sábado, 31 de março de 2012

31/03: Os Primos (Claude Chabrol, 1959)

Os Primos - Claude Chabrol (1959)

Sinopse
Ingênuo e pesado homem do campo destrói seu primo boêmio e decadente da cidade. Esse garoto do campo não é realmente tão honesto como parece: a sua diligência, sobriedade e todas as suas virtudes antigas podem ser apenas uma defesa pessoal frente à vida moderna. A heroína, que quase acredita que o ama, percebe que isso é apenas uma reposta estética e intelectual; ela gostaria de acreditar em um puro, doce e duradouro amor. Duração: 112 minutos.

"Les Cousins é definitivamente parte do New Wave francês da década de 1950. Embora um pouco mais polido do que os filmes de seus contemporâneos (nomeadamente, Godard e Truffaut), Chabrol aparece com uma insurgência de novas técnicas cinematográficas e talento fresco. A sensação de novidade é reforçada pela presença de jovens atores, vestidos elegantemente em smokings e vestidos de noite, mas agindo quase deliquentemente na maior parte do filme. Este filme aparece quase como a festa de batismo para o nascimento de uma nova era no cinema francês. " por Angela, extraído de www.makingoff.org

Comentário: Cinema francês perde seu mestre do suspense e da ironia, Claude Chabrol

por Alessandro Gianinni
Notícia publicado em 12/09/2010
Extraído de http://cinema.uol.com.br/ultnot/2010/09/12/cinema-frances-perde-seu-mestre-do-suspense-e-da-ironia-claude-chabrol.jhtm

Referência do cinema francês como crítico e diretor, Claude Chabrol, que morreu neste domingo (12/09/2010) na França, aos 80 anos, começou sua longa e prolífica carreira ao lado de François Truffaut e Jean-Luc Godard na revista "Cahiers du Cinema". Chabrol, conhecido principalmente pelos filmes de suspense abertamente inspirados em Alfred Hitchcock e Fritz Lang, fez parte do grupo chamado de "os jovens turcos" de Andre Bazin, diretor da revista e mentor de todos eles. Esses jovens abalaram os alicerces do cinema francês nos anos 50 propondo uma quebra das amarras aos padrões vigentes e lançando uma proposta de liberdade e experimentação de novas formas de fazer filmes - o que resultou na chamada Nouvelle Vague.

Curiosamente, Chabrol se destaca do grupo justamente por ajudar na elaboração dessa proposta e, depois, quando realmente investe no cinema como diretor, apostar na artesania e nas formas mais canônicas do que exatamente no rompimento total com as regras. Sua extensa filmografia comprova a tese com folga e indica um artesão versátil, que passou por quase todos os gêneros, dos suspenses às comédias, passando pelos filmes de guerra, de espionagem e muitas adaptações literárias que se tornaram referências históricas, como por exemplo o seu "Madame Bovary" (1991), também momento fundamental de sua parceria com Isabelle Huppert.


Nascido nos anos 30, em Paris, Chabrol fugiu para o interior da França quando a Alemanha nazista ocupou o país. Entre suas brincadeiras preferidas na cidadezinha de Sardent estava incorporar os papéis de programador e projecionista numa improvisada sala de exibição montada em um celeiro. Esse pequeno teatro de ideias o levou a cultivar o gosto pelas cinematecas e cineclubes quando retornou a Paris, após o fim da ocupação e, logo em seguida, da 2ª Guerra Mundial. Foi assim que conheceu Truffaut, Godard e Eric Rohmer, que depois convidaram-lhe para ser redator da revista.

Paralelamente, Chabrol trabalhava na assessoria de imprensa da filial francesa da Fox, em Paris. Foi nesse período em que ele e Rohmer escreveram "Hitchcock", uma análise aguçada da obra do mestre do suspense. Foi também o início de sua carreira como diretor, com "Nas Garras do Vício" (1958), um filme considerado uma das sementes da Nouvelle Vague. Influenciado por Hitchcock e Lang, como se disse, Chabrol desenvolveu uma preferência por histórias de forte questionamento moral provocadas ou pela falta de encaixe dos personagens no mundo ou por uma forte sensação de perseguição ou ainda de culpa. Ou tudo isso ao mesmo tempo, como no ótimo "Ciúme - O Inferno do Amor Possessivo" (1994), em que o diretor mostra a ação do ciúme e o processo de loucura provocado em um marido tomado pela dúvida sobre se sua mulher o trai ou não.

Engraçado e divertido, Chabrol também cultivou a ironia tanto nos dramas quanto nas comédias, embora muitas vezes essa forma crítica de linguagem tenha sido confundida com um profundo cinismo. Em filmes recentes, como "A Comédia do Poder" (2006) e "Uma Garota Dividida em Duas" (2007), essa distinção fica mais e mais difícil, até porque esse senhor de parcos cabelos brancos que ajudou a contar e fazer a história do cinema francês sabia como ninguém observar e absorver o mundo ao seu redor para transformá-lo na tela e, quem sabe, na realidade.

sábado, 24 de março de 2012

24/03 - PickPocket - O Batedor de Carteiras (Robert Bresson, 1959)

PickPocket - O Batedor de Carteiras - Robert Bresson (1959)

Sinopse
O personagem principal é Michel (Martin LaSalle), um jovem que começa a bater carteiras por prazer e pela emoção do roubo, e isso vira uma compulsão. Ele é preso, percebe o choque que isso causa em sua mãe e em seus amigos e reflete sobre seus atos. Porém, depois de solto, ele se junta a um ladrão veterano e volta ao crime. Sua consciência pesa, bem como a memória de sua mãe. Também a presença de Jeanne (Marika Green), uma jovem por quem se apaixona, lhe faz pensar em deixar o crime, o que acontece de forma irônica. O filme contou com um batedor de carteiras como consultor. A frieza do tratamento, o rigor e a economia dos efeitos psicológicos faz deste filme um grande clássico da escola Bresson. Inspirado em Crime e Castigo, de Dostoievski. Duração: 75 minutos.

sábado, 3 de março de 2012

03/03: Acossado (Jean-Luc Godard, 1959)

Acossado - Jean-Luc Godard (1959)

Sinopse
O filme retrata o amor fatal entre um criminoso fugitivo, Michael Poiccard e Patrícia, uma jovem norte-americana aspirante a jornalista. Michel rouba um carro em Marselha, mata um policial no caminho para Paris e, ao chegar, encontra Patrícia, que vende jornais na Champs-Élysées. Enquanto foge da polícia, aplica outros golpes na cidade. Duração: 90 minutos.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Crítica: Acossado (Jean-Luc Godard, 1969)

por Rodrigo Carreiro
Extraído de http://www.cinereporter.com.br/criticas/acossado/

Filme de Jean-Luc Godar é o elo perdido entre o cinema clássico dos anos 1950 e o transgressor da década seguinte

A estréia de Jean-Luc Godard, “Acossado” (À Bout de Souffle, França, 1959), atingiu o mundo do cinema como um choque elétrico. O filme que deu o pontapé inicial ao movimento da Nouvelle Vague transpirava uma vontade juvenil de quebrar regras, e por isso atingiu em cheio a juventude inquieta e politizada da época. A virada das décadas de 1950 e 60 representou o momento em que os jovens de todo o mundo ganharam voz real dentro da sociedade – o nascimento do rock’n’roll, a queima de sutiãs e os protestos de maio de 1968 são reflexos diretos disso. E o filme de Godard representou, principalmente nos aspectos técnicos, a chegada dessa juventude ao cinema.

