segunda-feira, 29 de março de 2010

Programação Abril 2010: Cinema Mexicano

Desde os anos 40, marcados pelas atuações do inesquecível Cantinflas, o México desperta o interesse do cinema mundial. Marcado por uma sensacional fase surrealista nos anos 60 e 70 , o cinema mexicano vêm retomando a sua produção nos últimos anos, e alcançando grandes êxitos em festivais internacionais, principalmente por conta de nomes como Iñarritu, Carlos Reygadas e Amat Escalante, que, apesar de estilos diferentes, unem culturalmente o México e levantam questões relevantes a toda a América Latina.

O Cine Clube Ybitu Katu exibe:

03/04: Amores Brutos (Alejandro G. Iñarritu, 2000)
Em plena Cidade do México, um terrível acidente automobilístico ocorre. A partir deste momento, três pessoas envolvidas no acidente se encontram e têm suas vidas mudadas para sempre. Um deles é o adolescente Octavio, que decidiu fugir com a mulher de seu irmão, Susana, usando seu cachorro Cofi como veículo para conseguir o dinheiro para a fuga. Ao mesmo tempo, Daniel resolve abandonar sua esposa e filhas para ir viver com Valeria, uma bela modelo por quem está apaixonado. Também se envolve no acidente Chivo, um ex-guerrilheiro comunista que agora atua como matador de aluguel, após passar vários anos preso. Ali, em meio ao caos, ele encontra Cofi e vê a possibilidade de sua redenção. Duração: 153 minutos.

10/04: A Montanha Sagrada (Alejandro Jodorowsky, 1974)
Jodorowsky interpreta o papel do "alquimista" que reúne um grupo de pessoas que representam os planetas do Sistema Solar. Sua intenção é submeter o grupo a uma série de ritos de natureza mística para que se desprendam da bagagem "mundana" antes de embarcar numa viagem em direção à misteriosa Ilha de Loto. Uma vez na insula, iniciam a ascensão à Montanha Sagrada para substituir os Deuses imortais que em segredo dominam o mundo. Ninguém havia visto nada igual até a data de lançamento deste filme. Foi a grande obra ovacionada no Festival de Cannes em 1973. Duração: 114 minutos

17/04: Los Bastardos (Amat Escalante, 2008)
Num período de 24 horas, o filme descreve a vida de Fausto e Jesus, dois trabalhadores mexicanos em Los Angeles. Como em todos os dias, eles sofrem grande pressão no trabalho. Mas diferente de todos os outros dias, dessa vez Jesus carrega uma espingarda na mochila. Duração: 86 minutos

24/04: O Anjo Exterminador (Luis Buñuel, 1962)
Depois de uma festa, os convidados simplesmente não conseguem deixar o local, sem que haja uma explicação racional para isso. Conforme o tempo passa, as máscaras dos antes bem relacionados começam a cair e revelar suas verdadeiras e mais profundas facetas. Grande clássico o maior diretor mexicano. Duração: 95 minutos

Cartaz Programação Abril 2010

domingo, 28 de março de 2010

Cine Clube Ybitu Katu entra na lista de cineclubes mais atuantes do país

É com grande prazer que anunciamos que o Cine Clube Ybitu Katu entra na lista de cineclubes mais atuantes do país, realizada pelo Observatório Cineclubista Brasileiro, ao lado de tradicionais cineclubes como o Cine Clube Dissenso (Recife - PE) e do Tela Brasilis (Rio de Janeiro - RJ). Para conferir a lista completa basta clicar aqui. Muito obrigado a todos que nos apóiam e ao público frequentante do nosso cineclube.

sexta-feira, 26 de março de 2010

27/03: A Noite (Michelangelo Antonioni, 1961)

A Noite - Michelangelo Antonioni (1961)

Sinopse
Depois de visitar um amigo que está morrendo no hospital, um escritor vai com sua esposa para uma grande festa numa mansão milanesa. Eles estão casados há 10 anos e constatam a falência do casamento. Todo o filme se passa numa tarde de sábado até a madrugada de domingo. Duração: 122 minutos.

