sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Crítica: Cópia Fiel (Abbas Kiarostami, 2010)


por Marcelo  Hessel

Se a qualidade de uma obra de arte depende do contexto e está nos olhos de quem a vê, argumenta o escritor inglês James Miller (William Shimell) no começo de Cópia Fiel (Copie Conforme, 2010), então uma falsificação pode ter a mesma validade do original. É como a imagem da Coca-Cola reinventada pela pop art, diz ele, que está na Toscana para divulgar o seu livro, intitulado justamenteCópia Fiel.

Em seu primeiro filme rodado fora do Irã, o mais importante cineasta do país, Abbas Kiarostami, parte desse princípio de Miller para legitimar a sua homenagem a Viagem à Itália. Como no clássico de 1954 de Roberto Rosselini, temos o que normalmente seria uma pequena questão burguesa - os problemas de relacionamento de um casal - amplificada pela concha acústica que é a história da arte europeia. Uma obra depende de seu contexto: entre os muros da Itália, as pequenezas da vida a dois se tornam material de um drama maior.

James Miller precisa voltar para a Inglaterra, mas antes aceita de Elle (Juliette Binoche), uma francesa dona de galeria que há anos vive na Itália com seu filho, um convite para passear pelas ruazinhas da comuna de Lucignano. Passando por um café, os dois são confundidos como marido e mulher, e por brincadeira passam a encenar esses papéis. O momento dessa virada é essencial: James e Elle por uma viela antes deserta, mas que de repente se enche de varais e mulheres e barulhos de bebês. É como se atravessassem um portal para o neorrealismo.

Kiarostami diz que cada um deve interpretar a obra como quiser, mas é inegável que duas obsessões de sua cinematografia iraniana seguem preservadas aqui: as mulheres e o tempo. Em filmes como Gosto de Cereja (1997), a obra que transformou Kiarostami em grife e o cinema iraniano em moda, percebe-se mesmo no mais seco monte de terra o acúmulo do tempo. O tempo, inscrito na paisagem, é que molda os homens. Mas com as mulheres é diferente. Elas vivem no Irã em uma espécie de estado de suspensão, numa semiclandestinidade, e sobre elas o tempo não parece agir. É uma condição trágica, no fundo, e Kiarostami tem passado anos fazendo filmes com close-ups de mulheres para tentar socorrê-las.

Na Europa de Viagem à Itália e de Cópia Fiel, o secularismo permite um acúmulo do tempo distinto do iraniano. É o tempo, por exemplo, que cerca James à esquerda e à direita na cena da foto com a noiva. Lucignano surge constantemente em espelhos, janelas, romanceada por velas, por não dá pra negar a História. Mas enquanto James Miller filosofa contra o "eterno" da arte, contra a mistificação, porque afinal logo retornará para a Inglaterra, a francesa Elle está sofrendo no rosto o peso dos anos mal vividos. Fora do Irã, é sobre as mulheres que age o tempo de Kiarostami.

E se o diretor apega-se ao close-up de Juliette Binoche, que nunca esteve tão bonita e tão vulnerável, é para entender por que tanto sorri essa sua Mona Lisa.

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