sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Crítica: Tartarugas Podem Voar (Bahman Gobadi, 2004)

por Angélica Bito
Extraído de http://cinema.cineclick.uol.com.br/criticas/ficha/filme/tartarugas-podem-voar/id/1070

Fico imaginando como George W. Bush se sentiria ao ver um filme como Tartarugas Podem Voar. Isso se ele não se incomodasse com as legendas. O filme curdo, dirigido pelo iraniano Bahman Ghobadi, acontece na fronteira entre Irã e Iraque, semanas antes da invasão do Iraque pelas tropas norte-americanas. Mais do que retratar essa invasão, o longa-metragem joga os holofotes não no que vimos nos noticiários - como a possível presença de armas de destruição em massa no país do eterno vilão Saddam Hussein -, mas sim no que poucos ocidentais viram (especialmente sr. Bush, imagino): o drama presente no dia-a-dia dos civis, do povo curdo que esteve diretamente envolvido nessa invasão. Sem dramas baratos, o filme emociona de forma honesta, como poucos.

Num acampamento de refugiados curdos, as pessoas se reúnem para ouvir as notícias da guerra. A figura central desse grupo é o carismático Satélite (Soran Ebrahim), um garoto que exerce a liderança entre crianças, jovens e adultos. É ele quem instala antenas nos povoados para que possam saber as notícias da guerra iminente. Além disso, lidera um grupo de crianças que vivem de "caçar" minas terrestres, instaladas por norte-americanos, e vendê-las. Dessa forma, o filme registra o caos em que essas pessoas vivem, o isolamento e a completa falta de informações. Nesse povoado também vive Agrin (Avaz Latif), uma garota cujo irmão, Hyenkov (Hirsh Feyssal), perdeu os braços, assim como grande parte das crianças da região, acidentadas nas minas espalhadas. Sempre com uma criança nas costas, que parece ser mais um irmão, Agrin perambula pela vila, atraindo a atenção de Satélite, que tenta, sem sucesso, a aproximação.

Há muitas crianças no povoado mostrado no filme. E elas parecem ter mais destaque do que os próprios adultos, a começar por Satélite, que parece ser o líder supremo na aldeia. A todo momento, Tartarugas Podem Voar mostra crianças vivendo situações adultas. Afinal, que tipo de infância é essa na qual uma menina é estuprada por soldados e tem filhos antes de chegar aos 15 anos? A inocência é roubada a todo momento pela guerra e a miséria em um lugar onde não há tempo para bonecas. Na TV, saem os videoclipes e entram os noticiários nos controles remotos controlados por mãos infantis.

Seria muito mais fácil se Tartarugas Podem Voar tomasse alguma posição política em relação ao conflito Iraque versus EUA, mas não é isso que o filme faz. Misturando dramas diretamente relacionados à guerra e algumas situações cômicas, o filme de Ghobadi simplesmente mostra um breve e delicado retrato do que realmente acontece por lá. Algo que não vemos nos noticiários. A tragédia rodeia todos os personagens e, paradoxalmente, há muita vida em cada um deles. Apesar de situar-se em um período e local específicos, Tartarugas Podem Voar também pode ser visto como o retrato de um microcosmo da guerra. Qualquer uma delas.

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