Críticas - A Noite (Michelangelo Antonioni, 1961)

por Roberto de Castro Neves
Extraído de
http://www.imagemempresarial.com/Tudosobre/Filmes/mostrafilme.asp?Num=21

“A Noite” (1961) faz parte da trilogia do consagrado cineasta italiano Michelangelo Antonioni cujo tema central é a “incomunicabilidade”. Os outros dois filmes que compõem a trilogia são “A Aventura” (1960) e “O Eclipse” (1962). Numa definição meia-bomba do que seria “incomunicabilidade” para Antonioni, seria ela a impossibilidade da comunicação humana. Essa é a tese. O corolário dessa tese é que a impossibilidade leva o indivíduo ao isolamento e à autodestruição. Se não é bem isso, é bem perto disso. O plot é singelo. Aliás, mais singelo não poderia ser. Giovanni Pontano (Marcello Mastroianni), um escritor de sucesso, é casado com Lídia (Jeanne Moreau) já há algum tempo. O casal não tem filhos. Ambos estão insatisfeitos com o casamento. As razões objetivas da insatisfação de cada um não são claramente informadas. Antonioni deixa com a gente a tarefa de descobri-las e de especular sobre elas. No máximo, o diretor sugere que ele, Pontano, apesar do sucesso como escritor, é um homem entediado e inquieto. Já não valoriza elogios ao seu trabalho, desdenha a fama, acha tudo um saco e busca minorar seu desconforto com paqueras eventuais. Fosse um mortal qualquer, seu comportamento seria classificado como galinhagem das boas. Mas em sendo um intelectual, suas fraquezas vão pra conta de “angústias existenciais”. Lídia, a mulher, por sua vez, abafada pelo sucesso do marido, vive uma vidinha vazia, sem objetivo e projeto próprios. Uma vida em que todos os dias são iguais. Socialmente, faz figuração nas reuniões em que o marido é a grande estrela. Tenta passar o tempo fazendo caminhadas solitárias sem destino, entretendo-se com prosaicas cenas de rua nos arredores de Milão. É uma mulher – nos parece - à beira de uma depressão. Ou em ponto de bala pra arrumar um amante. Pois bem, é através desse relacionamento em crise, com inúmeras tomadas longas em que nada acontece, silêncios, paisagens hostis e sufocantes, etc que Antonioni constrói seu discurso sobre a “incomunicabilidade”, o peixe que o diretor quer vender na trilogia mencionada. Se você ainda não viu esse filme e gosta de cinema, recomendo que assista a essa obra-prima.

por Carlos Augusto de Araújo
Extraído de http://www.65anosdecinema.pro.br/2223-A_NOITE_(1961)

"A Noite" é mais uma pérola do cinema italiano. Realizado pelo grande cineasta Michelangelo Antonioni, que também participa da elaboração do roteiro, o filme forma com "A Aventura" e "O Eclipse", a trilogia da incomunicabilidade do cineasta, na qual ele se debruça sobre a solidão e o tédio proporcionados pela vida moderna das grandes cidades.
A trama se desenvolve durante um dia e uma longa noite na vida de um casal, cuja relação se acha comprometida pela falta de comunicação. Além do belo trabalho de Antonioni, destacam-se a participação de Tonino Guerra, na redação do roteiro, a excelente fotografia de Gianni Di Venanzo e as magníficas atuações do trio principal, formado por Marcello Mastroianni, Jeanne Moreau e Monica Vitti.

quinta-feira, 18 de março de 2010

20/03: Quê? (Roman Polanski, 1972)

Quê? - Roman Polanski (1972)

Sinopse
Uma jovem poetisa americana viajando através da Itália, após tentativa de estupro, encontra um solar onde conhece um estranho Mediterrâneo. Sua inocência latente e jeitinho angelical vai despertar a líbido em qualquer espécie masculina. Ela conhece o absurdo, a decadência humana e entra em uma jornada mais parecida com uma "Alice no País das Maravilhas" sexual. Seria ela um anjo? Duração: 109 minutos

Crítica: Quê? (Roman Polanski, 1972)

Se fosse um filme em que as cenas de sexo fossem presentes seria pornográfico como um Milo Manara. Nele se vê os cortes oníricos de fellini. Mas foi Carlo Ponti quem se colocou presente no roteiro, produção e assistência de Polanski. Por isso é um filme diferente do diretor.

