Um jovem soldado estadounidense é atingido por uma granada e fica gravemente ferido. Perde os olhos, ouvido, nariz, mandíbula, pernas e braços, mas permanece consciente numa cama de hospital. monumento cinematográfico erigido contra todas a guerras: do passado, do presente e do futuro. Afinal, Trumbo criou a figura do soldado sem nome como uma metáfora de todos os homens que perderam a vida na guerra. Filme poético e chocante, é narrado em dois níveis, com o preto e branco e o colorido separando a vida e a agonia de um soldado reduzido a um torso em combate durante a 1ª Guerra Mundial. Por meio de um monólogo interior, somos testemunhas do que foi a vida do jovem soldado e acompanhamos o que restou do seu corpo numa sala escura de hospital. Baseado na obra homônima de Dalton Trumbo. Duração: 106 minutos
sexta-feira, 30 de julho de 2010
31/07: Johnny vai à Guerra (Dalton Trumbo, 1971)
Um jovem soldado estadounidense é atingido por uma granada e fica gravemente ferido. Perde os olhos, ouvido, nariz, mandíbula, pernas e braços, mas permanece consciente numa cama de hospital. monumento cinematográfico erigido contra todas a guerras: do passado, do presente e do futuro. Afinal, Trumbo criou a figura do soldado sem nome como uma metáfora de todos os homens que perderam a vida na guerra. Filme poético e chocante, é narrado em dois níveis, com o preto e branco e o colorido separando a vida e a agonia de um soldado reduzido a um torso em combate durante a 1ª Guerra Mundial. Por meio de um monólogo interior, somos testemunhas do que foi a vida do jovem soldado e acompanhamos o que restou do seu corpo numa sala escura de hospital. Baseado na obra homônima de Dalton Trumbo. Duração: 106 minutos
Crítica: Johnny vai à Guerra (Dalton Trumbo, 1971)
Extraído de http://www.cinemaclassico.com/index.php?option=com_content&view=article&id=104:johnny-vai-a-guerra-por-ricardo-steil&catid=44:colaboradores&Itemid=75
Odeio guerras — tenho pavor a esta. Sei que brincava quando menino de soldado — como todo menino brinca. Mas, jamais, mesmo na minha inocência, apoiaria tamanha desgraça. Uma maldição que só traz prejuízos e infortúnios a nossa civilização — e, por incrível que pareça, vendida é, como se fosse a consagração dos heróis, um benefício para a humanidade.
A guerra... os senhores da guerra... com suas inúmeras desculpas: necessário se faz derramar sangue para assim obtermos a paz... Estamos defendendo aquele pequeno país petrolífero de terroristas... Oh, por favor, não visamos os poços que lá existem, não visamos baratear a gasolina em nosso país, por favor, não pensem assim... É, esquecemos algumas minas na África, mas, o que vocês queriam que fizéssemos, sacrificássemos nossos soldados, tanques, a procura de uma ou duas... mil minas?
Calhordas, patifes, animais sem alma e coração!
As primeiras cenas de guerra que assisti — guerra de verdade, não de cinema —, foram às transmitidas pela Rede Globo — entre 1990 e 1991 —, precisamente a Guerra do Golfo — você deve estudar sobre ela hoje em dia. Bem, eu nunca estudei sobre esta: assisti a carnificina “ao vivo” pela televisão (gritos, mísseis, clarões em meio às trevas da noite).
E a cada cena — seja dos iraquianos presos ou soldados americanos que sofreram nas mãos dos primeiros —, ficava chocado com a crueldade sem significado que ocorria (se é que a crueldade pode ter um motivo/significado).
Por isso, hoje quero falar de um filme — que todo soldado, todo o senhor da guerra, todo o cidadão — deveria assistir pelo menos uma vez na vida — aviso, não é um filme leve, mais chocante e atormentado — lançado em 1971: Johnny Vai À Guerra (Johnny Got His Gun), na verdade, mais do que um filme: um grito contra toda e qualquer guerra.
Primeiro o Romance
Era para durar um mês, era para terminar logo, a Primeira Grande Guerra. E lá iam eles, jovens garotos ingleses para as cabines de alistamento, levando consigo a propaganda de que aquele campo, aquelas trincheiras, eram locais de heroísmo, bravura, aventura e emoção. Mas, a guerra não terminou em um mês... nem nos próximos trinta, sessenta, noventa dias consecutivos, ela prosseguiu. E lá estava, toda uma geração de meninos, em meio a trincheiras, tendo ratos correndo aos seus pés, com febre, doenças, matando para não serem mortos — o lado oposto, também assim pensava.
