sexta-feira, 12 de abril de 2013

13/04: O Carrossel da Vida e do Amor (Zoltán Fabri, 1956)

O Carrossel da Vida e do Amor - Zoltán Fabri (1956)

Sinopse
Pouca sorte a da jovem Mari Pataki: seu pai deixa a cooperativa e decide casá-la com um bigodudo mais velho com quem faz negócios (a terra se casa com a terra, parece ser o bordão de seu pai e da Hungria rural). Mas Mari tem seus olhos totalmente voltados para o sedutor Mate e eles tentam, contra ventos e mares, dobrar a vontade do velho. A partir daí toda a trama se desenvolve. Duração: 89 minutos.

O Cinema Húngaro


       Ainda que a cultura desse intrigante país seja pouco difundida, a partir da década de 1950, emergiu na Hungria, emergir uma grande série de filmes e cineastas que marcariam o cinema mundial. O surgimento da nouvelle vague na França, nos anos 50 influenciou toda uma nova geração de diretores europeus que romperiam com a rigidez da antiga produção cinematográfica e produziriam filmes com uma grande dose de rebeldia e liberdade. No contexto da repressão política do domínio soviético e da Guerra Fria, dois países do Leste Europeu, Hungria e Tchecoslováquia, criaram obras extremamente carregadas de alegorias e lirismo, onde transbordavam ensejos de liberdade e maior reflexão política. O primeiro dos grandes diretores húngaros seria Zoltán Fabri (1917-1994), ainda que desligado da influência francesa e preso aos modelos mais tradicionais de produção cinematográfica, produziria grandes obras como O Carrossel da Vida e do Amor (1956), Two half times in hell (1962) e Esta Rua é Nossa (1969), uma emocionante adaptação do clássico livro Os Meninos da Rua Paulo do escritor húngaro Ferenc Mólnar. Entretanto, seria com a obra de Miklos Jancsó (1921) que o cinema húngaro atingiria notoriedade mundial. A cinematografia de Jancsó é caracterizada por seu estilo visual próprio, carregado de cores quentes, pela presença constante de coreografias, tomadas longas e grande profundidade história e rural, retratada como uma grande alegoria à Hungria comunista de sua época. Muitas vezes, é apontado como o maior diretor húngaro da história, tendo produzido um grande número de obras primas, entre elas, Os Sem Esperança (1966), Vermelhos e Brancos (1967), O Salmo Vermelho (1972) e Electra, meu amor (1974). Se a obra de Jancsó era carregada de alegorias, Istvan Zabó (1938) produziria um cinema mais direto, mais cru, tornando-se um ícone do cinema político. Muitas vezes, é apontado como um dos maiores cronistas das transformações históricas da Europa no século XX por conta de seus filmes Mephisto (1981) e Coronel Redl (1985). Atualmente, o nome mais badalado do cinema húngaro é Béla Tarr (1955). Ainda que retrate o esforço e o sofrimento de uma população sem esperança, Béla Tarr se afasta do cinema político e alegórico de seus antecessores e realiza um trabalho mais abstrato, de grande sensibilidade filosófica, abordando questões metafísicas e existenciais. Suas principais obras são Almanaque de Outono (1984), o recente O Cavalo de Turim (2011) e Sántántágo (1994), que tanto pela sua duração (sete horas e meia), quanto pela sua enorme riqueza poética, é considerada uma das maiores obras do cinema mundial. Nos últimos anos, a Hungria tem revelado uma série de novos nomes cujas obras vem ganhando cada vez mais reconhecimento nos circuitos e festivais internacionais, como Attila Janisch (Shadow on the snow, 1991; O Longo Amanhecer, 1997), Kornél Mundruczó (Delta, 2008; Filho terno: Projeto Frankestein, 2010) e o inusitado, experimental e muitas vezes excêntrico György Pálfi (Hukkle, 2002; Taxidermia, 2006).

sábado, 6 de abril de 2013

06/04: Electra, Meu Amor (Miklos Jancsó, 1974)

Electra, Meu Amor  -  Miklos Jancsó (1974)

Sinopse
Electra é considerada louca por lamentar insistentemente pela morte do pai, Agamemnom, e vagar pelos campos acusando o novo rei Aegisthus de assassinato. Ela afirma constantemente que o seu irmão Orestes retornará para combater a injustiça e expulsar o usurpador que governa o reino com mão de ferro. Um mensageiro trás a notícia de que Orestes está morto, mas logo após ele aparece, para fazer exatamente o que a “louca” Electra tinha predito. Composto por 12 longos planos, o que dá ao filme um devido tom alegórico, Electra, Meu Amor vai além de adaptar fielmente a tragédia grega, revestindo-a de um carregado simbolismo e a transmutando em uma celebração à liberdade e ao espírito revolucionário. Duração: 70 minutos.


Programação Abril 2013: Cinema Húngaro

O Cine Clube Ybitu Katu exibe:

06/04: Electra, meu Amor (Miklós Jancsó, 1974)
Electra é considerada louca por lamentar insistentemente pela morte do pai, Agamemnom, e vagar pelos campos acusando o novo rei Aegisthus de assassinato. Ela afirma constantemente que o seu irmão Orestes retornará para combater a injustiça e expulsar o usurpador que governa o reino com mão de ferro. Um mensageiro trás a notícia de que Orestes está morto, mas logo após ele aparece, para fazer exatamente o que a “louca” Electra tinha predito. Composto por 12 longos planos, o que dá ao filme um devido tom alegórico, Electra, Meu Amor vai além de adaptar fielmente a tragédia grega, revestindo-a de um carregado simbolismo e a transmutando em uma celebração à liberdade e ao espírito revolucionário. Duração: 70 minutos.