Diferente porque ele deixa o suspense aterrorizante pra uma comédia onírica, que por remeter à insegurança de acontecimentos do sonho também se caracteriza como suspense. Mas nada assusta, estamos num mundo à beira da praia, umas férias, poesia que acalma e excita. A poetiza não larga seu diário durante todo o filme, e ela na sua maior parte fica nua, nos fazendo ficar extremamente ligados ao filme. Esse erotismo é artifício de narração, como Manara faz: veja a semelhança da atriz Sydne Rome com as mulheres desenhadas por Manara. Uma modelo, apenas. Ela é desejada sexualmente até mesmo por cães, e se torna a cobiça da mais nova arte que se desvenda aos nossos olhos. Uma arte meio vazia, kitsch, carnavalesca, circense e, claro, sacana. A mulher aos olhos dessa arte é um corpo que nos atrai, sua beleza é mais que a forma procurada, desejada – é uma forma divina. Não há paródia dentro da publicidade do corpo nu eroticamente explícito, não há mesmo. Nós aceitamos o espetáculo pobre em artifícios racionais e corremos como cachorros tarados atrás de um corpo belíssimo de uma poetiza espontânea, ingênua e feliz.A felicidade de um sonho bom, de uma passagem à irrealidade do sexo latente. Foi isso que os anos 70 conseguiram levar ao status do pop, uma arte nova, arte que novamente usava a sedução para atrair público e nos evidenciar o hedonismo.

Sim, o filme é uma comédia... Mas uma comédia muito inusitada. Nos lembra algo que no Brasil se costumou chamar de pornochanchada. Óbvio que com mais apuro estético – é quando a nobre arte, personagem do filme que é dono de todo o cenário que vemos, o senhor Noblart, morre e algo novo, mas junto à porcaria que leva a poetiza à Istambul. Mas durante todo o sonho fetichista, um soldado francês conversa com um brigadeiro francês, e a Itália é refúgio ao modo simples de se ver o mundo difundido pelos americanos. A arte nova está lá, no velho mundo, onde estava a velha morta também. Nietzsche que o diga. Mas o senhor Noblart não morre antes de ver algo que antigamente o dava instigação à vida – a vagina da nova poetiza, que não é mais apenas uma sereia sedutora que desvirtua os heróis, mas a própria heroína que sente prazer em todos os lugares por onde passa, na irresponsabilidade bonita de uma criança adulta cheia de libido. Ela conhece o filme, sabe que ele é filme, libera o dispositivo aos espectadores que babam para a movimentação de seus seios (assim como os personagens masculinos do filme, jovens ou velhos).
Dos presentes à ceia familiar, apenas Alex (Marcelo Mastroiani) sabe que ela, a poetiza é manipulável. Mas à base da violência, somente. Violência que ele, como um bom autor de realidades fetichizadas, adora proferir e receber. Não é o fim dos tempos retratado? Na verdade todos preferem achar que o fim sempre esteve presente – apenas agora ele se mostra. Um fim sem teleologia, sem sentido – sem fim.

quinta-feira, 11 de março de 2010

13/03: Os Companheiros (Mario Monicelli, 1963)

Os Companheiros - Mario Monicelli (1963)

Sinopse
Turim, Itália, fim do século XIX. Em plena efeverscência da Revolução Industrial em solo italiano, os operários de uma grande fábrica têxtil são submetidos a jornadas de trabalho desumanas, tendo que trabalhar 14 horas diárias em condições injustas. Muitos são os acidentes de trabalho, que resultam num elevado índice de inválidos e muito sofrimento e insatisfação entre os operários. No centro destes acontecimentos, chega à cidade o professor Sinigaglia (Marcello Mastroianni), um professor socialista que percorria a Itália espalhando o seu sonho de conscientização política e mobilização dos trabalhadores. A partir de seu encontro com os operários e da difusão de seus ideais, os trabalhadores voltam a acreditar e lutar por seus direitos, ainda que isto possa significar um alto preço a ser pago. Duração: 123 minutos

Crítica: Os Companheiros (Mario Monicelli, 1963)

por Luiz Carlos Merten
Extraído de http://blogs.estadao.com.br/luiz-carlos-merten/os-companheiros/