De certa forma, não é errado enxergar em “Acossado” o elo perdido de ligação entre o cinema clássico dos anos 1950 e os filmes transgressores da década seguinte. O raciocínio é o seguinte: os críticos franceses da revista Cahiers du Cinema (Godard incluído) admiravam os diretores proscritos como Nicholas Ray que, nos EUA, dirigiam sob fortes amarras de estilo, contrabandeando para dentro dos filmes temas ousados, mas sempre de forma dissimulada. Godard não estava em Hollywood e não tinha dinheiro, mas em compensação não precisava dissimular nada. Fez “Acossado” com US$ 90 mil, do jeito que quis, e mudou o cinema para sempre.

Alguns anos antes, Hollywood já havia percebido que filmes sobre jovens eram um grande filão, mas sempre os fez de forma conservadora. “Acossado” rompeu esse paradigma e eletrizou a juventude em todo o mundo. Até então, ninguém jamais havia visto, em filme, um personagem virar para a câmera e se dirigir diretamente ao espectador. Michael Poiccard (Jean-Paul Belmondo), o herói de “Acossado”, não só fazia isso como mandava a platéia se f… A própria personalidade do rapaz era transgressora, uma espécie de James Dean de celulóide: um ladrão de carros que roubava apenas pelo prazer da velocidade. Um jovem que gostava de se vestir bem e fumar cigarros caros. Alguém cuja única preocupação era viver o momento, sem dar bola para o futuro; alguém para quem o amanhã é sempre longe demais. A filosofia “viva aqui e agora”, sempre tão sedutora para os jovens, acabava de ganhar um ícone cinematográfico.

“Acossado” possui apenas um fiapo de história; o que importa no filme de Godard é menos o enredo e mais a forma de contá-lo. Trata-se da história de um rapaz francês, o já citado Poiccard, que está apaixonado por uma garota norte-americana (Jean Seberg). A moça, que passa uma temporada em Paris, gosta dele – e de muitos outros rapazes. Ela dorme a cada noite com um homem diferente, e encara essa atitude com uma naturalidade que deve ter chocado os puritanos da época. Patricia Franchisi (nome dela) também virou ícone para as garotas. O corte de cabelo curto, as minissaias e o comportamento libertário viraram uma coqueluche entre as jovens francesas do começo dos anos 1960.


LinkQuando o filme começa, Poiccard acabou de roubar um carro em Marselha e dirige para Paris em alta velocidade. Ele é seguido por um policial e acaba tendo que matá-lo para não ser preso. O resto do filme trata dos esforços do rapaz para fugir da polícia e, ao mesmo tempo, conquistar o coração de Patricia. Godard filma tudo isso com um senso de urgência impressionante, um ritmo nervoso acentuado pela montagem inovadora, que pula no meio das cenas como um disco de vinil arranhado. “Acossado” foi o primeiro filme a apresentar uma técnica chamada de “jump cut”, em que os cortes quebram a sensação de continuidade e surgem nos momentos mais inesperados, apenas para acelerar o ritmo geral. Observe, por exemplo, como os cortes rápidos dão à perseguição de carro que abre o filme uma sensação alucinante.

O longa-metragem surgiu de uma idéia de François Truffaut, que escreveu o roteiro a partir de uma notícia de jornal e o entregou ao amigo Godard. Nos anos seguintes, os dois diretores foram se afastando, tanto em termos de temática quanto na parte técnica (Godard sempre gostou de experimentar novidades, enquanto Truffaut preferia mergulhar no personagem em detrimento da técnica). Juntos, porém, os dois foram capazes de criar um clássico instantâneo, um filme de transição entre dois períodos difíceis do cinema. “Acossado” fez Hollywood acelerar a montagem dos seus filmes, introduziu novas modas entre os jovens e foi, por isso, influência básica para diretores como Arthur Penn e William Friedkin, gente que renovaria o combalido cinema norte-americano do pós-guerra, alguns anos depois. Por isso é um filme que todos os cinéfilos deveriam ter em casa.

Artigo: Um clássico para sempre moderno - Acossado (Jean-Luc Godard, 1959)

por Flávio Guirland
Extraído de http://www.accirs.com.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=84:um-classico-para-sempre-moderno-acossado-1959&catid=39:revendo&Itemid=82


Falar de Acossado, de Jean-Luc Godard, pressupõe um risco. Não só porque o filme foi um “divisor de águas” que marcou verdadeiramente a entrada do cinema no âmbito das narrativas da modernidade, mas também por ter sido uma das obras mais comentadas de todos os tempos.

O filme foi um dos primeiros da Nouvelle Vague, o movimento liderado por jovens críticos de cinema que escreviam na revista Cahiers du Cinema, encabeçada pelo notório André Bazin. Esses novos realizadores visavam, acima de tudo, a romper com as convenções instituídas por aquilo que eles chamavam de “o cinema do papai” (le cinema de papa), isto é, as produções insuportavelmente conservadoras do cinema francês e, de quebra, a estabelecer um contraponto estilístico ao cinema comercial produzido por Hollywood.

O seu lançamento, no já distante ano de 1959, configurou-se como um ato de ousadia e, como era de se esperar, suscitou discussões apaixonadas. Havia os que o defendiam, em consonância com seu caráter revolucionário. Havia aqueles que o atacavam, em desacordo com seu tom profanador. Godard encarou a cólera das críticas (e dos elogios) com refinado deboche, peculiar aos gênios rebeldes. O enfant terrible sabia estar pisando em terras desconhecidas do imaginário cinematográfico. Sabia estar “derrubando mitos” tão laboriosamente construídos, “traindo uma herança” tão cuidadosamente sedimentada. Tinha plena consciência do grau de iconoclastia de sua criação. E o ato transgressor não seria fútil. Em obras posteriores, como Uma Mulher É uma Mulher (1961), Viver a Vida (1962), Tempo de Guerra (1963), O Demônio das Onze Horas (1965) e tantas outras, Godard iria somente radicalizar sua tendência à experimentação.

E de fato, com o passar dos anos, Godard não cessou de trilhar o caminho de uma incansável pesquisa estética, que não se limitou à Nouvelle Vague, e tampouco ao cinema. Realizou trabalhos híbridos, em que punha a dialogar imagens registradas em película e com os meios eletrônicos. Redefiniu as possíveis relações entre a imagem, o som, a palavra escrita e falada, a pintura e a fotografia, engendrados enquanto elementos significantes do discurso audiovisual. Atualizou procedimentos narrativos fundamentais, como a montagem e a direção de cena, tornando-os mais afinados com a sensibilidade do homem moderno. Enfim, o resultado dessa brilhante (e ainda inconclusa) trajetória é a edificação da obra mais fecunda e instigante já realizada para o cinema e a televisão.