Quando o horror terminou, quando os corpos que ainda podiam ser enterrados, assim foram. O mundo hasteou a bandeira — tampou ouvidos, fechou os olhos para o horror, e continuou em frente, sem levar consigo lembranças daqueles dias, ou pelo menos, fingindo já não mais lembrar de tais.
Hollywood também emudeceu — fez-se cego e surdo —, isto é, até que 1924 os grandes produtores souberam de uma peça chamada O Preço da Glória de Maxwell Anderson e Laurence Stallings, que fizera enorme sucesso, e, resolveram investir suas fichas em produções que retratassem “os áureos tempos de bravura”.
Claro, que por mais realista que parecessem estas películas — algumas muito, mas, muito boas, como no caso de Wings (Asas), o momento máximo de Clara Bow como atriz, e Sem Novidade No Front — o sofrimento vivido, a dor, não eram expostos até a medula. E assim, seria por muito tempo.
Numa manhã qualquer, um jovem inglês — nascido em 1905 — de nome Dalton Trumbo é tomado de sobressalto por um artigo no jornal, que relata a visita a um hospital de veteranos da guerra pelo príncipe Wales, que desejava conhecer um soldado em especial. O que havia de tão especial assim neste? Bem, o mesmo perdera todos os membros e sentidos durante a guerra, e jazia sobre uma cama tinha anos no Canadá.
Tendo por fio condutor esta idéia, Dalton escreveu o maior manifesto pacifista que se tem notícia até hoje, intitulado Johnny Vai À Guerra (Johnny Got His Gun, em inglês no original) — algo que Roger Walters, tentou fazer quando ainda membro do Pink Floyd, no muito criticado Final Cut. O título tem um significado mais forte em língua materna, pois, era usado para incentivar a juventude americana — isto no final do século dezenove —, a se alistarem — podemos traduzir como: Joãozinho Pegue Aquela Arma, ou algo semelhante.
Sucesso imediato de crítica e público, fez com que seu autor ganhasse um grande prêmio literário — ironicamente, dois dias após receber este, uma nova guerra explodia — tão aterradora e cruel quanto a de 1914 —, o mundo não ouvira a mensagem. Tal como o personagem de Trumbo, as nações estavam cegas, surdas e mudas. O resultado seria o Holocausto, as bombas nucleares, logo mais, a Guerra Fria, da Coréia, Vietnã...
Enquanto o mundo “enlouquecia”, o Governo acusava Dalton de “comunista”, e durante anos, veio a ser perseguido por este. Entre investigações, depoimentos, foi levando a sua vida, contribuindo para com a sétima arte em obras como Spartacus e A Princesa e o Plebeu — sua habilidade como escritor, fora-lhe muito útil enquanto roteirista, garantido-lhe o sustento. Mas, a necessidade de alerta o mundo para o horror das guerras, ainda gritava dentro de seu peito. E o grito tornou-se insuportável naquele ano de 1971, quando a claquete fez audível, e como diretor ele pediu: silêncio no estúdio... gravando.
Imagens Que Valem Mais Do Que Palavras — Sinopse
Você conhece aquele velho ditado: “uma imagem vale mais do que mil palavras”? Pois, Johnny Vai À Guerra (1971), pode ser exemplo para tal.
Trumbo adaptou o livro escrito por ele em 1939 para a tela — conheço os dois. Sinceramente, o romance fica no chinelo quando transportado para o filme. As cenas tornaram-se ricas, mais emocionantes. Parte graças a uma idéia genial (o que tecnicamente chamamos de dois planos): o presente, o sofrimento atual vivido pelo personagem, é representado em preto e branco. Enquanto suas alucinações, flashbacks, sonhos, surgem em cores. E você reza para que a tela mantenha-se colorida, pois, o presente é aterrador: um torso apenas em uma cama, cercado de médicos. Um ser humano vivo, preso dentro de si, sem braços, pernas, olhos, ouvidos — nada. Ele sente tocarem em seu corpo, ou melhor, no que resta do seu corpo, mas não há meio de se comunicar. E o desespero só aumenta, enquanto conhecemos como o fato ocorreu, através de suas memórias.
