina revolucionária" para evitar a hora do almoço, é levado à loucura pela "monotonia frenética" do seu trabalho. Após um longo período em um sanatório ele fica curado de sua crise nervosa, mas desempregado. Ele deixa o hospital para começar sua nova vida, mas encontra uma crise generalizada e equivocadamente é preso como um agitador comunista, que liderava uma marcha de operários em protesto. Simultaneamente uma jovem rouba comida para salvar suas irmãs famintas, que ainda são bem garotas. Elas não tem mãe e o pai delas está desempregado, mas o pior ainda está por vir, pois ele é morto em um conflito. A lei vai cuidar das órfãs, mas enquanto as menores são levadas a jovem consegue escapar. Duração: 86 minutos
Antes da sessão haverá uma pequena palestra ministrada pela socióloga Fabiane Cancian assim como um debate ao final da sessão também mediado por ela. Além disso, antes da sessão estarão sendo projetadas fotografias de Lewis Hine, fotógrafo americano empenhado em denuciar os abusos trabalhistas do início do século XX.

Crítica: Tempos Modernos (Charles Chaplin, 1936)

por Pedro Henrique
Extraído de http://tudoecritica.blogspot.com/2009/08/tempos-modernos.html

O homem contra a máquina. Não só a máquina robótica e mecânica, mas a do sistema, que manipula e corroi a humanidade, a sociedade e o próprio sistema sócio-econômico mundial. Um sistema envenenado pela cobiça do homem. Uma luta infinita rumo à auto-destruição. Acredite, com muita alegria, criatividade e inteligência, Charles Chaplin fez de Tempos Modernos uma fábula do homem e da máquina, da fome e do poder, do comunismo e do capitalismo. É também um filme anárquico, quase filosófico, mas que crê num futuro rentável, apaziguado e consumido pela paz, onde homens e máquinas poderão caminhar lado a lado, não em direções opostas. Uma grande ideia e um argumento brilhante, mas que dificilmente funcionaria nas mãos de qualquer outro diretor - deste e de outros tempos. Além disso, o filme que de melhor maneira representa o poder da imagem e como ela pode contar uma história.

Em 1936 (data de lançamento de Tempos Modernos), o cinema falado já existia há dez anos, mas Chaplin continuava mudo. Na verdade, arriscou algumas falas aqui, mas nada mais que rádios, máquinas e o dono da fábrica, que "não guarda nenhuma semelhança com Henry Ford". Ademais, manteve a estrutura do cinema mudo, com diálogos textuais na tela quando as imagens não podiam imprimir o que se passava. Mais uma vez, a nível de sua filmografia, funcionou - e como nunca. Funcionou porque Chaplin era um mímico, um imitador elegante. Sabia como ninguém causar impressões, descrever cenários e personagens com o poder do gesto, do corpo e da alma. Tinha ética, linha de conduta, muitas ideias, sonhos, vontade de fazer. E fez.

Aqui, Chaplin satiriza, torna movimentos corporais parte da história, do subtexto argumentativo. Populariza e imortaliza seu personagem, o maior de todos: Carlitos, vulgo vagabundo. Dá voz (pela primeira e última vez) ao personagem em uma cena antológica, cantando uma canção inteligível. Um verdadeiro apanágio. Surge também como um alerta de que o homem, que da terra e de outros animais tira riqueza, pode viver em paz com a máquina. Há uma cena em especial que pincela esse argumento de Chaplin com exatidão, que é quando o vagabundo dança em volta de uma máquina enquanto os outros funcionários o perseguem. Ali, ele é um anarquista, pois diz não ao domínio, ao controle, à escravidão. Nesta cena, a máquina vira sua aliada, pois para impedir que seus colegas furiosos o peguem ele liga a máquina sempre quando alguém a desliga, fazendo-os voltar ao trabalho e deixando-o dançar, pois seus colegas ainda são reféns dela. Perfeita composição.

O filme trava um duelo simpático com o consumismo, desferindo golpes elegantes contra esta condição em que vivemos. Chaplin não critica tão somente a mecanização, mas também a outras questões sociais da época: comunismo, anarquismo, grande depressão americana, consumismo, fome, pobreza. Trabalhando com Paulette Goddard (sua excelentíssima esposa na época das filmagens e atriz muita bonita e simpática), o diretor fez um filme do coração, do pensamento revolucionário. É o último filme mudo de Chaplin, e que, mesmo não tendo diálogos, conta com música e efeitos sonoros.