13/04: O Carrosel da Vida e do Amor (Zoltán Fabri, 1956)
Pouca sorte a da jovem Mari Pataki: seu pai deixa a cooperativa e decide casá-la com um bigodudo mais velho com quem faz negócios (a terra se casa com a terra, parece ser o bordão de seu pai e da Hungria rural). Mas Mari tem seus olhos totalmente voltados para o sedutor Mate e eles tentam, contra ventos e mares, dobrar a vontade do velho. A partir daí toda a trama se desenvolve. Duração: 89 minutos

20/04: Hukkle (György Pálfi, 2002)
Um velho senhor assiste à vida passar sentado em um banco de praça. Um jovem bêbado dorme e ronca em um vagão de trem. Uma graciosa garota caça borboletas em um bucólico vale. Mulheres costuram em uma loja de vestidos. Homens jogam boliche em um pub. Uma abelha recolhe o mel das flores. Um arado mecânico debulha o trigo, que depois em um moinho será transformado em farinha. Na seqüência, na cozinha de vovó, é preparado um bolo no forno. Enquanto isso, um policial investiga um misterioso assassinato. O filme é todo composto por estes fragmentos de vida que se interligam na trama. Duração: 78 minutos

27/04: O Longo Amanhecer (Attila Janish, 1997)
A longa jornada de uma estranha e velha mulher noite adentro. No meio de uma viagem de ônibus, com a chuva forte caindo lá fora, ela se pergunta: haverá alguma esperança de escapar daquela tempestade que poderá aprisioná-la para sempre? A resposta propicia um mergulho profundo da personagem em seu mundo interior - revelando a realidade e, também, o que está muito além da imaginação. Baseado em conto de Shirley Jackson. Duração: 70 minutos.

sábado, 30 de março de 2013

30/03: Trilogia do Terror (Ozualdo Candeias, Luis Sergio Person, José Mojica Marins, 1968)

Trilogia do Terror - Ozualdo Candeias, Luis Sergio Person, José Mojica Marins (1968)

Sinopse
Três diretores contam três histórias de horror adaptadas da série de TV ''Além, Muito Além do Além''. Em ''O Acordo'' (de Candeias), uma mãe se envolve com magia negra e oferece uma donzela ao diabo em troca de desencalhar a filha solteira; em ''Procissão dos Mortos'' (de Person), um pobre, mas destemido operário, é o único homem numa cidadezinha do interior com coragem para enfrentar um grupo de guerrilheiros fantasmas que aparece durante a madrugada; ''Pesadelo Macabro'' (de Mojica) fala de um rapaz que é aterrorizado por cobras e lagartos em pesadelos nos quais é enterrado vivo. Duração: 104 minutos.

sexta-feira, 22 de março de 2013

23/03: À Meia Noite Levarei a Sua Alma (José Mojica Marins, 1964)

À Meia Noite Levarei a Sua Alma - José Mojica Marins (1964)

Sinopse
O cruel agente funerário Zé do Caixão, temido e odiado pelos humildes moradores de um vilarejo, vive a demente obsessão de gerar o filho perfeito, que possa garantir a perpetualidade de seu sangue. Ele busca pela mulher ideal, aquela que será capaz de conceber sua criança, e não hesita em matar todos que ousam interferir em seus planos. Este filme inaugura uma série de produções com o personagem clássico de José Mogica Marins, o Zé do Caixão que décadas depois se tornaria cultuado em mostras no exterior com o nome de Coffin Joe. Duração: 84 minutos.

23/03: Amor só de mãe (Dennison Ramalho, 2003) - Curta

Amor só de mãe - Dennilson Ramalho (2003)

Sinopse
Numa aldeia de pescadores, acontecimentos macabros se desenrolam numa noite de satanismo, morte e orações à Nossa Senhora da Cabeça. Duração: 20 minutos.

sexta-feira, 1 de março de 2013

03/03: O Enigma de Outro Mundo (John Carpenter, 1982)

O Enigma de Outro Mundo - John Carpenter (1982)

Sinopse
Doze homens estão em uma estação de pesquisas na Antártida, totalmente isolados do mundo. Nisso, aparece um organismo alienígena, cujo menor contato pode dominar uma pessoa e a assimilar completamente. Como é uma cópia perfeita da pessoa, esse organismo pode matar, se nutrir e proliferar livremente. Você seria capaz de confiar em alguém? De ficar sozinho com outra pessoa neste lugar? Duração: 108 minutos. 

Crítica: O Enigma de Outro Mundo (John Carpenter, 1982)

por José Aragão

Tum-tum. Tum-tum. Tum-tum. Estas duas notas foram criadas por Ennio Morricone em 1982, para o filme O Enigma de Outro Mundo, e são de uma simplicidade brilhante. Com apenas elas, Morricone conseguiu repetir o mesmo efeito que John Williams criou para Tubarão: uma trilha inquietante, marcante e assustadora.