Estando em meio da guerra, Joe Bonham (nome completo do personagem) tenta fugir de uma trincheira no intuito de não ser morto. Porém, antes assim fosse, pois, ao pisar numa mina, seu jovem corpo é reduzido a quase nada. Como dito anteriormente: seus braços, pernas, foram arrancados. Sua face destruída (a mina arrancou seu maxilar). Está cego, surdo e mudo também.
Quando aquele resto de ser humano chega ao hospital — dá arrepios só de recordar a cena. Faço aqui, uma confissão: assisti o filme uma única vez, de tão chocante que este foi —, os médicos não sabem o que fazer, pois, não há meio de saber se ele está vivo ou em coma profundo. De modo que, este passa a ser mais um objeto de curiosidade/estudo, do que um paciente na verdade.
Os dias transcorrem. Certa manhã, o soldado acorda — todavia, não há meio de informar aos que estão ao seu redor que ele não está em coma, pois, vê-se preso em seu próprio corpo.
O desespero é imenso. O suicídio parece à única fuga. Mas, até isto dele foi tirado, fora-lhe feito uma traqueostomia. Explico: os médicos fizeram uma pequena abertura na traquéia do paciente. Logo depois, introduziram nesta um pequeno tubo, geralmente de plástico, possibilitando assim a passagem de ar. Como, o personagem não tinha braços, não havia meio de tirar esta, o sufocamento torna-se impossível.
Sem possibilidades de escapar da sua prisão, resta apenas a ele relembrar sua vida — aqui entram as cores — até o fatídico dia.
Conhecemos o menino sorridente e sua família. A linda namorada. Seus sonhos. O porque alistou-se: “queria lutar pelo bem da pátria”, a destruição do seu corpo.
Entre suas memórias, Joe passa a ter delírios. Outro flagelo a atormentar-lhe em sua própria prisão.
Certa manhã, nota que pode movimentar o que sobrou-lhe da cabeça e, tenta se comunicar com o mundo exterior golpeando-a sem piedade contra a cama, enviando um S.O.S. contínuo, até a exaustão.
É a cena mais marcante do filme. A enfermeira ao seu lado na cama, vendo-o contorcer-se desesperadamente.
Leva tempo, até perceberem o que ele quer dizer. Os médicos pensam ser convulsões. Isto é, até o momento que notam serem um tanto quanto sincronizadas aquelas batidas.
Quando consegue resposta e, fica sabendo o que lhe ouve, faz um apelo: que o mostrem ao mundo, no intuito de conscientizar a humanidade do quão horrível é a guerra, ou que o matem, pois, não suporta mais ficar preso dentro de si.
Premiada em Cannes no ano de 1971 (Prêmio Especial do Júri/Prêmio da Crítica), a película foi banida do nosso país em tempos de Ditadura — os militares não gostaram nada do que viram. As poucas fitas que rodaram por aqui, eram contrabandeadas, ou cópias de cópias de cópias — a maioria das vezes sem legenda. O que em si, não tirava o poder das imagens.
Hoje, a obra-prima de Trumbo está disponível em DVD — o preço ainda é meio salgado, mas dá pra ser encontrado via Internet.
Em agosto deste ano. Johnny Vai À Guerra, foi eleito pela revista Aventuras Na História (Editora Abril), um dos cem maiores filmes de guerra de todos os tempos. Ficou em centésima posição, sendo que a revista abre com Apocalipse Now (retrato da loucura da desumanização dos soldados).
Nada mais justo: ambos refletem que a guerra não leva a lugar nenhum. A lugar nenhum mesmo.
Descanse em paz, Joe. Descanse em paz.