Como poucos, fazia valer do seu talento cômico. Carlitos, que aqui aparece derradeiramente, continua sensacional e muito bem vivido pelo seu criador. Aquele personagem é o cérebro de Chaplin, por isso o ícone mundial do repertório cinematográfico das grandes estrelas. Em Tempos Modernos, aliás, temos uma nova perspectiva no final, quando o diretor muda a tomada final pela primeira vez. Um novo caminho, talvez o fim de uma Era de sofrimento e miséria para uma nova de riqueza e felicidade, porque Chaplin nunca deixou de sonhar. O vagabundo era um gentleman, e tem aqui o seu tour de force.

Na crítica e na sátira, Chaplin não perdoava. Sua visão esquerdista era ampla e certeira, alfinetando a alta classe com categoria. Além disso, é lindo ver um gênio em ação, pois Chaplin conhecia todo processo da máquina e trabalhava intensamente em todas as áreas desde o início de seus filmes. Aqui, mais uma vez, em prol do desenvolvimento de uma obra-prima. Tempos Modernos sempre será um filme a ser lembrado e citado nas salas de debate. Chaplin era um formador de opiniões, que pensava na humanidade e na vida por trás das câmeras. Para Chaplin, o que realmente importava num filme não era a realidade, mas sim o que dela podemos extrair a imaginação. Isso é Tempos Modernos.

Artigo: Tempos Modernos (Charles Chaplin, 1936)

Por Cesar Dutra Inácio
Extraído de http://www.tempopresente.org/index.php?option=com_content&task=view&id=1395&Itemid=83


O anti-herói tragicômico Carlitos, em sua faceta trabalhador industrial talvez tenha sido quem melhor traduziu a Grande Depressão (1929-1941) nos Estados Unidos. Charles Chaplin com seu filme Tempos Modernos (Modern Times, 1936) sintetizou como ninguém o período histórico marcado pelo desemprego em massa, queda acentuada do produto interno bruto em decorrência do declínio da produção industrial e dos preços das ações subseqüente à Quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929.

A Grande Depressão gerou grandes repercussões para a nação norte-americana – cerca de 325 bilhões de dólares foram perdidos só em bens. O declínio econômico trazido pela Depressão teria custado aproximadamente um ano e dois meses de emprego. Entretanto, a fenda no padrão de vida não se configurou de forma equânime para todas as parcelas da população estadunidense. Oficiais das Forças Armadas, pilotos de linhas aéreas, professores universitários e alguns operários especializados se mantiveram estáveis. Alguns norte-americanos ainda conseguiram prosperar em seus negócios, chegando em poucos casos acumular fortunas significativas. É evidente que a maior parte da população não se enquadrou nesse perfil. (GRAHAM JUNIOR, 1976)

Trabalhadores de áreas marginais sensíveis (como barbeiros, músicas, jardineiros, etc.) foram aqueles que mais sentiram as repercussões negativas da crise. Professores primários, principalmente, os que trabalhavam em escolas públicas, somados a arquitetos, pequenos comerciantes e agricultores sofreram um severo declínio em suas atividades. Os cidadãos que não eram detentores do perfil sócio-ideal de trabalhador (não-brancos, judeus, homens de meia idade e velhos, etc.) tiveram na Depressão a antecipação do tempo de dependência e angústia do fim da vida.

Em suma, a Grande Depressão delineou um quadro de mazelas sócio-econômicas traduzido no desmoronamento das esperanças e no desespero pela sobrevivência, sobretudo das camadas mais baixas da população que encarou fome, superpopulação, desnutrição e doenças.

A indignação com os turbulentos anos de crise que se configuravam não poderia ter se ausentado do mundo das artes. Dentre as formulações artísticas da época, o cinema talvez tenha sido um dos maiores elementos de crítica – seja pelo molde realista seja pela sutileza da comédia. Mesmo correndo o risco de transformarem-se em fracassos comerciais, filmes como Black Legion (1937) com sua contestação a violências raciais e I Am Fugitive from a Chain Gang (1935), crítica ao tratamento dado aos presos, ganharam destaque pela ousadia e posição política firme contra os despropérios de uma nação assolada pela crescente crise. Contudo é com o talento do humor de Charles Chaplin em sua obra Tempos Modernos (Modern Times, 1936) que a crítica ao modo de produção capitalista e à reprodução social burguesa que se deu de forma mais genial.