Para que possamos perceber a real dimensão da(s) ruptura(s) estética(s) operada(s) por um trabalho seminal como Acossado, talvez seja conveniente entender com maior clareza quais as regras de representação infringidas pelo filme, quais os cânones por ele colocados à prova. Nos próximos parágrafos, procuraremos então enunciar os fundamentos de um determinado modo de se fazer (e de se perceber) o cinema  o chamado “cinema clássico”  para, em seguida, tentarmos compreender melhor as estratégias de que se valeu Godard para questionar a permanência desse modelo e, ao mesmo tempo, propor soluções relativas à construção de uma nova forma de discurso ficcional.

Nem tão grandes inícios

Se voltássemos um pouco no tempo, mais precisamente para o início do século 20, constataríamos com facilidade que os filmes daquela época eram concebidos de maneira bastante diferente dos filmes a que assistimos hoje. O cinema reunia diferentes modalidades de espetáculos, originárias de formas populares de entretenimento como o circo, a pantomima, a magia e a prestidigitação. Como tudo o que pertence à cultura popular, ele formava um mundo paralelo ao da cultura oficial, um mundo repleto de obscenidades, cinismo, grossuras e ambigüidades, onde não havia lugar para qualquer escrúpulo moralista ou anseio de elevação espiritual.

As “salas de cinema”, tais como as conhecemos, não existiam naqueles tempos. Os filmes eram exibidos como curiosidades ou peças de entreato durante espetáculos de circo, shows de vaudeville ou feiras de variedades. O cinema era nesse momento uma atração entre tantas outras, nunca o espetáculo exclusivo, nem mesmo o principal. A própria duração dos filmes, que raramente ultrapassava cinco minutos, impedia que se planejassem sessões exclusivas de cinema, capazes de aglutinar um público específico.

A audiência, por sua vez, era constituída principalmente pelas camadas proletárias dos cinturões industriais. Eram os segmentos mais pobres da sociedade, com pouca ou mesmo nenhuma formação cultural. Nos Estados Unidos, em particular, a maior parte dos freqüentadores destes locais de exibição era formada por imigrantes, pois o desconhecimento do idioma inglês impedia-os de freqüentar o teatro ou quaisquer outras formas de espetáculo fundamentadas no uso da palavra.

No período que vai de 1895 (data da primeira exibição pública de cinema) até meados da década seguinte, as películas realizadas incluíam registros de acontecimentos cívicos e de atualidades (um forma precursora do cinejornal), os próprios números de vaudeville especialmente encenados para a tela, pequenas anedotas em forma de gags, “paisagens”, “quadros de magia”, entre outros. A pornografia, como era de se esperar, não só corria solta como constituía grande parte dos filmes produzidos na época. Eram os famosos teasers.

A reação das camadas sociais mais conservadoras, entretanto, não tardou a manifestar-se. Uma onda de moralidade levou o governo americano a proibir a exibição de uma infinidade de películas e a fechar as portas de vários estabelecimentos considerados impróprios à freqüência de um público mais familiar. Por todos os meios buscou-se “purificar” esses ambientes de suas excentricidades, procurando-se, ao mesmo tempo, atrair platéias mais “respeitáveis”.

Os empresários que investiam na nascente indústria do cinema e as pessoas que realizavam os filmes na condição de diretores, roteiristas, cinegrafistas ou outras funções técnicas começaram, por seu turno, a perceber que o requisito necessário ao pleno desenvolvimento comercial do setor estava na criação de um novo público, que englobasse segmentos da classe média e da burguesia. Era necessário atrair uma platéia mais séria e sofisticada, sobretudo mais sólida economicamente, capaz de atrair dividendos para sustentar uma produção de filmes em escala massiva. Estava claro que o cinema deveria mudar, começar a perder a sua gratuidade e a sua libertinagem, para inserir-se no âmbito das artes “elevadas”, tal como as entendiam os homens da época. Não obstante, surgia daí um problema, sobretudo de ordem epistemológica: que tipo de cinema seria esse?

As referências mais próximas dos realizadores naquele momento eram o romance e o teatro oitocentistas. O cinema, tal como seus predecessores, deveria aprender a armar um conflito, contar uma história, desenvolver personagens dotados de um mínimo de densidade psicológica. O discurso romanesco dos séculos 18 e 19 irá então servir de exemplo e fornecer farto material para os filmes que surgirão a partir de 1905. Diretores como D. W. Griffith e Edwin Porter irão adaptar para as telas obras de escritores consagrados como Shakespeare, Poe, Dickens, Tólstoi, Stevenson, Zola, Hugo, Kingsley, Laclos e tantos outros. O objetivo era claro: além dar ao cinema legitimidade como arte narrativa, afigurava-se imprescindível aplacar a ira dos conservadores e superar os preconceitos culturais das classes mais ilustradas.

À medida que avança a primeira década do século 20, as extravagâncias, os delírios e as fantasias dos primeiros filmes irão ceder lugar, portanto, a um outro tipo de espetáculo, de contornos mais domésticos, mais preocupado em retratar os acontecimentos cotidianos da vida na sua verossimilhança. O naturalismo começa a impor-se como ideologia de representação dominante, em que “a experiência humana só ganha credibilidade na medida em que sua simulação na tela se dá em ‘condições naturais’, a fábula legitimada pela mimese”.

No cinema que irá então surgir, entre 1910 e 1915, a produção de um espaço de ação contínuo e ilusório, a interpretação naturalista dos atores e a encenação de histórias de fácil aceitação popular serão os elementos utilizados para erigir um sistema de representação visual que pretenderá, acima de tudo, “parecer verdadeiro”. Nessa medida, se buscará ocultar a própria representação enquanto artifício, e todo o esforço será dirigido no sentido de dar ao espectador a impressão de estar em contato direto com a “realidade”, sem mediações. É como se todos os aparatos de linguagem utilizados na fabricação do filme constituíssem um dispositivo transparente e invisível. O discurso é apresentado como se fosse a própria natureza.

Dentro dessa lógica narrativa, ganha especial destaque a chamada “decupagem clássica”. Aqui, os cortes efetuados dentro de uma mesma cena são agenciados de modo a não prejudicar a continuidade espaço-temporal da representação. Se há um corte em meio a um gesto de um personagem, por exemplo, toma-se todo o cuidado para que o momento do gesto correspondente ao fim do primeiro plano seja o instante inicial do segundo, resultando na tela uma apresentação contínua da ação. São as famosas “regras de continuidade” que funcionam justamente para estabelecer uma combinação de planos cujo resultado seja uma seqüência fluente de imagens, tendente a neutralizar a descontinuidade obrigatoriamente contida na passagem de um plano a outro.

O interessante é que, uma vez dominadas as técnicas de representação naturalistas – e aqui os adventos do som sincronizado e da cor desempenharão um papel decisivo –, tal naturalismo servirá como ponto de partida para que se possa conferir um peso de realidade aos mais diversos universos ficcionais projetados na tela. A produção industrial, dividida em gêneros (romance, comedia, western, policial etc.), será capaz de fornecer concretude a produtos de declarada fantasia, onde a própria noção de cinema como “espetáculo” irá vincular-se à competência para copiar e elaborar uma aparência que seja capaz de iludir.