terça-feira, 27 de julho de 2010
Mostra de Cinema Africano é adiada para o mês de setembro
O tema do mês de agosto será Grandes Clássicos do Faroeste, com a seguinte programação:
07/08: O Grande Roubo do Trem (Edwin S. Porter, 1903) - Curta; Johnny Guitar (Nicholas Ray, 1954) - Longa
14/08: Rio Bravo (Howard Hanks, 1948)
21/08: Era uma vez no oeste (Sergio Leone, 1968)
28/08: Os Imperdoáveis (Clint Eastwood, 1992)
sexta-feira, 23 de julho de 2010
24/07: Alice (Jan Svankmajer, 1988)
Jan Švankmajer e o grotesco
Aqui, me detenho especialmente naquelas considerações tecidas por Wolfgang Kayser, em seu texto clássico sobre o tema - Das Grotesk. Seine Gestaltung in Malerei und Dichtung, de 1957 -, na conclusão do qual o autor enumera três épocas da história do Ocidente nas quais o Grotesco se manifestou com particular insistência: a) o século XVI; b) o período compreendido entre o Sturm und Drang e o Romantismo; e c) a época moderna. Esses três momentos históricos tem em comum o fato de serem eminentemente críticos: neles, os valores aceitos em períodos anteriores foram rejeitados de maneira sistemática e as imagens de um mundo fechado ou de qualquer ordem abrigante tiveram pouca eficácia. Não por acaso, as obras de Švankmajer dialogam estreitamente com a produção artística desses três períodos e será justamente através da análise tripartida desse diálogo que eu pretendo discutí-las no que se segue.
Começo do mais recente para o mais antigo. No contexto de suas relações com a arte do século XX, é fundamental situarmos a obra de Švankmajer no fluxo do pensamento estético surrealista. Coincidentemente, o artista nasceu no mesmo ano em que foi formado o grupo surrealista checo - 1934. Švankmajer dele se tornaria membro atuante, juntamente com sua esposa e freqüente colaboradora, Eva Švankmajerová, após conhecer, em 1970, o escritor Vratislav Effenberger, líder intelectual do grupo. Aqui, é útil frisar que, na República Checa, diferente do que aconteceu na Europa Ocidental, o Surrealismo não se extinguiu às vésperas da 2a Guerra Mundial: muito pelo contrário, de forma análoga à continuidade dada ao movimento com a imigração de alguns de seus mais importantes adeptos para os Estados Unidos, o Surrealismo na República Checa conservou, até muito recentemente, uma singular vitalidade - inclusive, poder-se-ia dizer, mais 'subversiva' do que em seus anos iniciais, se considerarmos a sombria situação política do país, submetido por décadas ao controle do Partido Comunista, com a sua notória intolerância com relação a qualquer crítica ou dissidência ideológica.
Diversos motivos são recorrentes no trabalho de Švankmajer e no dos mais diversos surrealistas, como, por exemplo, a comida, o canibalismo, os manequins ou elementos inspirados no mundo dos sonhos. A relação do Grotesco com os sonhos também é das mais estreitas, como já deixava intuir uma de suas designações primevas, sogni dei pittori (sonhos dos pintores). Nesse sentido, vale a pena lembar como Švankmajer frisou várias vezes a importância fundamental do mundo onírico e do inconsciente no seu processo criativo, tal qual no seguinte trecho de uma entrevista, dada quando do lançamento de seu longa-metragem Otesánek (2000):
[Meu subconsciente] é uma prioriade. Na verdade, prefiro o termo não-consciente. O que quer que emerja de meu subconsciente eu uso porque considero ser uma forma pura, já que tudo o mais no nosso consciente foi influenciado pela realidade, pela arte, pela arte e por nossa educação, mas as experiências originais que existem dentro de nós são as menos corrompidas de todas as experiências.
Além das afinidades temáticas, existem inúmeras referências explícitas a obras surrealistas nos filmes de Švankmajer. O curta-metragem O Apartamento (Byt, 1968) é pródigo nesse sentido: nele, vemos o herói anônimo ser arremesado para o interior de um quarto que, parafraseando o humor das antigas comédias de Hollywood, contra ele conspira com seus objetos: o espelho se recusa a refletir a sua face, mostrando apenas o verso de sua cabeça - exatamente como no quadro Reprodução proibida (1937) do belga René Magrite [Figura 1]; a caneca ou a cadeira mudam de tamanho capriciosamente, crescem e diminuem de maneira que o herói não pode utilizá-las; a colher, repleta de furos, não contêm a sopa; o ovo é tão duro a ponto de quebrar de poder furar a mesa; uma lâmpada de vidro pode abrir, como um aríete, um rombo na parede de tijolos. Essa alucinante sequência de incongruências gera um efeito eminentemente grotesco, como as imagens em diversos poemas surrealistas
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Reprise dos mais votados do Primeiro Semestre de 2010 - 21/07: Amores Brutos (Alejandro G. Iñarritu, 2000)
Sinopse
terça-feira, 13 de julho de 2010
Reprise dos mais votados do Primeiro Semestre de 2010 - 14/07: Os Companheiros (Mario Monicelli, 1963)
Sinopse
sexta-feira, 9 de julho de 2010
10/07: Medo e Delírio em Las Vegas (Terry Gilliam, 1998)
Um jornalista e seu advogado, em busca do tão famoso "Sonho Americano" chegam a Las Vegas entorpecidos por drogas para cobrir um evento esportivo para uma revista. Baseado na obra Medo e Delírio em Las Vegas - Uma jornada selvagem ao coração do sonho americano de Hunter Thompson. Duração: 118 minutos
Crítica: Medo e Delírio em Las Vegas (Terry Gilliam, 1998)
Extraído de http://www.cinereporter.com.br/dvd/medo-e-delirio/
O truque de Gilliam é simples, mas radical: ele traduz em imagens, em uma seqüência caótica de imagens malucas, um final de semana chapado que Thompson passou na cidade dos cassinos, em 1972. O repórter foi enviado pela revista Rolling Stone para cobrir uma corrida de motos. Junto com o advogado Dr.Gonzo, ele lotou o porta-malas do conversível vermelho com todos os tipos de drogas imagináveis, de éter a mescalina, de maconha a LSD, de cocaína a heroína, e se mandou para a cidade. O objetivo: permanecer chapado pelo máximo de tempo que conseguisse. E dane-se a corrida de motos.
