sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Crítica: São Paulo Sociedade Anônima

por Renato Silveira
Extraído de http://www.cinemaemcena.com.br/Critica_Detalhe.aspx?id_critica=6704&id_tipo_critica=3

Não é a toa que São Paulo Sociedade Anônima é considerado um dos dez melhores filmes da história do cinema brasileiro. Filmado por Luís Sérgio Person no início da década de 1960, o longa até hoje produz ressonâncias temáticas, não só em nossa sociedade, mas em qualquer outra onde o indivíduo de classe média se vê sem direção em meio às preocupações que leva de casa para o trabalho e vice-versa.

Nesta crônica da cidade grande, Walmor Chagas interpreta Carlos, um jovem que larga o emprego em uma grande empresa para trabalhar como gerente de uma fábrica de auto-peças. Entre a troca de trabalho e a tentativa de subir rápido na vida, Carlos se envolve com três mulheres, cada qual com uma personalidade peculiar: Luciana (Eva Wilma) é a certinha, com quem se casa; Ana (Darlene Glória) o atrai pelo olhar ambicioso; e Hilda (Ana Esmeralda) é a paixão do passado, com quem dividia os mesmos ideais.

Chagas compõe um personagem introspectivo, que ao longo do filme demonstra um olhar cansado e indiferente durante suas constantes caminhadas pela cidade. Esse aspecto blasé de Carlos representa um sentimento geral que pode ser observado nas pessoas que vivem nas metrópoles: tudo parece se tornar desinteressante com a rotina diária. Os pedestres, prédios, carros, placas. Nada espanta e tudo é tédio.

Para retratar esse sentimento de angústia de seu protagonista, Person cria uma narrativa reflexiva, subjetiva por excelência: em vários momentos ouvimos os pensamentos de Carlos, praticamente como se o filme se passasse em sua cabeça. O que se vê na tela é também o que ele vê. A não-linearidade dos acontecimentos é uma amostra disso, já que a memória do personagem também é uma das guias da história, indo e voltando no passado a fim de ligar um evento a outro.

Por Carlos ser um homem solitário (nunca o vemos na companhia da família ou amigos, as únicas pessoas com quem ele convive são suas amantes e os amigos e parentes delas), Chagas está praticamente em todas as cenas do filme. Duas em particular chamam a atenção: aquela em que, embriagado após o reveillon, ele grita o nome de Luciana em frente à casa da moça e quebra garrafas na rua; e a seqüência em que ele repete “Aceitar, recomeçar!”, quase como um mantra. Através da montagem, esta segunda faz uma analogia do homem como engrenagem da cidade e estabelece aquele que é o principal conflito do longa: “recomeçar” é viver em ciclo, como uma máquina. Mas o homem não é uma máquina, logo, sua vida pessoal e afetiva dificilmente se adequará a uma rotina mecânica.

Um professor de sociologia (o saudoso “Kika”) me disse certa vez que um dos grandes perigos que o indivíduo da sociedade urbana e consumista corre é confundir “utilidade” com “felicidade”. É um pensamento que não se aplica apenas aos tempos de hoje, quando se encontra intensificado. Vem de longa data e São Paulo S/A o reflete bastante. O valor do filme é ainda maior quando pensamos que, numa época em que a principal preocupação era o desenvolvimentismo, Person virou sua câmera para o homem e viu que dentro dele havia uma revolução contida, suprimida por um maquinario impessoal que o enxergava como mera peça para seu funcionamento.





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