Mas música não a única excelente qualidade que esta obra do lendário diretor John Carpenter tem a oferecer. Na verdade, em sua carreira de alguns acertos (Assalto à 13ª DP, Halloween – A Noite do Terror, À Beira da Loucura) e muitos erros (Fuga de Nova York, Príncipe das Sombras, Fantasmas de Marte, Aterrorizada) esta pode ser considerada a obra máxima do diretor.

Escrito pelo falecido Bill Lancaster  (que merecia uma carreira muito melhor), a trama nos leva até a gélida Antártida, onde um time de cientistas é atacado por uma criatura extraterrestre que consegue se transformar em qualquer pessoa ou animal ao simples toque. Assim como sua trilha sonora, a trama também é simples, porém, incrivelmente engenhosa.

Não demora muito para que os cientistas descubram a ameaça, dando início às melhores cenas da produção, representadas pela sensação angustiante de paranóia que compartilhamos com os personagens. A câmera de Carpenter, auxiliada pela fotografia de Dean Cundey, nos exibe imagens gráficas tão absurdamente bem feitas que é difícil perceber que o filme foi feito há 30 anos.

Além disso, criatividade é um aspecto em abundância, especialmente quanto ao desenvolvimento da “coisa”. Em princípio a enxergamos como um ser estranho e sangrento, nos fazendo duvidar se aquilo está realmente vivo. Ao passar disso, a uniformidade da criatura ganha contornos sexuais e animalescos que, apenas pela sua concepção, já seria o suficiente para gerar calafrios e embrulhos de estômago do público. Embrulhos estes que jamais poderiam ter sido possíveis sem o auxílio do excelente trabalho de maquiagem (é, sem sombra de dúvidas, um dos filmes mais gore que já assisti).

Com um adversário tão forte e temido, seria necessário criar personagens tão fortes quanto. Sim, sabemos pouco sobre o histórico daqueles homens presos em uma situação tão desesperadora e absurda. Mas é pelas atitudes de cada um que passamos a conhecê-los de fato. Kurt Russell, com um mullet-mor e barba de papai-noel, consegue criar um protagonista vigoroso e torna-se o único ponto confiável da trama, uma vez que qualquer um ali pode não ser quem seu rosto estampa. Outra performance bastante sólida é a de Keith Childs, que consegue criar um homem de fortes convicções.

Além de ter as qualidades já citadas, é fato que O Enigma do Outro Mundo consegue também ter uma das cenas mais antológicas do cinema, no qual o temor e a expectativa se elevam a níveis estratosféricos e fazem qualquer espectador suar na poltrona: quando os sobreviventes decidem se reunir em um ambiente fechado e testar o sangue de cada um presente a fim de descobrir quem é quem naquele jogo de gato-e-rato. Essa cena, inclusive, foi reprisada de outro modo bastante distinto na refilmagem desse clássico, mas perdeu forças por não contar mais com o elemento-surpresa.

Tendo a coragem que poucas produções apresentam, ao incluir uma conclusão em aberto, triste e ambígua, O Enigma de Outro Mundo representa o melhor que o cinema de horror-fantástico pode oferecer.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

23/02: A Noite dos Mortos Vivos (George Romero, 1968) - Longa Metragem

A Noite dos Mortos Vivos - George Romero (1968)

Sinopse
Um satélite com radiação extra-terrestre acaba provocando a volta à vida das pessoas recém-mortas na Terra. Um grupo de pessoas, então, acaba se abrigando em uma casa isolada para escapar dos comedores de gente, enquanto esperam o resgate, em uma noite infernal. Duração: 96 minutos.

23/02: Salomé (Clive Barker, 1973) - Curta Metragem

Salomé - Clive Barker (1973)

Sinopse
Ainda que inspirada na peça de Oscar Wilde, Salomé é um filme de técnica extremamente bruta e história de linhas bastante obscuras, vagamente seguindo trechos bíblicos de luxúria, dança, martírio e assassinato. Um cinema de alucinação, de um simbolismo oculto, denso e quase que impenetrável, perversamente metafísico. Duração: 18 minutos.

Crítica: A Noite dos Mortos Vivos (George Romero, 1968)

por Equipe Otacrazy Go!Go!

Filmes de terror e preconceito sempre andaram lado a lado. Os expectadores comuns, frequentemente, detêm a imagem que esse gênero é dispensável, vazio, puro entretenimento, quando não o repudiam. No entanto, as pessoas ignoram a importância do terror, que como qualquer outro estilo contribuiu para o desenvolvimento cinematográfico. A premissa dos filmes de terror é evocar as emoções mais obscuras, basicamente, o medo. Todavia, o cinema vai além dos sentimentos, racionalmente, esse gênero já realizou relevantes críticas a sociedade, como é o caso de A Noite dos Mortos Vivos (1968).

Esse longa metragem é um divisor de águas, dando início a uma nova fase de terror. Esse período aproxima-se mais da realidade e afasta-se da antiga estética gótica, que era adotada em filmes como o expressionista alemão Nosferatu (1922) dirigido por Murnau. Na década de 30, no auge do Terror na Universal Studios, criaturas inexistentes (vampiros, lobisomens, múmias) eram os protagonistas. Enquanto, na nova fase, o destaque são os zumbis. Mesmo que a probabilidade dos mortos vivos existirem seja pequena, esta é maior do que as demais criaturas, pois já foram seres humanos um dia.