O grande achado de Terry Gilliam foi narrar as peripécias da tresloucada dupla da mesma maneira distorcida com que os dois viam o mundo. O resultado é uma série de encontros hilariantes (com um caroneiro, uma garçonete, policiais). À medida que a dupla vai variando o tipo de droga, Gilliam imprime ao filme mais ou menos o tipo de efeito provocado por ela. A narrativa fica frenética quando eles consomem cocaína, lânguida quando a droga da vez é a maconha, e completamente alucinada quando eles tomam ácido. A certa altura, já paranóico de tanto tomar drogas, Raoul Duke (um Johnny Depp careca, interpretando o alter-ego de Hunher Thompson) começa a ver as pessoas como se fossem lagartos gigantes que andam sobre duas patas.
Na segunda metade, o longa-metragem ameaça sair dos trilhos e se tornar uma viagem sem sentido, mas o diretor evita esse desastre jogando o foco da narrativa nos diversos encontros fortuitos que os dois companheiros estabelecem com as pessoas de Las Vegas. Claro, isso não retira “Medo e Delírio” do rol de obras polêmicas que têm potencial para desagradar profundamente a públicos mais conservadores. Aliás, conservadores não no sentido político e/ou comportamental, mas sim no sentido cinematográfico.
Por outro lado, a coragem e a vontade de Terry Gilliam tinha de fazer o filme transpira das imagens ensolaradas e de cores vibrantes. O projeto é tão arrojado que conseguiu até mesmo passar por cima do tradicional e hegemônico discurso anti-drogas de Hollywood. Nesse sentido, “Medo e Delírio” guarda alguma semelhança com “Trainspotting”; embora tenha menos hype e mais loucura do que o filme de Danny Boyle, possui a mesma postura politicamente incorreta. Gilliam até mesmo arrisca uma explicação, através da epígrafe do filme: “Aquele que faz de si um animal se livra da dor de ser humano”.
A frase, para os mais conectados, traduz a essência da famosa carta escrita pelo poeta Arthur Rimbaud (outro maluco de carteirinha e amante de substâncias proibidas), onde defendia que só depois de experimentar de tudo um homem poderia de fato alcançar um patamar superior de iluminação espiritual. Claro que alguns podem achar que isso é mero papo filosófico- cabeça dos doidões para justificar as pirações – e Gilliam sabiamente evita qualquer tipo de discurso moral para as ações dos seus protagonistas. Ambos são interpretados com garra por Del Toro (que engordou mais de 20 quilos para o papel) e Depp (sem cabelos e pitando uma nojenta cigarrilha na maior parte do filme). Ao final, quando os créditos descem uma estrada de Las Vegas ao som de “Jumping Jack Flash”, dos Rolling Stones, só resta admirar o trabalho desse grupo de talentos que, juntos, têm a coragem de fazer essa maluquice deliciosa, sem preocupações politicamente corretas, o que por si só é digno de elogio.
