sábado, 22 de setembro de 2012

22/09: Marcas da Violência (David Cronenberg, 2005)

Marcas da Violência - David Cronenberg (2005)

Sinopse
Tom Stall mora com sua esposa Edie e seus dois filhos na pequena cidade de Millbrook, no estado de Indiana. Certo dia, Tom percebe um assalto em andamento em seu restaurante e mata os assaltantes para defender seus clientes. Depois disso, passsa a ser visto por muitos como um herói e a mídia passa a incomodá-lo. Porém, o que Tom não esperava é que um homem chamado Carl Fogarty lhe procurasse para acusá-lo de ter lhe feito um grande mal no passado. Duração: 96 minutos

sábado, 8 de setembro de 2012

08/09: Gêmeos - Mórbida Semelhança (David Cronenberg, 1988)

Gêmeos - Mórbida Semelhança - David Cronenberg (1988)

Sinopse
A deprimente história de gêmeos idênticos, ambos ginecologistas -- o cortês Elliot e o sensível Beverly, lados bipolares de uma só personalidade -- que compartilham a mesma profissão, o mesmo apartamento, as mesmas mulheres. Quando uma nova paciente, a fascinante atriz Claire Niveau, abala esse estranho vínculo, eles afundam em um redemoinho de confusão sexual, drogas e loucura. A impressionante atuação de Jeremy Irons -- no papel de ambos os gêmeos -- levanta questões perturbadoras sobre a natureza da identidade pessoal.  Duração: 117 minutos

sábado, 1 de setembro de 2012

01/09: Videodrome (David Cronenberg, 1983)

Videodrome - David Cronenberg (1983)

Sinopse
Max Renn, o dono de uma pequena emissora de televisão a cabo, capta imagens de uma "snuff", que seriam cenas de pessoas que eram realmente torturadas e mortas. Inicialmente os sinais pareciam vir da Malásia, mas depois descobre-se que eram gerados em Pittsburgh. Gradativamente Max fica sabendo que esta transmissão se chama Videodrome, que na verdade é muito mais que um mórbido show de televisão e sim um experimento que usa as transmissões regulares de televisão para alterar permanentemente as percepções de quem as vê, causando danos no cérebro. Max começa a sofrer efeitos bizarros e alucinógenos destas transmissões, se vendo no meio das forças que criaram e querem controlar o Videodrome. Mas Max descobre que seu corpo pode ser a última arma que poderá usar contra seus inimigos. Duração: 90 minutos.

sábado, 25 de agosto de 2012

25/08: Código Desconhecido (Michael Haneke, 2000)

Código Desconhecido  - Michael Haneke (2000)

Sinopse
A narrativa é divida entre três grupos de pessoas: a atriz francesa Anne Laurent (Juliette Binoche), o marido dela e sogros; uma romena, Maria (Luminita Gheorghiu), luta para ter dinheiro para sua família voltar para casa; e Amadou (Ona Lu Yenke), um professor para crianças surdas-mudas que está em conflito com seu clã africano. O catalisador das histórias começa numa esquina, onde o cunhado de Anne, Jean (Alexander Hamidi), insulta Maria, que implora ajuda. Amadou, enraivecido, provoca uma briga com Jean, resultando em repercussões negativas para os três grupos. Duração: 118 minutos

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

11/08: Cópia Fiel (Abbas Kiarostami, 2010)

Cópia Fiel - Abbas Kiarostami (2010)

Sinopse
James Miller (William Shimell) é um filósofo inglês que vai a uma pequena cidade da Toscana apresentar seu livro sobre o valor da cópia na arte. Chegando lá, encontra Elle (Juliete Binoche), uma francesa que é dona de uma galeria de arte há muitos anos, que vive com seu filho pré-adolescente (Adrian moore). Eles passam a tarde juntos. Ao mesmo tempo em que vão se conhecendo, começam a desenvolver um complexo jogo de interpretação de personagens. Duração: 106 minutos.

Crítica: Cópia Fiel (Abbas Kiarostami, 2010)


por Marcelo  Hessel

Se a qualidade de uma obra de arte depende do contexto e está nos olhos de quem a vê, argumenta o escritor inglês James Miller (William Shimell) no começo de Cópia Fiel (Copie Conforme, 2010), então uma falsificação pode ter a mesma validade do original. É como a imagem da Coca-Cola reinventada pela pop art, diz ele, que está na Toscana para divulgar o seu livro, intitulado justamenteCópia Fiel.

