sexta-feira, 30 de setembro de 2011

01/10: Tartarugas Podem Voar (Bahman Gobadi, 2004)

Tartarugas Podem Voar - Bahman Gobadi (2004)

Sinopse
Na fronteira entre Irã e Iraque, semanas antes da invasão do Iraque pelas tropas norte-americanas, num acampamento de refugiados curdos, as pessoas se reúnem para ouvir as notícias da guerra. a figura central desse grupo é Satélite, um garoto que exerce a liderança entre crianças, jovens e adultos. o filme registra o caos em que essas pessoas vivem, o isolamento e a completa falta de informações relativas à guerra. Agrin, uma garota de 14 anos, chega à região com seu irmão e um filho pequeno. Eles, que encontram dificuldade em se relacionar com os outros refugiados, também acabam de passar por uma experiência traumática. satélite tenta a aproximação, mas quase não há diálogo entre eles. Agrin entra em conflito também com o irmão, que pede que esperem mais um tempo antes de procurarem novo abrigo. Duração: 95 minutos.

Crítica: Tartarugas Podem Voar (Bahman Gobadi, 2004)

por Angélica Bito
Extraído de http://cinema.cineclick.uol.com.br/criticas/ficha/filme/tartarugas-podem-voar/id/1070

Fico imaginando como George W. Bush se sentiria ao ver um filme como Tartarugas Podem Voar. Isso se ele não se incomodasse com as legendas. O filme curdo, dirigido pelo iraniano Bahman Ghobadi, acontece na fronteira entre Irã e Iraque, semanas antes da invasão do Iraque pelas tropas norte-americanas. Mais do que retratar essa invasão, o longa-metragem joga os holofotes não no que vimos nos noticiários - como a possível presença de armas de destruição em massa no país do eterno vilão Saddam Hussein -, mas sim no que poucos ocidentais viram (especialmente sr. Bush, imagino): o drama presente no dia-a-dia dos civis, do povo curdo que esteve diretamente envolvido nessa invasão. Sem dramas baratos, o filme emociona de forma honesta, como poucos.

Num acampamento de refugiados curdos, as pessoas se reúnem para ouvir as notícias da guerra. A figura central desse grupo é o carismático Satélite (Soran Ebrahim), um garoto que exerce a liderança entre crianças, jovens e adultos. É ele quem instala antenas nos povoados para que possam saber as notícias da guerra iminente. Além disso, lidera um grupo de crianças que vivem de "caçar" minas terrestres, instaladas por norte-americanos, e vendê-las. Dessa forma, o filme registra o caos em que essas pessoas vivem, o isolamento e a completa falta de informações. Nesse povoado também vive Agrin (Avaz Latif), uma garota cujo irmão, Hyenkov (Hirsh Feyssal), perdeu os braços, assim como grande parte das crianças da região, acidentadas nas minas espalhadas. Sempre com uma criança nas costas, que parece ser mais um irmão, Agrin perambula pela vila, atraindo a atenção de Satélite, que tenta, sem sucesso, a aproximação.

Há muitas crianças no povoado mostrado no filme. E elas parecem ter mais destaque do que os próprios adultos, a começar por Satélite, que parece ser o líder supremo na aldeia. A todo momento, Tartarugas Podem Voar mostra crianças vivendo situações adultas. Afinal, que tipo de infância é essa na qual uma menina é estuprada por soldados e tem filhos antes de chegar aos 15 anos? A inocência é roubada a todo momento pela guerra e a miséria em um lugar onde não há tempo para bonecas. Na TV, saem os videoclipes e entram os noticiários nos controles remotos controlados por mãos infantis.

Seria muito mais fácil se Tartarugas Podem Voar tomasse alguma posição política em relação ao conflito Iraque versus EUA, mas não é isso que o filme faz. Misturando dramas diretamente relacionados à guerra e algumas situações cômicas, o filme de Ghobadi simplesmente mostra um breve e delicado retrato do que realmente acontece por lá. Algo que não vemos nos noticiários. A tragédia rodeia todos os personagens e, paradoxalmente, há muita vida em cada um deles. Apesar de situar-se em um período e local específicos, Tartarugas Podem Voar também pode ser visto como o retrato de um microcosmo da guerra. Qualquer uma delas.

Programação Outubro 2011: Filmes com crianças como protagonistas

O Cinema visto pelos olhos das crianças.

O Cine Clube Ybitu Katu exibe:

01/10: Tartarugas podem voar (Bahman Gobadi, 2004)
Na fronteira entre Irã e Iraque, semanas antes da invasão do Iraque pelas tropas norte-americanas, num acampamento de refugiados curdos, as pessoas se reúnem para ouvir as notícias da guerra. a figura central desse grupo é Satélite, um garoto que exerce a liderança entre crianças, jovens e adultos. o filme registra o caos em que essas pessoas vivem, o isolamento e a completa falta de informações relativas à guerra. Agrin, uma garota de 14 anos, chega à região com seu irmão e um filho pequeno. Eles, que encontram dificuldade em se relacionar com os outros refugiados, também acabam de passar por uma experiência traumática. satélite tenta a aproximação, mas quase não há diálogo entre eles. Agrin entra em conflito também com o irmão, que pede que esperem mais um tempo antes de procurarem novo abrigo. Duração: 95 minutos.