Chaplin esforça-se em delinear não somente concepções que abrangem as questões trabalhistas em si, mas também uma perspectiva de humanidade em que a busca pela felicidade é uma constante. A frase do início do filme pontua a idéia central da obra: “Tempos Modernos. Uma história sobre a indústria, a iniciativa privada e a cruzada da humanidade em busca da felicidade.” (CHAPLIN, 1936)

O personagem de Chaplin representa o trabalhador da primeira metade do século XX em vários aspectos, contudo simultaneamente ressalta o desajuste à modernidade burguesa. Por um lado, o industrial worker se destaca da multidão como individualidade heróica que se identifica com o público-massa (construção característica de Hollywood), mas por outro, pontua uma tentativa frustrada de inserção na sociedade capitalista traduzida na busca pelo anonimato (configurando-se em um anti-herói problemático). (ALVES, 2005)

A constante sensação de estranhamento com relação à sociedade é o elemento central da tragicomicidade da película. Tanto no ambiente de trabalho quanto em seu cotidiano sempre há um desajuste à realidade.

O ambiente fabril nos traz muitas informações sobre os elementos constitutivos do modo de produção capitalista e da sociedade norte-americana da época. A linha de montagem fordista com sua extrema especialização produz partes de mercadorias não-identificadas — Chaplin não nos deixa saber o que está sendo produzido. Somente sabemos que é uma fábrica de componentes elétricos (Electro Steel Corp.). O trabalhador perde a noção total de produto dada à divisão de tarefas. Desse modo, o trabalho ganha caráter abstrato.

Em uma cena mais adiante, Carlitos volta à fábrica só que agora na condição de assistente de manutenção das máquinas. Uma leitura possível é que o velho que acompanha Chaplin represente os antigos artesãos metalúrgicos. A cena em que o funcionário mais antigo fica preso nas engrenagens pode demonstrar que o novo capitalismo marcado pelo taylorismo-fordismo suplantara o sistema de produção artesanal.

Destaca-se também nesse ambiente a tentativa de controle total do funcionário por parte do capitalista. O capataz controla a linha de produção no que diz respeito ao seu andamento, enquanto o capitalista dita a velocidade da produção através de uma grande tela a la Big Brother como na obra literária 1984 de George Orwell (1949). A utilização de uma tela para o controle dos funcionários – o personagem de Chaplin é observado até dentro do banheiro! – já tinha sido realizada no clássico filme de ficção científica, Metropolis do cineasta alemão Fritz Lang em 1926.

A ligação com a máquina (fetiche do capital) é tão grande que o trabalhador industrial passa a ser parte dela. Tanto que Carlitos é engolido por ela e, após um dia estressante dia de trabalho é imbuído pela loucura. Já que não há o trabalhador perfeito como em Metropolis (Lang, 1926) – onde é criado um robô incansável de afeições humanas – tenta-se fazer do ser humano uma máquina — com a realização de trabalhos cansativos e repetitivos em uma aviltante jornada de trabalho diária.

Um outro exemplo de controle total do capitalista sobre o funcionário é a tentativa de utilização da Máquina Alimentadora Bellows. O mecanismo é anunciado por um vendedor mecânico (a máquina substitui o vendedor humano!) como “um artefato prático para alimentar seus empregados enquanto trabalham”. (CHAPLIN, 1936) Assim, procura-se eliminar os tempos mortos da produção tal como concebe a teoria taylorista. A tentativa é desastrosa. A sopeira dá uma pane e quase eletrocuta o industrial worker interpretado por Charles Chaplin.



O sentimento de inadequação de Carlitos com a realidade também se estende a outras atividades exercidas pelo personagem. Logo após sair da prisão, ele procurou outro emprego: conseguiu em um estaleiro naval. Esforça-se em seguir as ordens de um superior: procurar um pedaço de madeira que fosse parecido com o que ele tinha em suas mãos. Depois de explorar um pouco o terreno finalmente o encontra. Mas é nesse ponto que ocorre a confusão. Por ainda estar ambientado com a fábrica, não percebe as diversas utilizações possíveis do material madeira, haja vista que devido à especialização de seu trabalho, somente consegue apreender um uso para mesma. No caso, a madeira que achou – dentre as várias funções possíveis para ela – servia como trava para o navio ainda em construção. O navio para seu desespero desliza e afunda por completo no lago. Os demais funcionários observam a cena estarrecidos. Carlitos envergonhado decide voltar para a prisão por se sentir inadaptado para aquela realidade. (ALVES, 2005)

Devido a esse estranhamento constante, o personagem chaplino não consegue permanecer por muito tempo no mesmo emprego. Como um artista circense que foi desde a infância, Carlitos se desdobra em funções que vão desde operário da indústria, passando por vigia de loja de departamento e auxiliar de manutenção de máquinas até garçom e showman em um bar à noite. O personagem não chega a ser exatamente o que mais tarde o sociólogo Huw Beynon chamou de trabalhador hifenizado, uma vez que tal categoria se caracteriza no emprego baseado em um contrato que não segue uma padronização específica no qual o trabalho pode ser temporário ou ocasional; autônomo, doméstico ou franqueado; por meio expediente ou integral; em que diversas atividades são exercidas pelo mesmo indivíduo em diferentes horários do dia ou da noite. (BEYNON, 1995) Carlitos teve vários empregos, porém não permaneceu atrelado a eles simultaneamente. O personagem de Chaplin não teve várias ocupações com o objetivo de tentar completar sua renda mensal ou semanal, mas sim devido à sua inadaptação ao serviço. A mudança de emprego é constante. Portanto, a questão é o estranhamento e não a flexibilização do mundo do trabalho.