Em seu primeiro filme rodado fora do Irã, o mais importante cineasta do país, Abbas Kiarostami, parte desse princípio de Miller para legitimar a sua homenagem a Viagem à Itália. Como no clássico de 1954 de Roberto Rosselini, temos o que normalmente seria uma pequena questão burguesa - os problemas de relacionamento de um casal - amplificada pela concha acústica que é a história da arte europeia. Uma obra depende de seu contexto: entre os muros da Itália, as pequenezas da vida a dois se tornam material de um drama maior.

James Miller precisa voltar para a Inglaterra, mas antes aceita de Elle (Juliette Binoche), uma francesa dona de galeria que há anos vive na Itália com seu filho, um convite para passear pelas ruazinhas da comuna de Lucignano. Passando por um café, os dois são confundidos como marido e mulher, e por brincadeira passam a encenar esses papéis. O momento dessa virada é essencial: James e Elle por uma viela antes deserta, mas que de repente se enche de varais e mulheres e barulhos de bebês. É como se atravessassem um portal para o neorrealismo.

Kiarostami diz que cada um deve interpretar a obra como quiser, mas é inegável que duas obsessões de sua cinematografia iraniana seguem preservadas aqui: as mulheres e o tempo. Em filmes como Gosto de Cereja (1997), a obra que transformou Kiarostami em grife e o cinema iraniano em moda, percebe-se mesmo no mais seco monte de terra o acúmulo do tempo. O tempo, inscrito na paisagem, é que molda os homens. Mas com as mulheres é diferente. Elas vivem no Irã em uma espécie de estado de suspensão, numa semiclandestinidade, e sobre elas o tempo não parece agir. É uma condição trágica, no fundo, e Kiarostami tem passado anos fazendo filmes com close-ups de mulheres para tentar socorrê-las.

Na Europa de Viagem à Itália e de Cópia Fiel, o secularismo permite um acúmulo do tempo distinto do iraniano. É o tempo, por exemplo, que cerca James à esquerda e à direita na cena da foto com a noiva. Lucignano surge constantemente em espelhos, janelas, romanceada por velas, por não dá pra negar a História. Mas enquanto James Miller filosofa contra o "eterno" da arte, contra a mistificação, porque afinal logo retornará para a Inglaterra, a francesa Elle está sofrendo no rosto o peso dos anos mal vividos. Fora do Irã, é sobre as mulheres que age o tempo de Kiarostami.

E se o diretor apega-se ao close-up de Juliette Binoche, que nunca esteve tão bonita e tão vulnerável, é para entender por que tanto sorri essa sua Mona Lisa.

sábado, 4 de agosto de 2012

04/08: Elles (Malgorzata Szumowska, 2011)

Elles - Malgorzata Szumowska (2011)

Sinopse
Jornalista de uma grande revista voltada para o público feminino, Anne (Juliette Binoche) trabalha em uma matéria sobre a prostituição estudantil. Ela consegue os depoimentos de duas estudantes de Paris, Alicja (Joanna Kulig) e Charlotte (Anaïs Demoustier), que abrem suas vidas sem pudor ou vergonha. Tais confissões acabam ecoando no dia a dia de Anne e interferindo em seus relacionamentos pessoais. Duração: 96 minutos.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Programação Agosto de 2012: Juliette Binoche

No mês de agosto, a encantadora atriz francesa Juliette Binoche ganha uma mostra especial com quatro filmes estrelados por ela aqui no Cine Clube Ybitu Katu.

04/08: Elles (Malgorzata Szumowska, 2011)
Jornalista de uma grande revista voltada para o público feminino, Anne (Juliette Binoche) trabalha em uma matéria sobre a prostituição estudantil. Ela consegue os depoimentos de duas estudantes de Paris, Alicja (Joanna Kulig) e Charlotte (Anaïs Demoustier), que abrem suas vidas sem pudor ou vergonha. Tais confissões acabam ecoando no dia a dia de Anne e interferindo em seus relacionamentos pessoais. Duração: 96 minutos.

11/08: Cópia Fiel (Abbas, Kiarostami, 2010)
James Miller (William Shimell) é um filósofo inglês que vai a uma pequena cidade da Toscana apresentar seu livro sobre o valor da cópia na arte. Chegando lá, encontra Elle (Juliete Binoche), uma francesa que é dona de uma galeria de arte há muitos anos, que vive com seu filho pré-adolescente (Adrian moore). Eles passam a tarde juntos. Ao mesmo tempo em que vão se conhecendo, começam a desenvolver um complexo jogo de interpretação de personagens. Duração: 106 minutos.

