segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Crítica - Waking life
Imagine-se um filme que mistura as piores alucinações filosóficas de Woody Allen e os ambientes de David Lynch, os estranhos mundos animados de Tim Burton ou a técnica inovadora (para a época) de Yellow Submarine, o filme de George Dunning com música dos Beatles, e está-se ligeiramente perto do que é Waking Life
As questões existenciais são o fio condutor do filme, alimentadas pela eterna dúvida se sonhamos enquanto vivemos, ou podemos viver enquanto sonhamos. Não se sabe se a personagem principal está adormecida e a sonhar, ou morta e a relembrar, mas também não é importante.
Em plena crise metafísica, a personagem principal interage com diferentes indivíduos-estereótipos, que lhe fornecem teorias para o sentido da vida, retiradas dos filósofos Aristóteles, Jean-Paul Sarte ou Nietzsche, gentes do cinema como André Bazin ou François Truffaut, ou ainda escritores como Philip K. Dick e Garcia Lorca. No entanto, é na técnica criadora deste filme que o olhar tantas vezes se fixa e se questiona como foi possível alguém avançar para concretizar uma obra destas. Trabalho heróico ou uma bem sucedida loucura, o filme persegue o que, logo no início, uma jovem diz ao seu companheiro de brincadeiras: "o sonho é o destino".
Waking Life foi filmado como um filme tradicional independente, com uma reduzida equipa e com câmaras de vídeo digital. De seguida, foi ainda montado de forma tradicional e estaria assim pronto para ser projectado nas salas de cinema, não se desse o facto de o realizador, Richard Linklater, o ter feito passar pelas mãos de animadores e pelo software especial de rotoscoping RotoShop (desenvolvido pelo director de arte do filme Bob Sabiston), que transformou a obra em algo parecido com cinema de animação. Como numa galeria de arte, vamos passando por diferentes estilos pessoais, derivados de cada um dos 30 animadores ter trabalhado sobre um mesmo actor. Com excepção das paisagens de fundo, nada é estático no filme, tudo se move, onduleia, por vezes de forma extrema, as personagens aumentam, para logo diminuirem para formas infantis, os edifícios comprimem-se e alargam-se.
Autobiográfico ou não, a verdade é que o próprio Linklater surge quase no final do filme como um jogador de máquinas de flippers, atirando com a máxima de que "existe apenas um instante e é agora e é eternidade". Talvez, entretanto, tenha mudado de opinião, dado que um dos momentos pessoais que o podia ter registado para a posterioridade lhe foi negado em Março: na corrida para o Oscar de melhor filme animado, a sua obra foi preterida em relação a Jimmy Neutron: Boy Genius. Outros concorrentes, como Shrek ou Monsters, Inc., arrecadaram mais de 200 milhões de dólares no ano passado, enquanto Waking Life conseguiu um por cento desse valor, mas obteve críticas favoráveis e o Chicago Sun-Times considerou-o "o marco técnico mais importante do ano".
Estreado no festival de cinema independente de Sundance, em Janeiro de 2001, teve o percurso conhecido das obras experimentais, longe do circuito de distribuição comercial (em Portugal, passou no evento Cinegrafias, realizado no início de Julho). E, no entanto, é um filme pró-cultura, com o que de genuíno e interessante isso significa. De uma ideia bastante aperfeiçoada e escrita por Linklater, aos diálogos concisos, passando por uma técnica inovadora que não se impõe desnecessariamente " à semelhança do tempo de exposição da maioria dos actores ", Waking Life é uma experiência imperdível, cuja visão devia ser obrigatória no currículo das escolas secundárias (com ou sem disciplina de filosofia).
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