08/10: Ponette (Jacques Doillon, 1996)
Ponette, uma menina de 4 anos, é confrontada com a morte da mãe, mas não consegue aceitá-la e acredita que ela irá voltar para junto de si. Durante as suas tentativas para falar com a falecida, Ponette questiona adultos e outras crianças, recebendo conselhos sobre religião, filosofia, magia negra e como falar com Deus. Duração: 93 minutos

15/10: Kolya - Uma Lição de Amor (Jan Sverák,1996)
O ano é 1989, ano de grandes mudanças para a Tchecoslováquia. É neste ano também que acontecem profundas mudanças na vida do músico Franta Louka (Zdenek Sverak). Louka é um músico brilhante de 60 anos que é expulso por problemas políticos da filarmônica de Praga. Agora, só toca em funerais e vive uma vida pacata e solitária. Para saldar suas dúvidas, Louka acerta um casamento de aparências com uma russa que precisa da nacionalidade Tcheca para fugir de Moscou. Mas junto com o arranjo, vem Kolya, filho da russa. Após o casamento, ela foge para a Alemanha e deixa o filho de 5 anos com ele. Estranhos e separados pela barreira da língua, os dois tentam encontrar um modo de conviver. Aos poucos, encontram maneiras de se comunicar e se adaptar um ao outro; aprendem novas palavras, se aproximam, trocam sensações. Louka sofre uma metamorfose com a doçura daquela criança sozinha no mundo e obrigada, de uma hora para outra, a viver com um completo desconhecido. Duração: 103 minutos.

22/10: O Tambor (Volker Schlöndorff, 1979)
Quinze anos antes da Segunda Guerra Mundial, nasce em Danzig o menino Oskar Matzerath. Quando completa três anos, afasta-se definitivamente de seu mundo pequeno-burguês, recusando-se a crescer. Assim, assume o papel de "Oskarzinho" para poder escapar à beatice reinante no meio em que vive, representada principalmente pelos pais e o amante da mãe. Oskar se distancia cada vez mais do seu monstruoso cotidiano - uma sociedade que pouco a pouco vai mergulhando no fachismo - e expressa seu protesto com enervantes rufares de tambor e gritos lancinantes. Só quando o "horror marron" chega ao fim, e os alemães abandonam Danzig para se estabelecer no lado ocidental, é que Oskar decide crescer: agora deseja desempenhar um papel atuante no futuro que desponta. Adaptado do livro homônimo do alemão Günter Grass. Duração: 144 minutos.

29/10: A Infância de Ivan (Andrey Tarkovski, 1962)*
Aplaudido pelo cineasta Ingmar Bergman e pelo escritor Jean-Paul Sartre, A Infância de Ivan marca a estreia na longa-metragem do grande realizador russo Andrei Tarkovski. Poderoso, evocativo e poético trabalho sobre a guerra, o filme, que recebeu o Leão de Ouro na edição de 1962 do prestigiado festival de Veneza, concentra a sua atenção sobre o jovem Ivan, doze anos, cujos pais e irmã são mortos por oficiais nazis quando a Rússia é invadida pelas tropas alemãs. Órfão, privado de uma infância normal, acaba por se juntar ao exército, tornando-se numa espécie de espião. Duração: 95 minutos.
*Após a sessão, haverá um debate mediado pelo psicológo Augusto Calille.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

24/04: O Viajante (Abbas Kiarostami, 1974)

O Viajante - Abbas Kiarostami (1974)

Sinopse
Longa de estréia de Kiarostami, o Viajante, conta uma brilhante parábola sobre um garoto em idade escolar, negligenciado pelos pais, que utiliza de quaisquer meios para viajar até Teerã e poder assistir ao jogo da seleção nacional de futebol. Duração: 70 minutos

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

03/09: Linha de Passe (Walter Salles e Daniela Thomas, 2008)

Linha de Passe - Walter Salles e Daniela Thomas (2008)

Sinopse
O filme conta a história de quatro irmãos que vivem na periferia de São Paulo. Com a ausência do pai, precisam lutar por seus sonhos. Reginaldo, o mais novo, procura obstinadamente seu pai que nunca conheceu. Dario, prestes a completar 18 anos, sonha com uma carreira como jogador de futebol profissional. Dinho, frentista em um posto de gasolina, busca na religião o refúgio para um passado obscuro. Dênis, o irmão mais velho, já é pai de um filho e ganha a vida como motoboy. No centro desta família está Cleuza, que, aos 42 anos, está grávida do quinto filho. Sandra Corveloni venceu o prêmio de Melhor Atriz no festival de Cannes por sua atuação neste filme. Duração: 113 minutos.