Charles Chaplin não se conteve em explicitar apenas o mundo do trabalho: evidenciou também o desdobramento da modernidade burguesa na vida social. A internação no hospício – provavelmente inspirado em sua mãe que também teve um surto nervoso –, assim como a clausura no presídio – após ter sido confundido com um líder comunista – retrata os espaços onde os que não servem para o trabalho são alocados pela sociedade burguesa. (HALE, 2006; ALVES, 2005)

O sofrimento seja físico ou mental é fruto do processo de industrialização frenético em que o doce trabalhador – de tantas atribuições – é na verdade a figura mais atormentada do filme. A cena em que Chaplin canta e dança ao som da música Nonsense Song é o real momento em que o industrial worker pode se libertar. Naquele momento ele pode ser ele mesmo, gozando da liberdade plena de sua vontade.

No final do filme a sua viagem para o horizonte junto à Paulette Goddard pode ser interpretada como a morte social dos personagens. Tentar escapar da sociedade burguesa – simbolizada pela caminhada na estrada vazia sem nada a frente – é algo inconcebível, haja vista que não podemos nos isolar socialmente. Desse modo, o Vagabundo (The Tramp) e a Garota (The Gamin) parecem estar destinados a não-existência. (SUSMAN apud GOLDMAN, 2004)



Portanto, o filme de Charles Chaplin reportou-se às péssimas condições de trabalho — as árduas horas de trabalho e o desempenhar repetitivo do apertar parafusos e puxar de alavancas — decorrente da maior especialização da linha de produção fordista. Com tal divisão de tarefas não é mais permitido ao trabalhador saber o que afinal estava produzindo: como o trabalhador não participa das demais etapas do processo produtivo ele perde a noção total de produto. Tanto que para expressar esse fenômeno, Chaplin não nos deixa saber que produto a indústria no filme está produzindo.

As características do fordismo ainda estão presentes no mundo atual. O sociólogo Huw Beynon, especialista do mundo do trabalho, ao reiterar Ritzer ressalta que tal concepção, não só de trabalhador, mas também de consumidor ainda estariam em voga:

“Muitas características do fordismo também são encontradas no estilo de McDonald's: a homogeneidade dos produtos, a rigidez das tecnologias, as rotinas padronizadas de trabalho, a desqualificação, a homogeneização da mão-de-obra (e do freguês), o trabalhador em massa e a homogeneização do consumo (...) nestes e em outros aspectos, o fordismo continua vivo e forte no mundo moderno.” (RITZER apud BEYNON, 1995, p.12)

Nesse sentido, Tempos Modernos (Modern Times, 1936), último filme mudo produzido por Charles Chaplin ainda soa atual. Em uma sociedade marcada pela complexidade, onde os indivíduos são regrados pelos segundos precisos do relógio, Carlitos conquistou o mundo com sua simplicidade convertendo-se em um dos maiores gênios do cinema de todos os tempos – sejam eles modernos ou não!

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Giovanni. A batalha de Carlitos: trabalho e estranhamento em Tempos Modernos, de Charles Chaplin. In: ArtCultura. Uberlândia, V.7, No.10, Janeiro-Junho de 2005.

BEYNON, Huw. A destruição da classe operária inglesa? In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. No.27, Ano 10, Fevereiro 1995. p.5-17).

CHAPLIN, Charles. Tempos Modernos. Título original: Modern Times. Preto & Branco. Legendado. Duração: 87 min. Warner, 1936.

GOLDMAN, Jonathan E. Double Exposure: Charlie Chaplin as Author and Celebrity. In: M/C Journal. Volume 7. Issue 5. November/2004.

GRAHAM JUNIOR, Otis L. Anos de Crise – A América da Depressão e na Guerra, 1933-1945. In: LEUCHTENBURG, William E. (org.) O Século Inacabado – A América desde 1900. V.1. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1976. p.367-475.

