sábado, 21 de abril de 2012

Crítica: Katalin Varga (Peter Strickland, 2009)

por Marcelo Hessel


História forte de acerto de contas cava o que a Romênia tem de mal-assombrada


Depois de uma leva de filmes romenos urbanos, com preocupações frequentemente associadas ao fim do comunismo, como os premiados À Leste de Bucareste e 4 Meses, 3 Semanas, 2 dias, pra ficar em dois que chegaram ao nosso circuito comercial, eis que surge esse corpo estranho que é Katalin Varga, resgatando o que a Romênia rural tem de mais atemporal, mal-assombrada. Não é a Romênia dos vampiros, mas há fantasmas por todo lado.

Um desses fantasmas assombra a personagem-título. Katalin Varga (Hilda Péter) está sendo expulsa de casa pelo marido, porque um segredo seu, de anos atrás, chegou aos ouvidos de todo o vilarejo. Ela mal tem tempo de se despedir - junta algumas roupas, coloca o filho sobre a carroça e pega a estrada. Katalin diz ao menino que eles vão para a casa da avó, que está doente, mas logo descobrimos que o destino dos dois é outro.

Durante boa parte do filme o roteirista e diretor inglês Peter Strickland nos esconde o tal segredo. Mas pela forma como filma a viagem da mulher, com o som desenhado para amplificar os menores barulhos, dá a entender que o ambiente (e a forma como o homem interage com esse ambiente) tem parte de culpa nessa história. Sinos de gado, trote de cavalo, um regato, o vento, o barulho da carroça, sons de inseto, tudo contribui para o tormento de Katalin Varga, como se Terrence Malick filmasse uma história de Cormac McCarthy.

Se o uso do som não é muito sutil em alguns momentos, Strickland compensa com a criação de um competente universo bucólico de fantasmagoria. Não por acaso, o acerto de contas de Katalin começa ao redor de uma fogueira, com uma dança acelerada que parece se passar nos portões do inferno. Quando o diretor finalmente nos conta em detalhes o tal segredo da mulher, ela está sentada numa canoa em movimento, e a paisagem turva ao fundo adiciona vertigem a essa viagem no tempo a que somos submetidos. Para um estreante, Strickland faz um trabalho bastante seguro. A menção a McCarthy não é gratuita - as narrativas sangrentas do escritor têm a mesma preocupação com a descrição de pequenas coisas que a câmera do diretor tem para eleger planos-detalhes. Ele não vitimiza Katalin além da conta (ela não perde o sono, por assim dizer, como mostra o filme) e reúne religiosidade, selvageria e memória em um combinado forte. É um cineasta a acompanhar.

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