Ocorrem certas coincidências que… No post anterior, sobre as indicações de Buñuel para o OScar, fui checar quem havia recebido o Oscar de melhor filme estrangeiro de 1978, quando o mestre teria sido (foi?) indicado pela segunda vez por ‘Esse Obscuro Objeto de Desejo’. O vencedor foi ‘Préparez Vos Mouchoirs’, dirigido por Bertrand Blier, filho do ator Bernard Blier. Querendo explicar quem era o pai, citei-o como intérprete de filmes de Mario Monicelli. Ia até citar ‘Os Companheiros’ (I Compagni), de 1963. Larguei o blog e fui fazer os filmes na TV de amanhã. Eis que a Rede Brasil anuncia para segunda, às 22 horas, que filme? Tã-tã-tã. Justamente ‘Os Companheiros’, com Marcello Mastroianni, Annie Girardot, Renato Salvatori, Bernard Blier, Folco Lulli. Já devo ter falado aqui sobre este filme. O telespectador que poderá vê-lo amanhã não tem noção do que foi a estréia de ‘Os Companheiros’ no Brasil. Naquele tempo, os filmes não chegavam tão rapidamente, e menos, ainda, os estrangeiros que não fossem hollywoodianos. Se o filme é de 1963, devo tê-lo visto em 1964, 65, talvez até 66, ou seja, após a ditadura. ‘Os Companheiros’ era o tipo do filme – da realidade – que os militares queriam varrer do mapa. Mastroianni faz o professor Sinegaglia que chega a Turim, na virada do século 19 para o 20, para formar um sindicato e organizar a classe trabalhadora. ‘Os Companheiros’ teve sua vida nos cinemas, antes de chamar a atenção, e depois foi parar no circuito universitario, no sindical. Nada vai devolver a sensação de assistir a ‘I Compani’ na clandestinidade, ou quase, com as discussões que ocorriam depois. Monicelli é um grande diretor italiano. Fez comédias que se tornaram clássicas – ‘Os Eternos Desconhecidos’, ‘A Grande Guerra’, ‘O Incrível Exército de Brancaleone’, ‘Quinteto Irreverente’, ‘Parente É Serpente’ etc. As comédias de Monicelli são tragicomédias (é com hífen, agora?). ‘Os Companheiros’ talvez seja a exceção. É o grande drama de Monicelli e, no meu imaginário, Annie Girardot e Renato Salvatori, a dupla autodestrutiva de ‘Rocco’ – eles se haviam casado na vida – volta com força total. Sinegaglia é um homem politico. Vive para organizar os trabalhadores, mas é um solitário errante, de cidade em cidade. Faz muitos anos que não vejo ‘Os Companheiros’, desde a minha juventude. Curioso que a lembrança do filme me tenha voltado hoje, num viés, e ele agora esteja disponível para ser (re)visto amanhã. Me parece um chamamento difícil de resistir.

quinta-feira, 4 de março de 2010

06/03: O Apicultor (Theo Angelopoulos, 1986)

O Apicultor - Theo Angelopoulos (1986)

Sinopse
Spyros é um homem consumido por um amor secreto e incestuoso pela própria filha. No dia do casamento dela, ele abandona a carreira de professor, a esposa e a casa para retomar a profissão do pai e do avô: cuidar de abelhas. Seguindo a rota tradicional do apicultor pelo país, em busca das flores que produzem o melhor mel, ele dirige de cidade em cidade revisitando o passado e os velhos amigos, tentando conciliar os ideais do passado com as rápidas mudanças que acontecem no país. Um dia, ele dá carona a uma jovem promíscua, que fala pouco e parece representar uma nova geração sem memória e sem preocupação com o passado. Duração: 117 minutos

Crítica sobre a obra de Theo Angelopoulos

por Luiz Carlos Merten
Extraído de http://blogs.estadao.com.br/luiz-carlos-merten/theo-e-deus/

