terça-feira, 5 de maio de 2009

Crítica - Lacombe Lucien

Para quem mora no Rio de Janeiro, e está acostumado a ter medo de meninos de seis anos de idade, que andam fortemente armados, só para "fazer um ganho" momentâneo, angariar respeito de seus próximos, enfim, ter um tipo de vida que lhes pareça disponível (já que foram completamente abandonados pela sociedade), o roteiro do filme Lacombe, Lucien, de Louis Malle, é incrivelmente próximo da realidade. Ainda que se passe no interior da França, na época da Ocupação, e fale sobre a história de um colaboracionista.

O roteiro, feito por Malle em parceria com o escritor Patrick Modiano - cuja obra foi objeto do meu estudo no mestrado em Letras -, foi o tema do meu primeiro trabalho na época do curso. Achei que seria interessante falar sobre esse filme que, surpreendentemente ( e eu descobri isso quando fiz o trabalho), é pouco conhecido, mesmo daqueles que são fãs do Louis Malle e do cinema francês (que é o meu caso). Au revoir, les enfants (Adeus, meninos), que gira também sobre o tema, em contrapartida, é bem mais conhecido. Em parte possivelmente porque foi um caso clássico de injustiça do Oscar. E, nesses casos, o filme que não ganha - mas deveria ganhar - fica mais conhecido do que o que ganha. Em 1987, Au revoir perdeu para A festa de Babete, que é bom, mas não chega aos pés da obra-prima autobiográfica do Malle. Já Lacombe, Lucien, em 1974, perdeu para Amarcord, o que realmente foi justíssimo. É bem verdade que Au revoir ganhou 21 prêmios franceses e internacionais, contra 5 de Lacombe, Lucien. Mas os tempos eram outros...Em 1974, o assunto "ocupação" ainda era desagradável para muita gente. Ou então há outras razões porque o público deixou esse filme meio de lado, que eu não sei explicar, porque quando eu conto sobre ele, não há quem não diga que precisa assisti-lo imediatamente.

Na época, o filme causou um certo choque, pois mostrava a história do camponês Lucien, um rapaz bem simples e sem nenhuma convicção política, que, após ser rejeitado como voluntário para lutar na Resistência, une-se à polícia alemã no último ano da guerra. O filme mostra como o jovem simples e sem grandes ambições vai se adaptando facilmente a uma situação de poder, sem que isso significasse que ele havia sido doutrinado. Mais tarde, ele se apaixona por uma judia e trai os alemães com a mesma facilidade, matando um soldado e ajudando a família da moça a fugir. Essa ambigüidade não deve ter sido muito confortável para a platéia francesa (mesmo na década de 70!) e há registro de que algumas salas de exibição boicotaram o filme.

Em entrevista ao crítico de cinema britânico Philip French, que foi publicada em forma de livro (Malle on Malle, 1993), o cineasta relembra as reações negativas ao filme. "We had invented and put on the screen a character who was complex and ambiguos to the point where his behaviour was acceptable. For them (ele refere-se ao público francês na época), it justified collaboration - which certainly is not what I was trying to do". (p.103)

Segundo o próprio cineasta, o seu approach foi baseado em uma visão marxista. Sobre o personagem "Lucien", Malle afirmou que havia se inspirado na reflexão de Marx sobre o lumpenproletariado, aquela classe social que não tem outra escolha além de colaborar com as forças de repressão, porque elas não dispõem de nenhuma cultura política (sobre uma definição mais exata, ver neste link, encaminhado pelo meu amigo Maurício, que questionou-me sobre a precisão da frase de Malle). Assim, as razões pelas quais Lucien Lacombe se engajou na milícia nazista foram mais relacionadas a necessidades de conforto material, ascensão social, fortalecimento do amor-próprio do que por questões ideológicas.

Para escrever o roteiro do filme, Malle convidou o escritor Patrick Modiano, um romancista premiado e conhecido por tratar do assunto "ocupação" em seus livros. A partir daí, a interação entre os personagens, o caráter de Lucien e o roteiro como um todo iriam ser modificados em relação às intenções iniciais de Malle, ganhando muito em profundidade


Extraído de http://marciacl.typepad.com/na_linha/2005/12/index.html

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