Essa retórica encontra seu ponto de culminância no melodrama convencional, com toda a sua carga de fatalidades e seu maniqueísmo, que se apresenta como autêntica “imitação da vida”. Mais uma vez, o estilo naturalista vem emprestar ao universo ficcional um coeficiente de verdade que oculta tudo o que a história possui de convencional, de simplificação e de falsa representação. A mesma equação afirma-se: o discurso como realidade. O método torna concreta uma visão abstrata do mundo e, desta forma, sanciona a mentira.

O “cinema clássico”, como convencionou-se chamar este modelo voltado para representação ilusionista, irá consolidar-se nos Estados Unidos a partir de 1915 e nas décadas seguintes, e será identificado com o domínio da verdadeira “linguagem do cinema”. Os analistas, hoje, tendem a relativizar o problema e a interpretar as conquistas do cinema produzido em Hollywood no início do século 20 como a construção de um sistema de representação particular, entre outros tantos possíveis. Neste sentido, ganha também formulação cada vez mais clara a idéia de que a articulação método hollywoodiano afina-se com os interesses dos donos da indústria e, por conseqüência, com os imperativos ideológicos de uma classe dominante.



A intervenção de Godard
Acossado inicia-se quando Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo) furta um carro em Marseilles e, a caminho de Paris, é perseguido pela policia, por estar trafegando em alta velocidade. Durante a fuga, mata um policial. Mais tarde, ao chegar na Cidade Luz, sai à procura de um amigo que lhe deve dinheiro (produto de outro roubo?). Enquanto não o encontra, Michel perambula pelas ruas, revê amantes. Encontra finalmente Patrícia Franchini (Jean Seberg, nos seus estonteantes 21 anos), uma garota americana que conhecera semanas atrás, e que vende o The New York Herald Tribune ao longo da Champs Elysées. No quarto de hotel de Patrícia, Michel tentará convencê-la a dormir com ele e, depois, fugir para a Itália. Ele consegue realizar o seu primeiro intento, mas quando está prestes a reaver seu dinheiro (o que possibilitaria a viagem à Itália) Patrícia denuncia-o à polícia. Em vez de fugir, Michel decide entregar-se, sem oferecer resistência. No momento em que a policia chega, no entanto, um amigo alcança-lhe um revólver, numa última tentativa de salvá-lo. Michel é então morto no tiroteio.

A história, bastante simples, na verdade, partiu de uma idéia de François Truffaut baseada na fórmula “crime e fuga”, típica dos romances policiais americanos (Truffaut e Godard haviam pretendido filmar Bonnie and Clyde, anos antes). A partir daí, Godard foi escrevendo o roteiro, meio que no improviso. “Acossado começa assim: eu havia escrito a primeira cena (Jean Seberg caminhando nos Champs Elysées), e para o resto do filme eu tinha uma pilha de notas, uma para cada cena. Disse a mim mesmo: “isto é terrível”, e parei tudo. Então pensei: se em um dia é possível filmar cerca de doze planos... então, em vez de escrever todo o roteiro antecipadamente, decidi improvisar as cenas de cada dia, tomando como referencia as notas que tinha em meu caderno”, disse Godard em 1961.

A displicência com que o realizador elaborou o roteiro acabou contaminando outros aspectos da produção, o que o levou a infringir certas regras características do cinema comercial: as filmagens minuciosamente planejadas dos estúdios cederam lugar às locações externas, sujeitas à ocorrência de todo tipo de acasos; as tomadas de planos, em geral repetidas até que se consiga atingir os limites da perfeição, foram realizadas muitas vezes em um único take; aos atores, normalmente condicionados a atuar segundo um estilo de interpretação bastante regrado, foi dada completa liberdade para improvisar.

Quanto à narrativa, esta adquiriu um aspecto rarefeito e fragmentário. Se formos examinar uma típica fita policial, poderemos verificar sem muito esforço que a história tende a concentrar-se nos momentos fortes da ação (de preferência nas cenas de violência e perseguição). Os episódios são encadeados dentro de uma lógica fundamentada em associações do tipo causal (a uma causa sucede sempre sua conseqüência natural), onde o nível de tensão dramática é cuidadosamente dosado num crescendo, desde o início da história até o seu instante derradeiro. Em outras palavras, todos os elementos são dispostos de forma a extrair da narração o maior efeito dramático possível. Acossado, por sua vez, procura explorar um outro caminho:

Após um preâmbulo bastante agitado, assistimos à seqüência no quarto de hotel de Patrícia, onde ela e Michel ficam jogando conversa fora enquanto esperam o desenrolar dos fatos para poderem agir. É claro que acompanhamos ali um desvelamento psicológico dos personagens (a familiaridade de Patrícia com as artes contrasta com os interesses sempre imediatistas de Michel). No entanto, são 20 minutos de projeção onde pouco ou nada acontece. Godard cria um efeito de distensão dramática que opõe-se propositadamente à fórmula cumulativa e valoriza um tempo (e uma ação) que seriam qualificados, segundo um modelo de cinema mais convencional, como totalmente sem interesse.

Quando finalmente Michel e Patrícia saem do hotel, os acontecimentos começam a se precipitar com rapidez: a foto de Michel aparece nos jornais, ele é denunciado à polícia e inicia-se a perseguição que irá redundar na sua morte. As cenas voltam então a suceder-se com ligeireza e, na transição de uma cena à outra, nunca nos são dadas uma orientação espacial clara ou uma continuidade de tempo integral. Tempo e espaço nos são apresentados de forma estilhaçada e, com isso, ficamos um tanto desorientados. É como se nós, espectadores, fôssemos envolvidos pelas atribulações que acometem o casal durante a sua fuga.

Por uma nova poética audiovisual
A grande inovação acionada por Acossado irá portanto fundamentar-se neste ponto: no modo como o comportamento dos personagens (o de Michel, mais especificamente) encontra um paralelo no tratamento formal das imagens. Opondo-se ao modelo da narrativa causal, Godard agencia novos esquemas de relações entre os elementos cinematográficos, privilegiando agora uma “lógica da ação”, conforme termo utilizado por José Lino Grünewald. Aqui, a dedução discursiva de uma história em nada auxilia na compreensão do filme. O sentido é dado por uma câmera que testemunha os fatos, rodeia-os, delineia-os, mas não explica, não conclui. Assim, o conteúdo visual de Acossado não aparece amarrado a uma idéia diretiva estabelecida a priori ou a uma mensagem delimitadora. Ele existe numa relação orgânica com a ação dos personagens. O critério relativo à mise-en-scéne (direção de cena) passa a ser a dominante, sobrepondo-se à exposição coerente do enredo.

Inserida nessa lógica da ação, a valorização da descontinuidade (e não o seu ocultamento) será o traço estilístico distintivo que irá romper de vez com a idéia de identificação, tão laboriosamente construída pelo modelo ilusionista. Godard será nesse momento o precursor de uma prática hoje difundida entre diretores de filmes de ação e videoclipes, o jump-cut: o corte repentino dentro da cena que interrompe, no seu transcorrer, o movimento físico de um ator ou até mesmo uma linha de diálogo. O resultado são as imagens truncadas, que “pulam” na passagem de um plano a outro, e que emprestaram a Acossado um ritmo ágil e um inegável apelo visual.