Crítica: Linha de Passe (Walter Salles & Danielas Thomas, 2008)

A tênue linha da invisibilidade social.

Quantas são as chances de irmos ao cinema e espiar o dia-a-dia de vidas comuns, ao mesmo tempo em que vemos um painel amplo do país-Brasil ser montado com tanta lucidez? Aos menos atentos, Linha de Passe pode parecer apenas uma crônica da vida de uma família de 4 irmãos criados pela mãe, que no momento da ação espera a chegada do quinto filho, não sem sofrer a censura dos meninos que obviamente se preocupam com a chegada de mais um que precisará correr atrás de seus sonhos sem nenhuma garantia de que avistará a linha de chegada.

Empenhados por uma vontade iniciada com a parceria de Terra Estrangeira, Walter Salles e Daniela Thomas ciclicamente repensam o Brasil nas suas questões históricas e também nas urgências mais atuais. A consolidação de novos modelos de família e a luta pela sobrevivência diária na metrópole excludente são as mesmas situações que vemos camufladas em novelas das oito onde a mesa do café da manhã dos personagens menos afortunados representa uma fantasia de realidade que ridiculariza mais do que diverte. É bem diferente de vermos Cleuza (Sandra Coverloni) servindo o prato do filho enquanto os dois discutem, a carne chegando ao prato com a mão de raiva da mulher que mata vários leões por dia. Interessante que Sandra tenha ganhado o prêmio de melhor atriz em Cannes já que o verdadeiro personagem da história tem mais quatro pontas além dela, a mãe e seus quatro filhos formando uma unidade familiar contemporânea, ela sim o personagem completo e complexo que vemos ser desenhado nos conflitos individuais de cada um, na luta individual de cada um por pertencimento e aceitação, inserção social, a busca pelas raízes paternas, tudo finalmente entendido como a necessidade de vinculação, essa palavra perdida em cujo sumiço se esconde a depredação das relações humanas.

Desvinculados por vários fatores, seja de ordem social, geográfica ou monetária, Denis (João Baldasserini), Dario (Vinícius de Oliveira), Dinho (José Geraldo Rodrigues) e Reginaldo (Kaique de Jesus Santos, uma revelação e tanto) transitam pela cidade em busca de seus lugares. Nas viagens de Denis em sua moto a câmera e a montagem surpreendem com perspectivas quase verossímeis, e é dele também a cena que mais impressionou, quando ele tira o capacete e pergunta ao interlocutor rico e perdido: Cara, você tá me vendo? A explicitação do drama de ser invisível costurando todas as pontas do filme. Reginaldo, o filho mais novo, se envolve nesse drama ao escolher enxergar o pai em um motorista de ônibus para fugir da visível diferença que o separa dos irmãos pela cor da pele. Dinho prefere a via da resignação religiosa, via essa que não consegue lhe amparar na hora mais difícil de seu personagem. Dario, o orgulho da mãe corintiana não desmerece o nome de craque, mas tem o talento ignorado por uma verdadeira indústria de atletas na qual ele não consegue se encaixar apesar de tudo. Uma boa cena de Dario é a da falsificação da identidade, quando ao câmera foca a carteira sendo copiada e deixa em destaque a imagem do ator Vinícius, que na foto do documento é exatamente aquele garoto que conhecemos em Central do Brasil. Uma óbvia e sutil referência.

Congregando os quatro personagens, Cleuza trabalha contra o ritmo em que flui a sua vida com a mesma dificuldade com que lida com uma pia entupida, na árdua tarefa de manter visível a linha que liga cada um dos filhos ao pertencimento de grupo, de família. A simplicidade de sua interpretação sem afetações constrói a verdade fantasiosa de uma mulher real, que mesmo grávida transita por todos os espaços, o trabalho, o bar e o estádio de futebol lotado. E essa mesma gravidez, demonstração de uma vida sexual ativa, é o signo da feminilidade escondida sob a aparência descuidada de quem não tem tempo para vaidades e completa o universo de significações da personagem como mulher-total. E sob essa constatação é que Sandra Coverloni merece destaque pela construção de um personagem redondo que impressiona por quase não parecer um personagem ou parte de algo ficcional.

Os desfechos de cada um dos cinco parecem ressaltar isso, com finais de uma poética da realidade para todos, menos para Cleuza e Denis que são os dois personagens que caracterizam a maturidade em detrimento da juventude presente em Dario, Dinho e Reginaldo. Como se a concretude da vida tivesse tirado de Cleuza e Denis a capacidade de perseguir sonhos, por mais concretos que eles sejam.

Assim a parceira Walter Salles e Daniela Thomas deixa mais uma boa marca no cinema nacional, sem apelar para as velhas armadilhas do pitoresco, criando uma história cuja mensagem é universalmente inteligível. E mais uma vez, salvas a Sandra Coverloni e Kaique de Jesus Santos que formaram a dupla mais entrosada nessa bela linha de passes.