sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Crítica: Manhattan (Woody Allen, 1972)

por Rodrigo Carreiro
Extraído de http://www.cinereporter.com.br/criticas/manhattan/

“Manhattan” (EUA, 1979) é um desses filmes que expõem, da maneira mais dura possível, o enorme abismo que separa público e crítica cinematográfica. Ao longo dos anos, especialistas e estudiosos de cinema aprenderam a amar esse filme e considerá-lo como o melhor da longa e prolífica carreira do cineasta. Por outro lado, “Manhattan” não costuma ganhar palavras agradáveis dos habituais fãs do diretor. Muita gente acha que o filme é, na verdade, decepcionante. Afinal de contas, quem está com a razão?

Minha resposta, entre as muitas possíveis: nem os críticos e nem o público. “Manhattan” não é o melhor filme de Woody Allen, posto que pode ser disputado tranqüilamente por vários outros grandes filmes do mestre novaiorquino (“Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, “A Rosa Púrpura do Cairo” e “A Outra”, só para citar alguns). Mas é um trabalho ambicioso, que marcou uma fase de transição importante para a carreira de Allen. “Manhattan” transita entre a comédia romântica, a crônica de costumes e a homenagem a uma cidade neurótica. Talvez por mirar em três alvos tão diferentes, Woody Allen não tenha conseguido agradar a gregos e troianos.

Na verdade, não agradou nem a ele mesmo; na época do lançamento do filme, Woody Allen chegou a se oferecer para dirigir outro filme de graça para a Universal, o estúdio que bancou a obra, por achar que tinha feito um filme ruim. Depois, mudou de opinião. Em parte, fez isso devido à excelente recepção de críticos respeitados, como Roger Ebert.

Os elogios vieram por uma parte de especialistas que conseguiu compreender a verdadeira intenção de Woody Allen. Em 1979, o cineasta iniciava uma guinada ambiciosa na carreira cinematográfica. Allen desejava abandonar definitivamente o personagem cômico que havia criado em filmes como “Bananas” e “A Última Noite de Boris Grushenko”, e passar a filmar histórias mais densas, de humor mais refinado, com um toque de análise da condição humana. Algo na linha do grande ídolo de Allen, o diretor sueco Ingmar Bergman.

“Manhattan”, portanto, não é uma comédia anárquica como “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, que havia dado o Oscar ao cineasta dois anos antes e permanecia vívido na memória do público. O filme tem uma fotografia esplêndida de Gordon Willis, em preto-e-branco, e caminha num ritmo tranqüilo. Não provoca gargalhadas a cada minuto, mas traz um enfoque crítico e bem-humorado a um aspecto da condição humana que Woody Allen iria, a partir dali, inspecionar repetidamente em seus filmes: a frivolidade dos relacionamentos amorosos nos grandes centros urbanos.

Isaac Davis (Allen) é o protagonista. Ele escreve um programa de TV bem-sucedido, mas não gosta do que faz. Foi abandonado pela mulher, Jill (Meryl Streep), que a trocou por uma garota; ela ameaça escrever um livro contando os podres do casal. Davis namora com uma garota de 17 anos, Tracy (Mariel Hemingway), e sofre porque não acredita numa relação com uma adolescente.

Nesse ínterim, o melhor amigo dele, o professor Yale (Michael Murphy), começa a trair a esposa com uma excêntrica intelectual da cidade, Mary Wilkie (Diane Keaton). No começo Davis a odeia, mas então algo muda dentro dele, e os dois começam a se aproximar. A confusão amorosa, como se pode ver, está armada. Não é um triângulo amoroso, com um rolo complicado que ninguém sabe direito onde começa, e muito menos onde vai terminar.

O texto limpo e preciso de Woody Allen ganha a tradução visual adequada nas mãos de Gordon Willis, que comanda um tour pelos principais pontos turísticos de Nova York (o museu Guggenheim, o Planetário, a Ponte do Brooklyn, cafés badalados) e integra perfeitamente cada um desses ambientes à história. A fotografia em preto-e-branco não enfatiza os contrastes, mas o jogo de sombras e as tonalidades acinzentadas, o que ajuda a imprimir ao filme o ritmo nostálgico que ele pede.

No final das contas, “Manhattan” é um filme de atores; uma comédia sem piadas – o que talvez seja a causa das críticas negativas que recebe. Woody Allen mantém parte da persona que construiu para si mesmo, o intelectual tagarela e inseguro, mas oferece, na verdade, uma versão mais rica e complexa de si mesmo. E o desempenho espontâneo de Mariel Hemingway confere o misto de jovialidade e sofisticação que o filme pede.

Um comentário:

Cínthia Silva disse...

Um dos meus filmes preferidos!