Tomemos como exemplo a seqüência em que Michel e Patrícia passeiam de carro pela cidade. Num plano próximo, vemos Patrícia (por trás, em plongée), sentada no banco dianteiro, ao lado de Michel. Enquanto ele discursa: “Amo uma garota com o pescoço lindo / com seios lindos / com uma voz linda / com pulsos lindos / com uma testa linda / e joelhos lindos... / mas que é covarde!”, ela permanece o tempo todo diante de nós, no mesmo enquadramento. Percebemos, no entanto, através dos cortes, que o carro trafega por diferentes avenidas e ruas da cidade, em diferentes momentos. Tal combinação produz, para além da descontinuidade visual, uma síntese de tempo, e nos sugere que a duração daquele passeio é bem maior do que poderíamos imaginar. Em outras palavras, é evocado um tempo (e uma situação) que não estão inteiramente colocados na narrativa, e o efeito poético daí resultante é surpreendente.

Outra técnica utilizada com a finalidade de evidenciar a descontinuidade é o emprego do faux-raccord (“falsa continuidade”, numa tradução literal), onde a integridade da cena é novamente comprometida, dessa vez por uma propositada desobediência às regras de direcionamento do olhar dos atores ou por um desrespeito à coerência espacial da ação. Com o uso do faux-raccord, nunca conseguimos ter um conhecimento claro da localização física de um personagem em relação a outro, ou mesmo da relação que estes mantém com o seu entorno.

Examinemos a passagem em que Michel assassina o policial: vemos o carro de Michel sair da rodovia e estacionar num acesso secundário, oculto pelas árvores. Em seguida vemos o policial, de moto, trafegando na rodovia em alta velocidade. Ele retorna, entra na estrada de terra e aproxima-se do carro de Michel. Michel debruça-se para dentro do carro para apanhar a arma no porta-luvas, e até aqui acompanhamos a ação sem problemas. Então temos um plano fechado do rosto de Michel, de perfil. Vemos o seu ombro, o seu braço, a arma. Ele dispara. Não sabemos exatamente em que direção ele faz o disparo, mas podemos intuir com razoável precisão, baseados nos planos a que assistimos antes. Acontece que quando o policial cai, vitimado pelo tiro, ele tomba numa outra direção (ou até mesmo num outro lugar), em absoluto desacordo com a orientação espacial que supúnhamos ter. No plano seguinte (um plano geral), vemos Michel correndo em disparada pelo campo.

Os movimentos de câmera constituem, da mesma forma, um outro recurso utilizado por Godard para desenvolver a lógica da ação. Ela não pára nunca de se mover (a câmera na mão aqui é uma premissa), e não abandona os atores em nenhum momento. A sua movimentação incessante não obedece a uma sistemática prevista de antemão pelo roteiro, nem encontra-se atrelada a um método narrativo apriorístico. Ela movimenta-se motivada exclusivamente pela ação e, ao mover-se, revela sempre uma nova descoberta.

Podemos destacar, ainda, o modo de atuação dos intérpretes, conduzido em um tom de intencional artificialidade:

Logo no início do filme, quando Michel dirige pela rodovia, rumo a Paris, ele volta-se para a câmera e diz: “Se você não gosta do mar... se você não gosta do campo... se você não gosta da cidade... então vá se catar!”. Michel irá repetir esta interpelação direta ao espectador em várias ocasiões, principalmente ao imitar o gesto de Humphrey Bogard roçando o polegar sobre os lábios. Já na cena final, temos um outro momento de marcado artificialismo na interpretação de Belmondo. Quando é baleado pela policia, Michel corre pela rua contorcendo-se de forma absurda, até cair em cima da faixa de segurança. Deitado no chão, faz caretas para Patrícia e chama-a de “desprezível”. Por fim, ele fecha os próprios olhos com as mãos, do mesmo modo como costuma-se cerrar os olhos de um morto.

Godard procura aqui romper com o sistema analítico-dedutivo de interpretação, onde o ator compõe um tipo baseado em normas pré-fixadas. Em Acossado, os atores passam a adotar a técnica do comportamento, onde a coerência (a causalidade) na composição do personagem é substituída por uma atuação ligada diretamente à ação (e à cena). É novamente José Lino Grünewald, em sua critica do filme, que elucida:

“Em Acossado, os atores não estão para representar, mas representam para estar. Daí a aferição não causal de um ser pelo estar – a técnica do comportamento. Os personagens se dão a conhecer através do filme e não em virtude de um rótulo generalizante para um determinado conteúdo abstrato – não há um conceito anterior. O personagem não evolui classicamente – seus atos e palavras são, à primeira vista, contraditórios, porque não se definem em termos anedóticos, de narração. Um jogo de contrastes e conflitos forjando um realismo pela ambigüidade”.

A lógica da ação desenvolvida através da descontinuidade visual, dos movimentos abruptos de câmera e da interpretação anti-naturalista dos atores, nos causa, em seu conjunto, uma nítida sensação estranhamento. Elas nos tiram “de dentro do filme”. Neste aspecto, Godard aproxima-se das teorias do distanciamento brechtiano para enfatizar que aquilo que vemos na tela não passa de uma obra de ficção. Ele instaura (como regra) uma poética da auto-referência, característica dos movimentos da arte moderna, até então com pouquíssimo espaço no cinema comercial. Por seu turno, a narrativa elíptica e aberta, ao deixar de fornecer para o espectador todos os elementos necessários ao acompanhamento da história, convoca-o a efetuar uma recepção ativa, muito distante da acomodação voyeurista proporcionada pelo espetáculo de moldes mais convencionais.


Interferências e intertextualidades
A rejeição de Godard a determinados métodos da cinematografia reflete, sobretudo, o seu desejo de colocar um termo ao reinado absolutista do cinema tributário do romance do século 19e da representação ilusionista, do cinema concebido como “janela aberta para o mundo”. Ele sentia que a ortodoxia das regras que prefiguravam esse sistema há tempos limitavam as possibilidades do cinema enquanto meio expressivo. Fica claro, no entanto, que Godard nunca deixou-se confinar numa postura iconoclasta per se, de simples rejeição à estrutura dominante. Ao contrário, ele possuía uma lúcida percepção de seu papel na evolução do cinema como linguagem e um profundo conhecimento das técnicas narrativas dos cineastas que o antecederam.

Assim como outros realizadores franceses daquela época, Godard admirava com ardor os “filmes B” americanos, principalmente os policiais noir da década de quarenta. Sobre Acossado, afirmou: “Tudo o que eu gostaria era fazer um filme normal de gângsters”. Apesar de Acossado não poder ser classificado exatamente como “um filme normal de gângsters”, a influência do cinema americano torna-se clara à medida que acompanhamos a trajetória de Michel, um delinqüente amoral cujo fim trágico é inevitável. Ademais, Michel mostra um claro influxo dos personagens típicos das histórias policiais, como aqueles interpretados por Humphrey Bogart. Belmondo roça constantemente o polegar sobre os lábios, num gesto característico do ator americano e, em determinado momento, chega até mesmo a parar diante de um cartaz de “Bogey” para observá-lo com idolatria.