terça-feira, 6 de julho de 2010
Reprise dos mais votados do Primeiro Semestre de 2010 - 07/07: Cantando na Chuva (Gene Kelly & Stanley Donen, 1952)
sexta-feira, 2 de julho de 2010
03/07: Fahrenheit 451 (François Truffaut, 1966)
Crítica: Fahrenheit 451 (François Truffaut, 1966)
Extraído de http://www.radames.manosso.nom.br/critica/index.php/256-filmes/criticas/81-fahrenheit-451
Embora seja um filme que enaltece a palavra escrita, os créditos de Fahrenheit 451 são dados em áudio. Essa forma atípica de começar um filme anuncia o enredo, que trata de uma sociedade futurista em que a palavra escrita é condenada e os livros são proibidos porque trazem infelicidade às pessoas. O filme é baseado em romance homônimo de Ray Bradburry, escritor americano de ficção com grande sensibilidade para questões humanas.
Montag é um bombeiro devotado ao trabalho e prestes a ser promovido. Os bombeiros na sociedade do filme não apagam incêndios, até porque as casas são à prova de fogo. A função deles é procurar e queimar livros, que entram em combustão aos 451 ºF (ou 233 ºC). Os livros são considerados uma ameaça à sociedade e Montag os queima confiante que isso é uma ação natural praticada desde tempos imemoriais. Mas um dia ele conversa com sua jovem vizinha, que coloca algumas sementes de subversão em sua cabeça de bom moço. Ela pergunta a Montag se ele já leu algum dos livros que queima. Depois disso, Montag começa a questionar o seu mundo perfeito, sua esposa perfeita, seu trabalho perfeito e todo esse questionamento o levará literalmente ao fim da linha.
Algumas pessoas adoram odiar a tecnologia. A distopia de Fahrenheit 451 se passa em um mundo em que a tecnologia é onipresente. As pessoas vão ao trabalho em trens suspensos. As casas são à prova de fogo, as portas abrem e fecham automaticamente, há uma enorme televisão widescreen na sala e telefones em todos os cômodos. Nada que impressione o espectador da atualidade. Talvez nossa vida hoje seja mais marcada pela tecnologia do que a mostrada no filme. Mas o que se entende, ao assistir Fahrenheit 451 é que a tecnologia é um dos pilares do sistema de controle da sociedade totalitária ali retratada. A desconfiança em relação à tecnologia, embora paranóica em alguns casos, tem sua razão de ser. Os europeus, em especial, viveram experiências amargas em que a tecnologia esteve a serviço de máquinas de guerra totalitárias. O segundo pilar da sociedade do filme é a massificação. As pessoas moram em pombais, fazem as mesmas coisas, têm as mesmas perspectivas e há um grande medo de ser diferente dos outros. Todos escondem seus sentimentos para criar uma fachada de bem estar e acham natural usar drogas medicinais para resolver seus os seus problemas psicológicos. Os homens são funcionários exemplares e as mulheres, donas de casa dedicadas. O conformismo é a virtude mais apreciada nessa sociedade de puxa-sacos, delatores e papagaios repetidores de frases prontas. A repressão ao pensamento crítico é o terceiro fundamento da sociedade retratada no filme e a queima dos livros é o ritual pelo qual essa repressão se manifesta.
Algumas pessoas podem achar Fahrenheit 451 um filme de intelectuais para intelectuais. Sim, há um elogio aos intelectuais no filme. Eles são os homens-livro e o filme é uma declaração de amor aos grandes livros que a humanidade produziu. Há uma crença no poder dos livros e na resistência guerrilheira dos intelectuais para salvar o mundo, o que pode soar ingênuo, mas ingenuidade mesmo seria duvidar da importância da alta cultura para a sociedade.
Fahrenheit 451 não tem aquele ambiente pesado de outras distopias futuristas do cinema como 1984 ou Matrix. Por retratar uma sociedade fria e robotizada, também não há uma grande tensão emocional no ar. É um filme que leva à reflexão e isso ele faz muito bem. A sociedade mostrada no filme estará muito distante da realidade? Provavelmente, o mundo real é mais cruel em muitos pontos do que a ficção de Fahrenheit 451. Sim, no mundo real a cultura é maltratada e se queima livros das mais variadas formas e isso não é uma característica exclusiva de ditaduras totalitárias. Altas taxas de analfabetismo equivalem a queimar livros. Deixar a cultura sem incentivos é como queimar livros. Felizmente, sempre existiram os homens-livro que lutam contra toda sorte de dificuldades para preservar a palavra.