A fama e a adoração dos zumbis concretizaram-se graças A Noite dos Mortos Vivos, apesar de não ser o primeiro filme a tratar desse tema, trouxe o reconhecimento internacional. Diferente dos zumbis velozes conhecidos, George Romero, optou por seres rastejando, o que é mais lógico, pois estão em processo de decomposição que dificulta sua locomoção.

A Noite dos Mortos Vivos começa com a visita de Barbra e Johnny ao túmulo de seu pai, quando são atacados por um cadáver. Na tentativa de ajudar a irmã, John cai e bate a cabeça em uma lápide. Barbra, com a ajuda de seu novo amigo Ben, refugia-se em uma casa isolada numa fazenda, na qual também estão abrigados Harry, Helen (sua esposa) e Karen (sua filha), e o jovem casal Tom e Judy.

Praticamente, toda a história, se passa na casa que é cenário das constantes discussões entre os dois líderes: o negro, racional, passivo Ben e o branco, impulsivo, pai de família Harry. Irão permanecer na casa esperando o fim do ataque dos mortos vivos? Tentaram fugir da fazenda? Como protegeram a casa dos invasores? Quem será o líder, o porta voz do grupo? Embora, Harry não possua aptidão para liderar o grupo, sendo inseguro e irracional, está constantemente disputando poder com Ben, pois não quer confiar o destino de sua família nas mãos de um negro. Esse embate revela a primeira crítica à sociedade americana da década de 60, o racismo.

O personagem de Harry é também utilizado para realizar a crítica referente aos conflitos no âmbito familiar. Em vez de apoiar sua família nesse momento difícil e de apreensão, ele gasta a maior parte do tempo discutindo com sua esposa a respeito de sua filha que está doente por razões desconhecidas.

O desfecho do filme, o ápice do apocalipse zumbi, demonstra como há falta de comunição na sociedade com a morte de um dos refugiados, pois foi confundido pelos policiais como um zumbi. Na verdade, estes nem pensaram em averiguar se era ou não um humano sobrevivente, apenas atiraram. O mundo está em constante processo de desenvolvimento e aprimoramento de suas tecnologias. O progresso dos meios de comunicação deveria aproximar mais as pessoas ao invés de afastá-las. É o que ocorre, atualmente, com o advento do computador. As pessoas saciam a necessidade do contato humano apenas por meio da Internet (meio virtual), afastando-se cada vez mais.

A película foi filmada em preto e branco, devido ao baixíssimo orçamento. Além de, praticamente, a inteira narrativa concentrar-se na casa para reduzir os custos, também foi utilizada de forma estratégica para mostrar a claustrofobia das personagens que estavam sendo encurralas pelos mortos vivos. E esse cenário abarrotado de mobilha favorecia a formação de sombras que contribuía para um clima mais obscuro e tenso.

O primeiro filme de terror dirigido por George Romero, pai dos zumbis, é a prova de que o gênero terror não é uma simples forma de entretenimento, tendo bastante a acrescentar ao cinema.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

16/02: Os Pássaros (Alfred Hitchcock, 1963)

Os Pássaros - Alfred Hitchcock (1963)

Sinopse
Considerado um dos melhores filmes de Hitchcock, Os Pássaros é um exercício de suspense dos mais intrigantes. Pássaros começam a ficar violentos e atacarem pessoas na pequena cidade de Bodega Bay, espalhando o terror na localidade. Duração: 114 minutos. 

Crítica: Os Pássaros (Alfred Hitchcock, 1963)

por Victor Ramos

Com uma filmografia repleta de suspenses coerentes, Alfred Hitchcock lançou seu nome no patamar de mestre do suspense. Analisando a carreira de Hitchcock com um olhar voltado para o tema da morte, o primeiro filme de fama de sua autoria a fazer uso deste tema foi Festim Diabólico (Rope, 1948), onde o subconsciente de dois assassinos que compõem todo ponto gênese do filme é explorado de forma fria.

Hitchcock abraçou a causa do crime no cinema e, posteriormente a Festim Diabólico dirigiu outra obra famosa que faz parte de sua filmografia; o filme Pacto Sinistro (Strangers on a Train, 1951) é mais uma obra que estuda os elementos que constroem a frieza de uma mente assassina. A temática de morte utilizada por Hitchcock era executada como única naquela época e, poucas das outras produções que faziam uso de tal tema, utilizavam a exploração da psicopatia; de todo modo, as poucas que exploravam este mal não atingiam com êxito a devida maestria requerida, diferente de Alfred Hitchcock, que marcou o tema como uma das características de seu cinema luxuoso.

Em 1954, mais dois filmes relacionados a mortes foram assinados com a direção do mesmo Hitchcock, os filmes Disque M Para Matar (Dial M for Murder, 1954) e Janela Indiscreta (Rear Window, 1954) foram os que fortaleceram de uma forma peculiar mais ainda a carreira do mestre do suspense. De um lado Janela Indiscreta, que de seu modo analisa o quanto a obsessão humana pode desencadear sérios problemas, e de outro lado Disque M Para Matar, que explora a ganância da natureza humana e, até onde ela pode nos levar. Ambos os filmes adquiriram com êxito o sucesso de seus objetivos cinematográficos que compõem as características do verdadeiro suspense e, também na massa entre os críticos e o público.