Ao mesmo tempo em que reconhecia o legado de seus antecessores, Godard percebia a importância do cinema estabelecer relações com outras formas de linguagem. Na verdade, ele via a si mesmo mais como um autor (não simplesmente um cineasta) e, no seu afã em romper laços com uma certa tradição da indústria, procurou tornar explícita sua aproximação com a literatura. “Uma pessoa sente-se tão só num set de filmagem, como diante de uma página em branco”, costumava dizer. De fato, em Acossado não faltam referências a escritores como Dylan Thomas, Rainer Maria Rilke, entre outros. Na cena em que Patrícia e Michel estão no quarto de hotel, por exemplo, ela chega a citar Wild Palms, de William Faulkner: “Between grief and nothing, I will take grif ” (numa tradução livre, algo como: “Entre a tristeza e o nada, eu prefiro a tristeza”). Diante de tal provocação, Michel devolve: “Eu prefiro o nada. A tristeza é um compromisso”. A passagem é curiosa, pois Godard não só fez questão de mostrar uma determinada herança literária como ainda, através das palavras colocadas no diálogo de seu protagonista, buscou dar uma resposta ao aforismo de Faulkner.

De modo semelhante, o diretor procurou explorar relações de intertextualidade entre o cinema e a pintura. Obras de Paul Klee, Matisse e outros aparecem no quarto de Patrícia, e são comentadas de passagem. A certa altura, ela posa diante de uma reprodução de Renior, que retrata uma jovem, e pergunta: “Quem é a mais bonita?”. Michel coloca-se então diante de um pôster de Picasso (um homem segurando uma máscara na frente do rosto), faz uma careta jocosa e não comenta nada.

Ao misturar referências a filmes de gângsters e a obras consagradas do repertório erudito, Godard coloca-se em sintonia com o mais atual pensamento pós-moderno. Acossado esboroa as fronteiras entre a “alta” e a “baixa” cultura, elevando o gênero do “filme B” à condição de obra de arte. E o faz de maneira irreverente, com humor, desmistificando e até mesmo ridicularizando o próprio conceito de “obra de arte”. O filme também antecipa, embora de forma inconsciente, o conceito de McLuhan acerca da “aldeia global”, e a reflexão de Roland Barthes a respeito da influência da indústria cultural sobre a sociedade.

A influência existencialista
Poderíamos acrescentar, por último, a ascendência no filme da filosofia existencialista e de sua visão sobre a condição humana após a morte de Deus, e o advento do niilismo tais como foram descritos por Friedrich Nietzsche. Nietzsche afirmava que, diante da inexistência de Deus, é inútil ao ser humano a procura de qualquer sentido transcendental para a vida. O homem deveria, isso sim, abandonar a sua busca por alguma hipotética razão de viver, e viver cada momento intensamente, emprestando o seu frágil e efêmero significado a todas as coisas que faz.

Diante dessa questão, a pergunta a ser colocada é a seguinte: por que simpatizamos tanto com Michel, apesar dele ser um personagem egoísta, um delinqüente, na verdade, absolutamente alheio do mundo que o cerca? A resposta talvez resida no modo desinibido (e até mesmo alegre) com que ele desconsidera toda e qualquer autoridade e convenção social. O que mais nos seduz em Michel, no entanto, não é propriamente a sua extravagância, mas a visceral convicção com que ele age. Suas ações, por mais imorais que sejam, reverberam uma avidez pela vida que nos é invejável  porque inacessível. Ele personifica uma utopia libertária que nós jamais poderíamos cumprir, sob pena de compartilharmos do seu mesmo destino (Acossado, neste sentido, poderia ser interpretado como uma anti-fábula ou como uma fábula anarquista). Em determinado momento, ele passa correndo na frente de um cartaz onde podemos ler: “viva a vida perigosamente até o fim”.

A excentricidade de Michel não seria suficiente para destacá-lo da norma, se Godard não houvesse caracterizado quase todos os outros personagens como absolutamente anódinos: as pessoas que transitam pela rua, apáticas, observam um homem atropelado, sem nada fazer; de uma bela e trabalhadora amiga, Michel rouba o dinheiro sem que ela perceba; os dois dedicados oficiais de policia não poderiam ser mais ridículos e atrapalhados. Através dessas “pistas”, Godard nos dá indícios de um mundo vazio e sem sentido. “Por que você quer fazer amor comigo?”, pergunta Patrícia na cena do quarto de hotel. “Porque você é bonita”, responde Michel. “Mas eu não sou bonita”, ela retruca. “Ok, então porque você é feia”, ele arremata.

Michel é o único que parece tirar vantagem desse estado de coisas. Ele até mesmo inventa um passado, um presente e um futuro para si: diz que seu avô dirigia um Rolls Royce e seu pai tocava clarinete; finge ser endinheirado ao trocar de carro a todo instante e ao afirmar que costuma hospedar-se somente no Claridge; planeja ir para a Itália (com Patrícia), assim que puser a mão na grana que um amigo lhe deve. Ao fantasiar sua biografia, Michel cria, em meio à indiferenciação generalizada, um sentido para a própria vida (“cria poesia do nada”, diria Godard).

Uma conquista em nada modesta
Quando de seu lançamento, Acossado teve uma calorosa recepção do público e da crítica. E podemos afirmar, sem exagero, que naquele momento o cinema mudou para sempre. Os jovens diretores que assistiram ao filme abandonaram de imediato suas antigas crenças de que o cinema não poderia prescindir da gigantesca e caríssima estrutura dos grandes estúdios. Pôde-se perceber que era enfim possível concretizar uma obra com alto potencial criativo, mesmo enfrentando condições precárias de produção, escassos recursos financeiros e uma equipe reduzida ao mínimo. Era enfim viável propor novas formas narrativas, experimentar novas poéticas, realizar algo diferente do tradicional modelo holywoodiano e, ainda assim, sensibilizar o público. Tristes quimeras (ou não), o fato é que Acossado foi uma obra de caráter visionário. Influenciou gerações de cineastas que, na sua esteira, deram origem aos inúmeros “cinemas novos” que varreram o planeta nos anos 60 e 70. E o filme permanece até hoje como um marco na história da cinematografia mundial, tão significativo e revolucionário quanto o foram O Nascimento de uma Nação e Cidadão Kane em suas respectivas épocas.

Cinema francês: um panorama da Nouvelle Vague

por Georges-Michel Darricades*
Extraído de http://www.miradaglobal.com/index.php?option=com_content&view=article&id=1356%3Acine-frances-un-panorama-de-la-nouvelle-vague&catid=29%3Acultura&Itemid=18&lang=pt

A Nouvelle Vague, há meio século, mudou para sempre o cinema francês e influenciou enormemente a filmografia do mundo.

