quarta-feira, 13 de maio de 2009

Crítica - Mephisto

Por Andy Malafaya
Extraído de http://www.cineplayers.com/critica.php?id=1327

Mephisto foi o projeto pelo qual o realizador húngaro István Szabó recebeu, pela primeira vez, grande reconhecimento internacional. Ele, que na época já tinha carreira cinematográfica doméstica de mais de vinte anos, concorreu com este à Palma de Ouro no Festival de Cannes daquele ano, vencendo os prêmios da Federação Internacional de Críticos de Cinema e de melhor roteiro, além da consagração com o Oscar de melhor filme em língua estrangeira – coincidentemente ligado ao fato de que o longa-metragem fora a primeira co-produção internacional da carreira do cineasta, sendo patrocinado pela Alemanha Ocidental, pela Áustria e pela própria Hungria.

Contextualizando o filme dentro da produção cinematográfica da época, Mephisto é algo já academicamente excessivo, que se utiliza da gramática classicista para construir sua narrativa, com pouquíssimas exceções, como o seu desfecho lírico, aberto para alguns, e sem final feliz. O cinema mundial, entretanto, já estava se constituindo de uma nova forma de se fazer filmes, considerando que o cinema hegemônico, o estadunidense, já se encontrava na fase pós-Tubarão (Jaws, 1975) e pós-Guerra nas Estrelas (Star Wars, 1977), e o próprio cinema alemão, referência mais próxima do cinema húngaro, via os últimos momentos do Cinema Novo local, pois em 1982 faleceria precocemente o cineasta Rainer Werner Fassbinder, colocando um ponto final nessa escola cinematográfica.

Mephisto, que foi roteirizado pelo próprio Szabó em colaboração com Péter Dobai, é baseado em Doktor Faustus, de autoria de Klaus Mann, filho do consagrado escritor Thomas Mann. O romance retrata a vida real de Gustaf Gründgens – apresentado como Hendrik Hoefgen, ator alemão que fora casado com a própria irmã de Klaus Mann, e que permaneceu na Alemanha mesmo após a subida de Hitler ao poder, se tornando um símbolo cultural do regime nazista, principalmente pela sua representação de Mefistófeles na peça Fausto, de Goethe, uma das poucas que eram permitidas na época.

O filme faz essa adaptação literária para o cinema de forma acadêmica e grandiosa. Começa já com uma mise-en-scène de uma apresentação operística - o rococó visual de Szabó continua permeando todo o filme, seja em grandiosos cenários e figurinos elaborados, seja em grandes tomadas de câmera. Esse tom épico, “maior que a vida”, enquadra perfeitamente a figura central de Hendrik Hoefgen, encarnado num tour de force magistral pelo ator Klaus Maria Brandauer, que viria a fazer sucesso internacional por conta deste papel.

Hendrik Hoefgen é um ator ambicioso que deseja o sucesso, e para isso sacrifica tudo o que acredita: esquece-se de seus ideais bolcheviques, de sua mulata amante alemã e dos próprios escrúpulos para tornar-se o maior ator do regime nazista e, posteriormente, diretor do Teatro Nacional Alemão. Seu ego cresceu proporcionalmente ao tamanho de sua fama, o que acabou causando o seu trágico destino.

A peça Fausto possui duas vertentes dentro da narrativa. A mais óbvia é a que é representada dentro da própria trama, já que a peça serve como consagração definitiva de Hoefgen como ator, encarnando Mefistófeles, e que o permite conhecer o Primeiro Ministro alemão, que o proporcionará todos os seus almejos. A segunda vertente, a do filme como estrutura, subverte os papéis e coloca Hoefgen como o personagem Fausto, ambicioso e que trava um pacto com o diabo para ascender; papel este do diabo que cabe ao personagem do Primeiro Ministro (Rolf Hoppe, inspirado na figura real de Hermann Göring, um dos mais populares líderes nazistas).

A última frase proferida por Hoefgen no filme representa bem o seu personagem. “O que querem de mim? Eu sou só um ator” simboliza o dilema de toda a gama de artistas em regimes totalitários, que muitas vezes sacrificaram – e sacrificam – suas crenças políticas, religiosas e de outros âmbitos em nome da própria sobrevivência. No caso de Hoefgen, este teve culpa por sua trajetória, já que teve a chance do exílio. Morreu em nome da fama e do sucesso.

Em relação a época em que Mephisto foi lançado, o início dos anos 1980, começava-se a geração dos yuppies, do início da globalização e da Perestroika russa. Morriam os ideais comunistas e humanistas, enquanto surgia uma nova burguesia, totalmente pragmática, global e ligada diretamente ao dinheiro. É sobre isso que Mephisto discorre: de um ator que vende a alma ao diabo em troca de “novos valores”. A classe média alemã foi nazista porque via nos nacionais-socialistas uma forma de enriquecer e sair da ruína provocada pela Primeira Guerra, sem cair no comunismo. Szábo vê então nessa nova ordem mundial (termo criado por Ronald Reagan) uma nova forma de nazismo: a busca do dinheiro a todo custo, a fama, a beleza física perfeita e outros valores que se perpetuam até hoje.

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