quinta-feira, 18 de março de 2010

Crítica: Quê? (Roman Polanski, 1972)

Se fosse um filme em que as cenas de sexo fossem presentes seria pornográfico como um Milo Manara. Nele se vê os cortes oníricos de fellini. Mas foi Carlo Ponti quem se colocou presente no roteiro, produção e assistência de Polanski. Por isso é um filme diferente do diretor.

Diferente porque ele deixa o suspense aterrorizante pra uma comédia onírica, que por remeter à insegurança de acontecimentos do sonho também se caracteriza como suspense. Mas nada assusta, estamos num mundo à beira da praia, umas férias, poesia que acalma e excita. A poetiza não larga seu diário durante todo o filme, e ela na sua maior parte fica nua, nos fazendo ficar extremamente ligados ao filme. Esse erotismo é artifício de narração, como Manara faz: veja a semelhança da atriz Sydne Rome com as mulheres desenhadas por Manara. Uma modelo, apenas. Ela é desejada sexualmente até mesmo por cães, e se torna a cobiça da mais nova arte que se desvenda aos nossos olhos. Uma arte meio vazia, kitsch, carnavalesca, circense e, claro, sacana. A mulher aos olhos dessa arte é um corpo que nos atrai, sua beleza é mais que a forma procurada, desejada – é uma forma divina. Não há paródia dentro da publicidade do corpo nu eroticamente explícito, não há mesmo. Nós aceitamos o espetáculo pobre em artifícios racionais e corremos como cachorros tarados atrás de um corpo belíssimo de uma poetiza espontânea, ingênua e feliz.A felicidade de um sonho bom, de uma passagem à irrealidade do sexo latente. Foi isso que os anos 70 conseguiram levar ao status do pop, uma arte nova, arte que novamente usava a sedução para atrair público e nos evidenciar o hedonismo.

Sim, o filme é uma comédia... Mas uma comédia muito inusitada. Nos lembra algo que no Brasil se costumou chamar de pornochanchada. Óbvio que com mais apuro estético – é quando a nobre arte, personagem do filme que é dono de todo o cenário que vemos, o senhor Noblart, morre e algo novo, mas junto à porcaria que leva a poetiza à Istambul. Mas durante todo o sonho fetichista, um soldado francês conversa com um brigadeiro francês, e a Itália é refúgio ao modo simples de se ver o mundo difundido pelos americanos. A arte nova está lá, no velho mundo, onde estava a velha morta também. Nietzsche que o diga. Mas o senhor Noblart não morre antes de ver algo que antigamente o dava instigação à vida – a vagina da nova poetiza, que não é mais apenas uma sereia sedutora que desvirtua os heróis, mas a própria heroína que sente prazer em todos os lugares por onde passa, na irresponsabilidade bonita de uma criança adulta cheia de libido. Ela conhece o filme, sabe que ele é filme, libera o dispositivo aos espectadores que babam para a movimentação de seus seios (assim como os personagens masculinos do filme, jovens ou velhos).
Dos presentes à ceia familiar, apenas Alex (Marcelo Mastroiani) sabe que ela, a poetiza é manipulável. Mas à base da violência, somente. Violência que ele, como um bom autor de realidades fetichizadas, adora proferir e receber. Não é o fim dos tempos retratado? Na verdade todos preferem achar que o fim sempre esteve presente – apenas agora ele se mostra. Um fim sem teleologia, sem sentido – sem fim.

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