Sei que começarei esta coluna com algo que talvez deixe muitas pessoas desconcertadas. No entanto, quero dar-me um gosto. Quero mencionar dois diretores: um, entreabrindo a porta do grupo sobre o qual falarei —a Nouvelle Vague—, Roger Vadim, que não é parte em si do movimento. E entrecerrando a porta, Claude Lelouch, que também não o integra.
Com Françoise Sagan e seu romance Bom-dia tristeza de 1954, escrita a contrapelo da nova novela “ Nouveau Roman”, Roger Vadim, com seu filme E Deus criou a mulher de 1956, romperam os modelos da quietude do pós-guerra. Por outro lado, Claude Lelouch com Um homem e uma mulher de 1966, que segundo certas pessoas estava “em estado de graça” quando filmou esta fita de fotografia maravilhosa, grande manejo de câmara, música indelével e diálogos simples mas cativantes, além da excelente atuação de seus protagonistas, conseguiu Palma de Ouro em Cannes e o Oscar de melhor filme estrangeiro. E seu “broche de ouro” foi em 1980, com um filme ícone da cinematografia francesa moderna, Uns e os outros.
Também devemos mencionar com muitos méritos Marcel Camus, embora não pertença propriamente ao movimento, com seu filme Orfeu negro, filme que ganhou o Festival de Cannes em 1959 como o melhor filme em idioma estrangeiro (português), e Louis Malle, que seguiu nessa época um caminho paralelo mas com dois grandes filmes, ambos com sua musa Jeanne Moreau, Elevador para o cadalso, onde reflete sua paixão pelo jazz com trilha sonora de Miles Davis, e Os amantes.
Como os mais renomados da Nouvelle Vague encontramos Claude Chabrol, Alain Resnais, Jean-Luc Godard e François Truffaut. Mas não deixaremos de mencionar Eric Rohmer, também membro do grupo por um ensaio publicado com Godard, chamado Hitchcock,os primeiros 44 filmes. Destaco este último pela profunda admiração que os diretores que mencionamos sentiam pelo grande mestre do suspense; a mesma que sentiam também por Orson Welles.
Pois bem, todos foram fortemente influenciados por Jean Pierre Melvilla, seu precursor e iniciador, e que definiu seu cinema como “a busca de uma linguagem”. O filme que dá início a tudo isto é : Dois homens em Manhattan, de 1958.
Depois disso, vamos ao que nos interessa…
Vamos começar dizendo que quase todos os membros da Nouvelle Vague começaram como críticos, dando um novo enfoque a esta atividade, na prestigiosa revista Cahiers de Cinemá. Daí deram o grande salto para incursionar pela direção de cinema. Mas embora todos tivessem uma prolífica produção, para não abarrotar o leitor com excessos de informação, só mencionarei um filme de cada um; algum que certamente tenha marcado alguma meta e tenha iniciado este movimento que renova a cinematografia francesa: Chabrol, O belo Sergio; Resnais, Hiroshima meu amor, sobre a novela de Margueritte Duras; Truffaut, Os quatrocentos golpes e, finalmente, Godard, No final da escapada (À bout de soufflé), mais conhecido por nós como Acossado, e que para a Nouvelle Vague passa a ser um verdadeiro manifesto em imagens.
François Truffaut, muito antes, quando ainda era crítico, escreveu um artigo premonitório para o que viria posteriormente: “Une certaine tendence du cinema française”, que junto ao filme de Godard recém nomeado, foi a partida da nova tendência.


Este movimento não só conseguiu criar, mas também deu um peso definitivo ao que hoje se conhece como “cinema de autor”, passando para um importantísimo e quase exclusivo primeiro plano o trabalho do diretor. Asseguravam que, assim como o escritor escreve com a pena, o diretor deve fazer isso com sua câmara, que usavam levando-a sobre seus ombros durante a filmagem. Isso não era habitual. Filmavam com câmaras de 8 ou 16 mm. Outro dos aspectos que mudaram diametralmente era a locação utilizada, passando a ser cenários naturais, prescindindo dos estudos e o plateaux.
A linha argumentativamudou de modo significativo, especialmente ao apresentar-nos a temática de uma maneira interessante, mas com grande profundidade, e sem descuidar jamais do alto grau de verossimilhança sem enfeites artificiais que tirassem o espectador do nó central do roteiro.
Eram muito soltos, chegando inclusive a deixar alguns vazios intencionais, que permitiam dois outros aspectos mais característicos de seus filmes: a liberdade que os atores, muito bem selecionados, tinham para improvisar diálogos que davam muita fluidez e agilidade aos textos. Não esqueçamos de que este movimento deu grande importância à linguagem, transformando-a sob o ponto de vista cinematográfico. A regra de ouro para os atores é que não havia regras.
Foi tal a aposta destes realizadores, que só o neorrealismo italiano de Visconti, Rosellini e De Sica, no pós-guerra, pode comparar-se com a influência na tendência cinematográfica. O mesmo ocorreu com estes jovens cineastas franceses dos final doa anos cinquenta e inícios dos sessenta.
O que realmente está claro, é que a Nouvelle Vague, há meio século, mudou para sempre o cinema francês e influenciou enormemente a filmografia do mundo.

*Georges-Michel Darricades é colunista da Corporação Proyecta América a cargo da seção Cultura; também do Centro de Estudios Sociales Avance e na revista Política&Espíritu. Colaborador de Mirada Global.

Histórico da Nouvelle Vague

por Paula Cruz e Eduardo Maia
Extraído de http://www.facom.ufba.br/com112_2001_2/nouvellevague/historico.html

A Nouvelle Vague é certamente o mais significante desenvolvimento em cinema desde o neorealismo e, possivelmente, uma das poucas verdadeiras linhas divisórias da história cinematográfica. O termo surgiu para descrever uma variedade de fenômenos inter-relacionados, incluindo: (1) um novo enfoque crítico para filmes; (2) um grupo específico de críticos e, mais tarde, de diretores e equipes; (3) uma tendência dominante na produção francesa de filmes pós-1959.

O novo enfoque crítico pode ser esboçado no profissional francês Alexandre Astruc, que em 1948 celebrou o filme como "uma arte da nossa era" e anunciou a era da "caméra-stylo". Na metáfora de Astruc, o cineasta escreve com sua câmera, expressando a idéia de que o cinema tornou-se autônomo, com uma linguagem específica e é um modo legítimo de expressão artística.

As idéias de Astruc foram depois desenvolvidas em 1954, quando a revista Cahiers Du Cinéma, editada por André Bazin, publicou um artigo chamado "Uma Certa Tendência do Cinema Francês". O autor deste, François Truffaut, atacou impiedosamente o cinema francês por sua "tradução de qualidade", desaprovando não apenas a sua base em roteiros convencionais, mas também os diretores, que falharam em utilizar o meio de uma maneira pessoal. Truffaut clamou por uma Revolução Cinematográfica: um modo mais livre de fazer cinema, que significava mais locações externas nas filmagens; menos restrições dos estúdios, produtores ou roteiristas; um enfoque mais solto para o ato de atuar; e, mais importante, diretores que iriam escolher o próprio material e criar filmes pessoais, sempre consciente da natureza específica do meio cinematográfico.

A "teoria autoral" era o pilar do movimento da Nouvelle Vague. Foi criada em 1954 por François Truffaut, que ainda era apenas um crítico da revista francesa Cahiers Du Cinéma. Essa teoria afirma que uma pessoa, quase sempre o diretor, tem a única responsabilidade sobre o filme e que sua visão pessoal da sociedade pode ser observada na obra. Isso significa que o filme pode ser visto como uma produção individual, não muito diferente de um livro ou uma música.