HALE, Aaron. Chaplin – an essay. Disponível em http://www.csse.monash.edu.au/~pringle/silent/chaplin/aaronhale.html Acessado em 25 de Julho de 2006.

domingo, 2 de maio de 2010

A Relação entre História e Cinema

Se os filmes de reconstrução histórica realizados por Hollywood causam arrepios nos historiadores por conta do grande número de deturpações e imprecisões históricas; é no cinema chamado “de arte” que a história encontra seu reduto nas artes audiovisuais, seja em documentários ou em filmes de ficção. A relação entre cinema e história vem sendo discutida desde a criação do cinema, no final do século XIX. O polonês Boleslas Matuszewski, integrante da equipe dos irmãos Lumière que inventou o cinema, acreditava que a imagem cinematográfica, era um testemunho ocular verídica e infalível, capaz de controlar a tradição oral.

A partir dos anos 40, contudo, essa visão proposta por Matuszewski começa a ser questionada. O jornalista Siegfried Kracauer em seu livro De Caligari a Hitler (1947) defende que os filmes de ficção refletiam de forma imediata a mentalidade de uma nação, estabelecendo assim uma relação direta entre o filme e o meio que o produz. Kracauer citava como exemplo o cinema expressionista que, segundo ele, refletia os anseios da sociedade alemã da década de 1920 prenunciando a ascensão do nazismo. Apesar da obra de Kracauer ter tido grande impacto na sociologia do cinema, só é a partir dos anos 70 que o cinema passa a ser reconhecido como um novo objeto de análise histórica, por conta da obra do historiador francês Marc Ferro.

Ferro foi um pioneiro na incorporação do cinema como fonte para o entendimento das ideologias e mentalidades dos sujeitos da História. Através dos filmes, passou a buscar evidências que pudessem ajudá-lo a perceber e compreender determinados eventos e períodos históricos. Conforme afirmou em uma conferência, quando da sua recente presença no Brasil, "estudar só o cinema é um absurdo, como também é um absurdo estudar o mundo sem o cinema". Segundo Ferro, o filme seria uma importante fonte para revelar tanto aquilo que o autor busca expressar – que está contido na narrativa, as idéias sobre determinados personagens, fatos, práticas ou ideologias – como para se perceber o que não se queria mostrar, como os modos de narrar uma história, a maneira utilizada para marcar as passagens do tempo, os planos de câmera. A partir destes seria possível penetrar, de acordo com Ferro, em "zonas ideológicas não-visíveis" da sociedade. Ferro defende assim que, através do filme, chega-se ao caráter desmascarador de uma realidade político e social. Como exemplo, ele analisa o filme soviético Tchapaev (Sergueï e Gueorgui Vassiliev 1934), tentando demonstrar como se construía naquele caso uma ideologia stalinista.

Outra área de atuação postulada por Ferro para os historiadores situa-se na produção de filmes históricos. Para Ferro, os historiadores devem procurar também fazer uso do cinema como meio de comunicação de suas concepções sobre a História. O trabalho dos historiadores seria importante para acrescentar algo que, segundo ele, o jornalismo geralmente não faz que é explicar a origem dos fenômenos e poderia acontecer tanto em colaboração com jornalistas e cineastas como em documentários históricos.

Atualmente diversos professores de história do ensino fundamental, médio e superior vêm utilizando filmes em suas salas de aula, como um instrumento pedagógico, não só como fonte de estudos acadêmicos, mas também como fomentador de discussões e questionamentos a serem desenvolvidos em sala de aula. Abaixo uma pequena lista de alguns outros filmes que retratam acontecimentos importantes da história.


Aproximação
(Amos Gitai, 2007) – Questão Palestina
A Batalha de Argel (Gillo Pontecorvo, 1966) – Independência da Argélia
Berlim Alexanderplatz (Reiner Werner Fassbinder, 1980) – República de Weimar
Cabra Marcado para Morrer (Eduardo Coutinho, 1985) – Questão Agrária no Brasil
Canal (Andrzej Wajda, 1957) – Segunda Guerra Mundial
Carlota Joaquina, a Princesa do Brasil (Carla Camurati, 1995) – Período Joanino
A Confissão (Costa-Gavras, 1970) – Totalitarismo século XX
Desmundo (Alain Fresnot, 2003) – Colonização Brasileira
Os Deuses Malditos (Luchino Visconti, 1969) - Nazismo
Danton - O Processo da Revolução (Andrzej Wajda, 1983) – Revolução Francesa
Hotel Ruanda (Terry George, 2004) – Genocídio em Ruanda
Outubro (Sergei Eisenstein, 1928) – Revolução Russa
Terra de Ninguém (Danis Tanovic, 2001) – Guerra da Bósnia
Terra e Liberdade (Ken Loach, 1994) – Guerra Civil Espanhola