Até então, qualquer filme com o nome ‘’Alfred Hitchcock’’ estampado nos créditos era sinônimo de bom trabalho. Em 1955 surgiu o filme O Terceiro Tiro (Trouble with Harry, The, 1955), que tratou da morte como uma piada, porém, a recepção do longa não foi tão calorosa quanto nas outras produções anteriores que são dignas de serem denominadas ‘’obras’’. Após O Terceiro Tiro, Hitchcock só viria a tratar da mente assassina em 1958 com o filme Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958). Um corpo Que Cai não teve uma boa recepção na época, porém, hoje o filme é considerado ser uma das melhores obras de Hitchcock.

 
Em 1960, apenas poucos anos antes de Hitchcock dirigir uma de suas mais originais e ousadas obras cinematográficas, eis que surge o filme Psicose (Psycho, 1960). Psicose foi – e é – para muitos o apogeu da carreira de Hitchcock, dono de um dom pouco visto no cinema, um dom onde em Psicose brotou originalidade e muito suspense acompanhado de elementos que originaram produções seguintes de outros diretores distintos.
 
Até então, tudo na carreira de Hitchcock foi exibido de uma forma coerente. Foi exibido espionagem, psicopatia, frieza, romance e muito humor negro. Hitchcock se tornara uma marca quase exclusiva do cinema que trata de crimes humanos. Em 1963, surgiu o filme que redefiniu mais uma vez o cinema e marcou com carimbo de ouro a carreira de Alfred Hitchcock, o filme Os Pássaros (Birds, The, 1963). Os Pássaros foi algo que Hitchcock nunca tinha sentido antes, o lado da morte que ele nunca provou: o sobrenatural.
 
Os Pássaros é o filme mais ousado da carreira de Hitchcock, e isto se deve por vários elementos chave que constroem a armação da obra. Hitchcock não era um diretor que gostava de fazer uso de alta tecnologia em seus filmes, e muitos destes filmes também se atendo ao costume peculiar do mestre, eram rodados completamente em estúdio. Os Pássaros foi algo novo a ser utilizado por Hitchcock, pois fez uso de tomadas externas, técnica que ele não abraçou, e também fez uso de efeitos especiais inovadores na época para criar as temíveis criaturas voadoras.
 
Se atendo ao que é visto na tela, Hitchcock impõe os espectadores a assistir o mais puro que se pode oferecer do suspense. Modificando algumas passagens do roteiro escrito por Daphne Du Maurier e Evan Hunter, Hitchcock retira o coerente explicativo e deixa apenas em tela o caos. Pássaros assassinos que de súbito matam aos moradores de uma pequena cidade compõem esta obra magnífica e enigmática.

Quem interpreta a protagonista de uma forma peculiar e ousada, é a bela atriz Tippi Hedren, que dá vida a Melanie Daniels. Acompanhando Tippi Hedren segue um grande elenco que adiciona ao talento da equipe técnica pontos positivos. Os personagens possuem personalidades complexas e, nenhum possui característica de mocinho (a) inocente. Todo trabalho dos atores presentes foram desafios postos no caminho como obstáculos, e felizmente foram superados no final das contas, pois ao assistir Os Pássaros, a impressão que dá ao olhar para as atuações, é de que todos os atores presentes nasceram para os devidos papéis, bem como o posterior Pulp Fiction (filme de 1994 dirigido por Quentin Tarantino).
 
 
Os Pássaros faz uso do suspense magistral do início ao fim, explora o medo do desconhecido e mostra a essência do verdadeiro cinema de Hitchcock. Uma verdadeira aula de cinema que, prova melhor que ninguém que o explícito nem sempre é necessário para criar uma atmosfera sufocante típica do gênero.
 
Os Pássaros é um filme atemporal que inicia com maestria o tom tenebroso e, que confirma com o seu final a tamanha importância de si para o cinema. Os Pássaros, diferente dos outros filmes de Hitchcock, não possui o famoso ‘’The end’’ ao final da obra, é aí onde é visto que este realmente é uma obra-prima que consegue fazer com que o suspense contido na obra não acabe. O verdadeiro epílogo da trama fica restrito aos olhos do espectador e, a tensão continua no ar.

"Morro de medo de ovos, pior do que morrer de medo, eles me revoltam. Aquela coisa branca arredondada sem nenhum buraco. Você já viu algo mais revoltante de que uma gema de ovo quebrando e derramando seu líquido amarelo? O sangue é alegre, vermelho. Mas a gema do ovo é amarela, revoltante. Eu nunca a provei."
(Alfred Hitchcock)

Biografia Alfred Hitchcock (1889-1980)

por Carlos Gerbase


Alfred Hitchcock é um dos cineastas mais comentados, biografados e reverenciados de todos os tempos. É difícil escrever sobre ele sem a sensação de estar repetindo o que todos sabem, ou pelo menos o que todos deveriam saber há muito tempo. Mais difícil ainda é buscar novos ângulos para a análise de suas obras e de sua vida.