17/08: Os Amantes da Pont-Neuf (Leos Carax, 1991)
Pont-Neuf, a ponte mais antiga de Paris, serve de abrigo para muitos sem-teto. É lá que Alex (Denis Lavant) conhece Michele (Juliette Binoche). Ela é uma pintora de classe média que, fugindo de um relacionamento que não deu certo, decidiu viver nas ruas para pintar o máximo possível antes que fique cega em função de uma doença. Alex ganha alguns trocados fazendo perfomances circenses, mas é viciado em álcool e sedativos. Eles se tornam amigos e amantes e dividem as duras experiências cotidianas das ruas. O relacionamento entre os dois acaba se tornando uma dependência, e o medo de um perder o outro começa a se tornar massacrante. Duração: 120 minutos.

25/08: Código Desconhecido (Michael Haneke, 2000)
A narrativa é divida entre três grupos de pessoas: a atriz francesa Anne Laurent (Juliette Binoche), o marido dela e sogros; uma romena, Maria (Luminita Gheorghiu), luta para ter dinheiro para sua família voltar para casa; e Amadou (Ona Lu Yenke), um professor para crianças surdas-mudas que está em conflito com seu clã africano. O catalisador das histórias começa numa esquina, onde o cunhado de Anne, Jean (Alexander Hamidi), insulta Maria, que implora ajuda. Amadou, enraivecido, provoca uma briga com Jean, resultando em repercussões negativas para os três grupos. Duração: 118 minutos.

sábado, 28 de julho de 2012

28/07 - Euphoria (Ivan Vyrypayev, 2006)

Euphoria - Ivan Vyrypayev (2006)

Sinopse
Em alguma região inóspita da Rússia, Vera e Pasha trocam olhares em uma festa de casamento. Vera é casada com Valeri e tem uma filha pequena, o que não impede Pasha de procurá-la para esclarecer por qual motivo trocaram olhares naquele dia. É quando uma mordida de cachorro abruptamente transforma a vida de todos. Duração: 71 minutos.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

07/07 - Stalker (Andrey Tarkovsky, 1979)

Stalker - Andrey Tarkovsky (1979)

Sinopse
“Quando o homem nasce, é fraco e flexível; quando morre é impassível e duro. Quando uma árvore nasce, é tenra e flexível; quando se torna seca e dura, ela morre. A dureza e a força são atributos da morte; a flexibilidade e a fraqueza são a frescura do ser. Por isso, quem endurece, nunca vencerá…” (Stalker)

Sinopse: Ninguém sabe explicar como surgiu "A Zona", um lugar estranho, cercado por soldados e arame farpado. Muitos tentam entrar, pois acreditam que lá dentro encontrarão um local onde os desejos secretos de cada um se tornam realidade. Mas apenas alguns marginais conhecidos como “stalkers”, dotados com poderes telepáticos, sabem evitar as armadilhas espalhadas e penetrar nesta zona. Um deles conduz um cientista e um escritor que querem desvendar o mistério, mas a aproximação terá de ser cautelosa. Duração: 163 minutos

Crítica: Stalker (Andrey Tarkovsky, 1979)

por Rodrigo Fisher

Não são poucos os filmes que tentam explorar os vários aspectos da sociedade, e do ser. É ainda menor o número daqueles que tentam explicar o sentido da vida, seja de forma abstrata ou lógica. E são poucos os que conseguem tal façanha. Tomo a permissão de reduzir esse número a dezenas, se contarmos os que além de bons argumentos, forem verdadeiros deleites audiovisuais. Stalker, de Andrei Tarkovsky, é um dos poucos que conseguem flertar com a percepção do ser e estar. Com um pano de fundo ficcional, Stalker explora os campos metafísicos do ser, da esperança, da humanidade. Por metáforas e belos poemas, o longa constrói consigo uma responsabilidade grande, e com o decorrer da trama, somos brindados com a leveza do ser; com a capacidade humana de fé, ou falta dela.

Para se fazerem tais pregações, o longa usa como metáfora a Zona. O estranho e misterioso lugar, que tem a fama de ser a fonte da felicidade. Com isso, um professor e um escritor procuram um Stalker – homem capaz de levar à salvo pessoas à Zona -, para leva-los ao lugar e conseguirem o que buscam. Chegando lá, deparam com uma vegetação mórbida, e pelo caminho até o Quarto – lugar onde a felicidade estaria residida -, os homens enfrentam conflitos exteriores e interiores. 