Truffaut e seus colegas - particularmente Claude Chabrol, Jacques Rivette, Jean-Luc Godard e Eric Rohmer - continuaram a escrever críticas para a Cahiers Du Cinéma durante os anos 50, mas se tornaram cada vez mais interessados em se transformarem em diretores-autores. Em 1956, um jovem diretor chamado Roger Vadim obteve grande sucesso com Et Dieu... Créa La Femme, estrelando sua então esposa, Brigitte Bardod. No ano seguinte, Louis Malle surgiu com Ascenseur Pour L'Échafaud, um thriller inspirado no moldes americanos, com Jeanne Moreau. Assim que o dinheiro para produção começou a se tornar disponível para os jovens diretores, os críticos da Cahiers se posicionaram por detrás das câmeras. Chabrol estreou com Le Beau Serge (1958), Truffaut com Les Quatre Cents Coups (1959) e Godard com À Bout De Souffle (1959).

Apesar de cada filme expressar as preocupações pessoais de cada autor, cada um também refletiu os princípios básicos dos críticos da Cahiers. Em 1959, Truffaut (como crítico) foi oficialmente banido do Festival de Cannes, por causa de seus escritos impiedosos, mas seu filme Les Quatre Cents Coups (Melhor Diretor), juntamente com Orfeu Negro de Marcel Camus (Grand Prix) e Hiroshima, Mon Amour de Alain Resnais (Prêmio Internacional da Crítica), deu à França a varredura de três importantes prêmios do Festival.


Nos anos seguintes, a história da indústria francesa foi transformada por esse surgimento de novos diretores, atores e idéias. Truffaut, Godard, Chabrol, Rivette, Rohmer e Resnais estavam, claro, no centro desse movimento, mas dúzias de outros novos diretores franceses lucraram com trabalhos de sucesso. A Nouvelle Vague francesa obteve ramificações internacionais, influenciando movimentos como o Cinema Novo brasileiro. O grau de persuasão das idéias do grupo também forçou historiadores em cinema e teóricos a reavaliarem e reescreverem a história do cinema.

Cahiers Du Cinéma - A Cahiers du Cinéma era, se não o primeiro, certamente o mais influente dos periódicos sérios de cinema. Quatro anos após formar La Revue Du Cinéma em 1947, o crítico e teórico André Bazin, junto com Jacques Doniol-Valcroze, renomearam-na Cahiers Du Cinéma. O grupo de entusiastas que escrevia para a revista procedeu em reavaliar e redefinir a crítica de filmes. Apesar das opiniões do editor Bazin - principalmente seu firme apoio ao cinema orientado pela mise-en-scène - ter influenciado, de certo modo, os artigos, diferentes opiniões logo emergiram. Em Montage, Mon Beau Souci (N° 65, Dez/56), Godard se opôs a Bazin, argumentando pela montagem acima da mise-en-scène.

Contudo, os escritores da Cahiers dos anos 50 e começo dos anos 60 estavam unidos na sua campanha pela arte cinematográfica e na apreciação por artistas de cinema. Após a popular sublevação na França em Maio de 1968, os editores da Cahiers clamaram por uma nova dimensão do jornalismo de cinema, que iria confrontar a política natural inerente com o próprio filme ( Bazin não fazia parte desse grupo, pois morreu em 1958). Exemplos dessa nova dimensão incluem textos escritos coletivamente como Young Mr Lincoln, de John Ford. A revista publicou mais de quatrocentas edições e, apesar de não tão influente como fora, continua sendo um fórum para incisiva e inteligente crítica cinematográfica.

Programação Março de 2012: 1959 - O Fantástico Ano do Cinema Francês

No ano de 1959, todos os grande diretores franceses lançaram filmes que serviram como base da nouvelle-vague francesa e revolucionaram o cinema mundial.

O Cine Clube Ybitu Katu exibe:

03/03: Acossado (Jean-Luc Goudard, 1959)
O filme retrata o amor fatal entre um criminoso fugitivo, Michael Poiccard e Patrícia, uma jovem norte-americana aspirante a jornalista. Michel rouba um carro em Marselha, mata um policial no caminho para Paris e, ao chegar, encontra Patrícia, que vende jornais na Champs-Élysées. Enquanto foge da polícia, aplica outros golpes na cidade. Duração: 90 minutos.

10/03: Os Incompreendidos (François Truffaut, 1959)
Antoine Doinel é um garoto de 14 anos. Seus pais não lhe dão muita atenção, então ele mata aula para ir ao cinema e sair com seus amigos. Certo dia, ele descobre que sua mãe tem um amante. Este é o primeiro longa de Truffaut, considerado um dos diretores europeus mais importantes de todos os tempos. Duração: 94 minutos

17/03: Hiroshima Mon Amour (Alain Resnais, 1959)
Uma atriz francesa está no Japão para atuar em um filme pacifista sobre a hecatombe nuclear em Hiroshima. Enquanto se relaciona com o amante, arquiteto japonês que sobreviveu à guerra, ela relembra o primeiro amor, um soldado alemão. “Hiroshima, Mon Amour” é a estreia em ficção do francês Alain Resnais (1922). Fascinado pela análise da memória e do esquecimento, o diretor adota gêneros variados em obras que desafiam a lógica das narrativas convencionais. Com roteiro da escritora Marguerite Duras (1914-1996), “Hiroshima Mon Amour” é dos casamentos mais arrojados entre cinema e literatura. A mistura de passado e presente, traumas e afetos resulta em um filme cuja poesia é ainda única na história do cinema. Duração: 89 minutos

24/03: PickPocket - O Batedor de Carteiras (Robert Bresson, 1959)
O personagem principal é Michel (Martin LaSalle), um jovem que começa a bater carteiras por prazer e pela emoção do roubo, e isso vira uma compulsão. Ele é preso, percebe o choque que isso causa em sua mãe e em seus amigos e reflete sobre seus atos. Porém, depois de solto, ele se junta a um ladrão veterano e volta ao crime. Sua consciência pesa, bem como a memória de sua mãe. Também a presença de Jeanne (Marika Green), uma jovem por quem se apaixona, lhe faz pensar em deixar o crime, o que acontece de forma irônica. O filme contou com um batedor de carteiras como consultor. A frieza do tratamento, o rigor e a economia dos efeitos psicológicos faz deste filme um grande clássico da escola Bresson. Inspirado em Crime e Castigo, de Dostoievski. Duração: 75 minutos.

31/03: Os Primos (Claude Chabrol, 1959)

A história de Les Cousins gira em torno de dois jovens que são primos e são estudantes universitários, em Paris. Charles é de uma pequena cidade francesa e foi enviado por sua mãe para viver com seu primo, Paul, que tem um apartamento na cidade. Charles é direto, sincero, sem maldade, um pouco ingênuo. Paul é sofisticado, disposto a aceitar qualquer responsabilidade e pronto para aceitar qualquer papel que possa diverti-lo no momento. Em suma, Charles é o menino do interior, e Paul o playboy cosmopolita. Quando se trata de estudar, Charles é sério e dedicado, enquanto Paul é um hedonista. Essa dicotomia é enfatizada a cada passo através do filme e que pode parecer muito simples. Mas há um movimento interno na mente do protagonista, Charles, com a sua visão do mundo inocente moldado a partir de valores tradicionais que é contestada pela face da corrupção. De alguma forma, Les Cousins pode ser visto como uma descida ao inferno, e há pistas por todo o filme que reforçam essa metáfora.Basta você identificá-las. Duração: 112 minutos