Ele já foi tratado como um simples artesão, como um mero empregado dos estúdios, repetindo a mesma fórmula para garantir bilheterias, mas também já foi alçado à condição de gênio, de grande autor, principalmente depois que os franceses da Nouvelle Vague (Truffaut à frente) promoveram uma releitura respeitosa (e quase sempre precisa) de seus principais filmes. Então, quem é o verdadeiro Hitchcock? 
Antes de tudo, era um trabalhador do cinema. No sentido proletário do termo. Ao contrário dos diretores da atualidade, que são empresários, muitas vezes multi-milionários, e que se envolvem diretamente na produção de seus filmes, Hitch manteve sua vida dentro da câmara, preocupando-se, essencialmente, com o que o público assistiria. Decidir o enquadramento sempre foi mais importante que decidir o orçamento. Talvez por isso, ele conseguia imprimir aos seus filmes um caráter, ao mesmo tempo, autoral e popular.

Hitch dominava a linguagem e conhecia como ninguém os recursos técnicos que a indústria poderia lhe proporcionar, mas parecia sempre mais disposto a brincar com o público (inclusive aparecendo rapidamente em seus filmes) do que a agradar aos chefões.

Hitchcock nasceu na Inglaterra, teve uma rígida educação jesuíta e pretendia seu engenheiro, mas acabou, ainda bem jovem, desenhando legendas de filmes mudos numa produtora londrina. Na década de 20, com o cinema ainda numa fase romântica, a diferença entre desenhar legendas e dirigir um filme ainda não era tão grande. Depois de um breve período de aprendizado, como assistente de direção e montador, em 1925 fez seu primeiro filme, nunca concluído, "The pleasure garden", obra ainda medíocre. Em 1926, contudo, já assina "The Lodger", uma história com Jack, o Estripador, demonstrando grande talento. Daí por diante, não parou mais de filmar.

Sua "fase inglesa" vai até 1949, quando David Selznick o leva para os Estados Unidos. Em Hollywood, a personalidade reservada de Hitch, pouco afeita a festas e badalações, contribuiu para criar a sua aura de "senhor do suspense e do mistério". Na verdade, o que ele queria era filmar. E filmava como ninguém. Já começou ganhando um Oscar com "Rebecca", e foi afirmando-se como um cineasta capaz de extrair bons filmes até de argumentos fracos.

Como sua produção era muito extensa, e sempre no ritmo ditado pelos estúdio, teve momentos de maior ou menor qualidade. Mas quem vai negar os acertos de "Psicose", "Vertigo", "Disque M para matar", "Os pássaros", "Intriga internacional" e "O homem que sabia demais"? O estilo de Hitchcock, que combina realismo na ação, uma certo maneirismo na construção dos personagens e extrema inventividade na narrativa visual (resultante, antes de tudo, de uma decupagem brilhante e sofisticada), já foi muito copiado, mas, como acontece com obras e autores de exceção, não pode servir de paradigma para ninguém. Hitchcock foi um dos grandes. E ponto final.  
FILMOGRAFIA
Filmes mudos
1. The Pleasure Garden (1925)
2. The Mountain Eagle (1926)
3. The Lodger (1926)
4. A Story of the London Fog (1926)
5. Downhill (1927)
6. Easy Virtue (1927)
7. The Ring (O Anel, 1927)
8. The Farmer's Wife (A Mulher do Fazendeiro, 1928)
9. Champagne (idem, 1928)
10. The Manxman (O Ilhéu, 1929).  
Filmes sonoros
1. Blackmail (Chantagem e Confissão, 1929)
2. Juno and the Paycock (1929)
3. Murder (Assassinato, 1929)
4. The Skin Game (1931)
5. Rich and Strange (1932)
6. Number Seventeen (O Mistério no 17°, 1932)
7. Waltzes from Vienna (1933)
8. The Man who Knew Too Much (O Homem que Sabia
Demais, 1934)
9. The 39 Steps (Os 39 Degraus, 1935)
10. The Secret Agent (O Agente Secreto, 1936)
11. Sabotage (O Marido Era o Culpado, 1936)
12. Young and Innocent (1937)
13. The Lady Vanishes (A Dama Oculta, 1938)
14. Jamaica Inn (A Estalagem Maldita, 1939)
15. Rebecca (Rebeca, a Mulher Inesquecível, 1940)
16. Foreign Correspondent (Correspondente Estrangeiro, 1940)
17. Mr. and Mrs. Smith (Um Casal do Barulho, 1941)
18. Suspicion (Suspeita, 1941 )
19. Saboteur (Sabotador, 1942)
20. Shadow of a Doubt (A Sombra de uma Dúvida, 1943)
21. Lifeboat (Um Barco e Nove Destinos, 1943)
22. Spellbound (Quando Fala o Coração, 1945)
23. Notorious (Interlúdio, 1946)
24. The Paradine Case (Agonia de Amor, 1947)
25. Rope (Festim Diabólico, 1948)
26. Under Capricorn (Sob o Signo de Capricórnio, 1949)
27. Stage Fright (Pavor nos Bastidores, 1950)
28. Strangers on a Train (Pacto Sinistro, 1951 )
29. I Confess (A Tortura do Silêncio, 1952)
30. Dial M for Murder (Disque M para Matar, 1954)
31. Rear Window (Janela Indiscreta, 1954)
32. To Catch a Thief (Ladrão de Casaca, 1955)
33. The Trouble with Harry (O Terceiro Tiro, 1956)
34. The Man Who Knew Too Much (O Homem Que Sabia Demais, 1956)
35. The Wrong Man (O Homem Errado, 1958)
36. Vertigo (Um Corpo que Cai, 1958)
37. North by Northwest (Intriga Internacional, 1959)
38. Psycho (Psicose, 1960)
39. The Birds (Os Pássaros, 1963)
40. Marnie (Marnie, Confissões de Uma Ladra, 1964)
41. Torn Curtain (Cortina Rasgada, 1966)
42. Topaz (Topázio, 1969)
43. Frenzy (Frenesi, 1972)
44. Family Plot (Trama Diabólica, 1976).