Lá vou eu encarar, a pedidos, o cinema de Theo Angelopoulos. Aliás, na semana que vem – acho que é na semana que vem, a partir de 17, ou 19 -, ele estará sendo homenageado pelo Festival de Guadalajara, no México. Sabem que não lembro qual foi meu primeiro Angelopoulos? Terá sido Paisagem na Neblina? Se foi, não poderia ter sido melhor começo. Angelopoulos é grego e isso, de cara, ajuda a entender sua fascinação pelo mito. Em ‘Paisagem na Neblina’, Orestes voltava para vingar o pai. Em Um Olhar a Cada Dia, era Ulisses, o rei de Itaca, que desceu aos infernos para recusar a imortalidade. E na sua atual trilogia, iniciada por ‘To Livadi Poli Dakrisi’ e que tem prosseguimento com ‘I Skoni Tou Chronou’ (The Dust of Time), é Eleni – Helena. Em Berlim, quando o entrevistamos, Orlando Margarido e eu, o mestre estava de muito bom humor. Citou Godard, que fez, nos anos 50, o curta ‘Tous les Garçons s’Appellent Patrick’. Se todos os garotos podiam se chamar Patrick, para Godard, por que todas as mulheres não podem ser Helenas para Angelopoulos? É curioso como a arte contemporânea (re)vê o mito. Na literatura, o Ulisses de James Joyce, Leopold Bloom, vaga pela cidade, pela urbe. O de Angelopoulos, no cinema, só tem olhos para ruínas, pois o diretor transpõe o mito para o dia a dia das guerras civis na Europa. Destruição e morte. O cinema de Angelopoulos tem sido atormentado pela tragedia dos expatriados. Outros podem usar o plano-sequência (tem hífen?), mas raros, como Angelopoulos, são cineastas do tempo, da procura e, posto que ela tem de acabar, nem que seja dramaturgicamente, do limite. ‘Paisagem na Neblina’ mostra duas crianças, um casal de irmãos, acompanhado por aquele Orestes motoqueiro, em busca de um pai (improvável?) que mora na Alemanha. Em ‘O Passo Suspenso da Cegonha’, repórter chega a uma cidade de fronteira em busca de um político que desapareceu com a mulher. O repórter pensa tê-los visto fugazmemnte em meio a uma multidão de refugiados. O casal é interpretado por Marcello Mastroianni e Jeanne Moreau, juntos 30 anos depois de um dos filmes/marcos da modernidade cinematográfica – ‘A Noite’, de Michelangelo Antonioni. Existem cenas de ‘O Passo Suspenso’ que ficam gravadas na mente e o cinéfilo não se esquece – os refugiados que passam interminavelmente nos vagões de trem, o casamento em que os noivos são separados pela fronteira, cada um de um lado, numa margem do rio, à espera de um encontro difícil, senão impossível. Em ‘O Apicultor’, também com Marcello Mastroianni, Angelopoulos mostrou um homem solitário, a própria encarnação do vazio da existência. Mas, naquele filme, embora interessado em ‘adoçar a passagem do tempo’ – sua explicação para o ato de filmar -, ele prescindiu do plano-sequência para criar seu road movie existencial. Talvez seja o filme mais ‘diferente’ do autor, sendo rigorosamente igual aos outros. Mastroianni, o apicultor, perdeu a batalha mítica já na abertura do filme. A mulher e os filhos desertaram e o deixaram sozinho. No primero dia da primavera, como reza a tradição, ele pega suas colméias e as leva para o sul, para comungar em silêncio com a paisagem, meditando sobre o fim da sua estrada. Mas chega essa mochileira, eternamente partindo (como o apicultor parece preso a si mesmo). Angelopoulos fez seu Bergman – silêncio do amor, de Deus. Mastroianni fala em grego, de ouvido, sem entender uma palavra, coisa impressionante. A trilogia de Helena é sobre a história da Grécia no século 20. Em ‘The Dust of Time’, Willem Dafoe é um diretor de cinema que quer contar a história de seus pais. Comunistas, perseguidos em seu país, eles se exilaram na antiga URSS. Uma cena já nasceu antológica. A multidão reúne-se na praça, onde é anunciada a morte do camarada Stálin. O plano é longo e lento. A multidão reúne-se e dispersa-se. Gente chorando, gente sem rumo. Na tela fica somente esse velho que não sabe para onde ir. Quanto tempo dura? cinco, dez minutos? O tempo é uma experiência relativa. Muitas estátuas de Stálin assombram o filme (como já assombraram outros trabalhos do grande diretor). A verdadeira tragédia das guerras civis contemporâneas, Angelopoulos sabe, é que elas só existem porque os homens são ignorantes, não aprendem nunca e acham que a delimitação de fronteiras poderá conter a expansão da sua angústia existencial. A fronteira volta em ‘The Dust of Time’. Talvez seja esse o grande tema a percorrer o cinema do autor, de filme para filme. A angústia humana, potencializada pela extensão do tempo, no plano sequência. O homem moderno distanciou-se do mito. Ulisses, em sua odisséia, continua navegando por mares desconhecidos, sem a perspectiva de um porto seguro no fim do caminho. Helena segue atraindo/distanciando os homens. Angelopoulos é pessimista/realista. Theo, curiosamente, é Deus em grego e o cinema dele não deixa de ser – é – um registro poético da nossa efêmera passagem pelo planeta.