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Programação Fevereiro/Março 2013: Terror




Terror em língua inglesa
16/02: Os Pássaros (Alfred Hitchcock, 1963)
 23/02: Salome (Clive Barker, 1973)
           A Noite dos Mortos Vivos (George Romero, 1968) - longa
02/03: O Enigma de Outro Mundo (John Carpenter, 1982)

Giallo
09/03: Suspiria (Dario Argento, 1977)
16/03: A Máscara do Demônio (Mario Bava, 1960)

Terror Nacional
20/03: Amor só de mãe (Dennison Ramalho, 2003) - curta
           À Meia Noite Levarei a Sua Alma (José Mojica Marins, 1964) - longa
27/03: Trilogia do Terror (Ozualdo Candeias, Luís Sérgio Person, José Mojica Marins, 1968)

O Gênero Terror


Os filmes de terror nasceram junto com a cinematografia. George Mélies, um dos pioneiros do gênero, filmou, em 1896, Escamotege d'une Dame Chez Robert-Houdin e, em 1912, A Conquista do Pólo, no qual um dos expedicionários era devorado diante das câmaras pelo Abominável Homem das Neves. Posteriormente, o movimento cinematográfico alemão, denominado “Expressionismo Alemão”, teria como a maior parte de suas obras primas, filmes de terror que ganharam platéias de todo o mundo, como O Gabinete do Dr. Caligari (Robert Wiene, 1920), Nosferatu (Friedrich W. Murnau, 1922), O Gabinete da Figuras de Cera (Paul Leni, 1924), entre outros. A partir da década de 30, com o pioneirismo de Tod Browning (Drácula [1931], Freaks [1932]), começam a surgir grandes monstros, fantasmas, vampiros e outras criaturas capazes de provocar medo dominariam as telas dos cinemas nos filmes de terror até os anos 60. Até esse momento, o terror era produzido unicamente por uma figura monstruosa que surgia de repente na tela, anunciada com acordes de piano. Esse padrão só seria quebrado por Alfred Hitchock na década de 60, com seus filmes Psicose (1960) e Os Pássaros (1963), inaugurando o chamado terror psicológico. Posteriormente, O Bebê de Rosemary (Roman Polanski, 1968) e O Exorcista (William Friedkin, 1973), mostrariam que o mal poderia entrar em qualquer casa sem avisar e sem vestir roupas de monstro. Entretanto, esses monstros e figuras assustadoras ainda seriam bastante explorados nas obras de diretores mais contemporâneos em roteiros cada vez mais complexos, mergulhando na perversão humana e no mundo sobrenatural, como George Romero (A Noite dos Mortos Vivos [1968] e toda a sua obra sobre zumbis), Clive Barker (Hellraiser [1987]), John Carpenter (A Bruma Assassina [1980], O Enigma de Outro Mundo [1982], Christine – O Carro Assassino [1983], À Beira da Loucura  [1994]), Wes Craven (A Hora do Pesadelo [1984], Pânico [1996]), entre outros. 


Ainda que bastante popular, a produção cinematográfica do gênero terror, até os anos 50, estaria limitada a cinematografia alemã e norte-americana. Entretando, nos anos 60, esse gênero se expandiria rapidamente para a cinematografia de um grande número de países e, cada um, criaria uma identidade própria dentre dele. Na Itália, através das excêntricas obras de Dario Argento (O Pássaro das Plumas de Cristal [1970], Suspiria [1977], Phenomena [1985]), Mario Bava (A Maldição do Demônio [1960], O Ciclo de Pavor [1966], Diabolik [1968]), Lucio Fulci (Zombie 2 [1979], The Beyond [1981]), entre outros, surgiria o gênero giallo, onde um assassino em série, onde só se vê as suas mãos vestidas com luvas pretas de couro, ou alguma entidade sobrenatural, provoca chocantes assassinatos (e extremamente coloridos), sobretudo de mulheres, com uma grande exposição de seus corpos, totalmente ou parcialmente nús. No Brasil, ficaria notória a obra do José Mojica Marins (À Meia Noite Levarei a Sua Alma [1964], Esta noite encarnarei no teu cadáver [1966], O Despertar da Besta (1969], e seu famoso personagem, o  cruel e sádico agente funerário Zé do Caixão, figura amoral e niilista, um descrente obsessivo, que não crê em Deus ou no diabo e é temido e odiado pelos habitantes da cidade onde mora. O tema principal de sua saga é a busca da “mulher perfeita” que possa gerar o seu filho e nessa busca ele está disposta a matar quem cruza o seu caminho.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

02/02: O Enigma de Kaspar Hauser (Werner Herzog, 1974)

O Enigma de Kaspar Hauser - Werner Herzog (1974)

Sinopse
Kaspar Hauser é um jovem que foi trancado a vida inteira num cativeiro, desconhecendo toda a existência exterior. Quando ele é solto nas ruas sem motivo aparente, a sociedade se organiza para ajudar Kaspar, que sequer conseguia falar ou andar, mas este logo acaba se tornando uma atração popular. Duração: 110 minutos.

Crítica: O Enigma de Kaspar Hauser (Werner Herzog, 1974)

por Kênia Freitas


O que é um ser humano? Essa parece ser a questão central de Herzog em O Enigma de Kaspar Hauser. No início do filme vemos um jovem acorrentado em um porão. O seu único contato social é com um homem que o alimenta e em determinado momento o ensina a escrever o seu nome: Kaspar Hauser. Um dia esse mesmo homem misterioso leva Kaspar até a cidade de Nuremberg deixando-o plantado na praça da cidade com uma carta na mão, que explica brevemente a história do rapaz e o oferece como voluntário à cavalaria.

A figura causa um estranhamento imediato, o seu corpo mal consegue se manter ereto, Kaspar não responde às perguntas dos moradores e autoridades da cidade — logo todos percebem que ele não sabe falar e não faz ideia alguma do que seja a vida em sociedade. De caso pitoresco à aberração, ele não se encaixa naquela sociedade do século XIX e, sobretudo, à sua definição do que seria um indivíduo. A inventividade de Herzog em filmar essa história verídica de uma criança selvagem está em por em questão nossas convenções sociais e as fronteiras que estas criam entre ilusão e realidade, falso e verdadeiro — temas centrais no cinema do diretor alemão.

Nesse sentido, um dos personagens fundamentais da trama é o escrivão que, desde o momento em que Kaspar é encontrado até a dissecação do seu cérebro após seu assassinato, registrava minuciosamente a vida dessa figura pitoresca. Mas o próprio escrivão e o seu ofício nos soam aberrantes em sua obsessão de documentar, tornando evidente que entre todas as instituições sociais do século XIX uma das mais importantes era a discursiva. O ser humano era mais do que um corpo científico, uma fé religiosa e um conceito filosófico, mas também a interseção de todos esses discursos pelo registro oficial.

Mais do que um ser sem linguagem ou convívio social, o Kaspar de Herzog é um indivíduo sem instituições e suas convenções. E, quando inserido nelas abruptamente, um ser no qual as suas relações de poder e força não repercutiam. É o que o diretor nos mostra repetidamente durante todo o processo de adaptação do personagem à sociedade. Kaspar é confrontado pela lógica da Igreja, do Estado (que o transforma em espetáculo), da filosofia e da aristocracia. E, em cada um desses momentos, sua inadequação é gritante. Ele possui uma lógica de pensamento que não se enquadra. A música, os sonhos, a poesia e a natureza são as linhas de fuga que tornam a sua existência suportável para ele mesmo. E a violência de um assassinato a facadas parece ser a única forma de, de fato, penetrá-lo.

Como formula Michel Foucault no seu belo texto, A vida dos homens infames, o registro incessante da vida do homem comum por meio do processo de documentação oficial acaba por gerar uma nova relação entre o poder, o discurso e o cotidiano: uma nova mise en scène. E assim cabe a Kaspar, a cada momento, um papel diferente: primeiro, o prisioneiro com o qual o Estado não sabe o que fazer; em seguida, a atração de circo e, por fim, o pupilo esforçado de um pensador. Obviamente, nenhum desses papéis o convém.

E, nesse momento derradeiro de sua trajetória, o personagem começa a finalmente a compreender as engrenagens daquela sociedade e as suas representações. Sua recusa a qualquer mise en scène é então ainda maior. Kaspar, que no período de encarceramento não distinguia entre sonho e realidade, afirma ao seu tutor que sua atividade preferida é a do sonho. Como muitos dos personagens de Herzog, ele está no domínio do delírio e da ilusão.

Domínio que aos poucos contagia o filme. Somos levados por Herzog para as imagens do sonho recorrente do personagem, da sua história inacabada — um deserto com uma caravana perdida guiada por um homem cego. Tanto quanto Kaspar, somos inadequados aquele tempo e as suas instituições, isso é o que nos grita o filme o tempo inteiro. Nós também preferimos o cinema do delírio, que assim como seu personagem, Herzog pouco pode desenvolver nessa história. Resta-nos a figura cômica do escrivão e das suas certezas discursivas, tão risíveis no prisma das nossas novas convenções — último truque do diretor, que por fim põe em joga nossa própria ignorância. Se Herzog não abandona uma questão ao longo de sua filmografia é a de que: o que é um ser humano e quais são os seus limites.

Para outra análise crítica (mais longa) do filme: http://pt.scribd.com/doc/54318572/Analise-Critica-do-Filme-O-enigma-de-Kaspar-Hauser

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

26/01: Um dia de cão (Sidney Lumet, 1975)

Um dia de Cão - Sidney Lumet (1975)

Sinopse
Em agosto de 1972 um assalto em um banco no Brooklyn chama a atenção da mídia e transforma-se em um show com uma enorme audiência. Era um roubo que teoricamente duraria apenas dez minutos, mas após várias horas os assaltantes estavam ainda cercados com reféns dentro do banco. Sonny (Al Pacino), o líder dos assaltantes, planejou conseguir dinheiro para Leon (Chris Sarandon), seu amante homossexual, fazer uma cirurgia de mudança de sexo. Enquanto tudo se desenrola a multidão apóia e aplaude as declarações de Sonny e fica contrária ao comportamento da polícia. Duração: 120 minutos