Os personagens: professor e escritor representam, respectivamente, nossos lados esquerdos – responsável pela parte lógica – e direito – responsável pela parte emocional. Com esse embate de funções, os dois personagens estão em constantes conflitos. Em um desses conflitos, o sentido da vida é posto em discussão, e é proferida pelo Stalker a afirmação de que a música era um exemplo de sentido da vida. A música era a capacidade humana de exercitar o lado lógico e o lado emocional, e desse modo, tocar a alma do ser. Os recursos usados por Tarkovsky também são sublimes. A mudança de coloração, dos tons de cinza da cidade para a multicoloração da Zona é uma alusão à falta de esperança no centro urbano, e consequentemente, a abundância dela na natureza crua. 

Sobre a concepção da Zona, vale ressaltar a cena em que a câmera transpassa pelo solo do lugar, e com isso, nos é mostrado todos os valores da sociedade sobre as águas. Símbolos religiosos, dinheiro, armas, tudo o que o ser humano dá valor, na Zona, está destruído. Com isso, temos a idéia de que a Zona simboliza um lugar de inversão de valores. Certo ponto, um dos personagens cogita a possibilidade de se mudar para o lugar, assim não teria as preocupações dos centros urbanos, devido à calma ali encontrada. Além de tudo, a Zona é seletiva, deixando apenas entrarem os oprimidos, os infelizes, mas permitindo a estadia apenas aqueles que respeitarem as regras por ela impostas. 

Por fim, o filme trata da busca do ser humano por um lugar de paz, um lugar que dê a paz. E desacreditados, desistem dela por alegarem a falta de lógica. É a descrença humana posta em discussão. Não nos são oferecidas as respostas, mas a busca por elas, assim como a busca dos dois homens pela Zona.

Programação Julho 2012: Cinema Russo: Dos tempos de URSS à Russia Contemporânea

Nesse mês de férias, reservamos quatro filmes representativos da história do cinema russo, desde os tempos de URSS até os dias atuais com a Rússia globalizada.

O Cine Clube Ybitu Katu exibe:


07/07 - Stalker (Andrey Tarkovsky, 1979)
“Quando o homem nasce, é fraco e flexível; quando morre é impassível e duro. Quando uma árvore nasce, é tenra e flexível; quando se torna seca e dura, ela morre. A dureza e a força são atributos da morte; a flexibilidade e a fraqueza são a frescura do ser. Por isso, quem endurece, nunca vencerá…” (Stalker)

Sinopse: Ninguém sabe explicar como surgiu "A Zona", um lugar estranho, cercado por soldados e arame farpado. Muitos tentam entrar, pois acreditam que lá dentro encontrarão um local onde os desejos secretos de cada um se tornam realidade. Mas apenas alguns marginais conhecidos como “stalkers”, dotados com poderes telepáticos, sabem evitar as armadilhas espalhadas e penetrar nesta zona. Um deles conduz um cientista e um escritor que querem desvendar o mistério, mas a aproximação terá de ser cautelosa. Duração: 163 minutos
 
14/07 - A Greve (Serguei Eisenstein, 1925)
 Em 1912, durante o governo do Czar, a greve dos operários de uma fábrica é brutalmente reprimida pela polícia. Propaganda do regime soviético ao denunciar as barbáries do governo anterior. Duração: 82 minutos.

21/07 - Fausto (Aleksandr Sokurov, 2011)
Fausto é um pensador, rebelde e pioneiro, mas também um ser humano anônimo feito de carne e sangue, governado por impulsos internos, cobiça e luxúria. Última parte da tetralogia de Sokurov sobre a natureza do poder, o filme é livremente inspirado no conto Fausto, de Goethe.Duração: 134 minutos.


28/07 - Euphoria (Ivan Vyrypayev, 2006)
Em alguma região inóspita da Rússia, Vera e Pasha trocam olhares em uma festa de casamento. Vera é casada com Valeri e tem uma filha pequena, o que não impede Pasha de procurá-la para esclarecer por qual motivo trocaram olhares naquele dia. É quando uma mordida de cachorro abruptamente transforma a vida de todos. Duração: 71 minutos.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

26/05: Viajo porque preciso, volto porque te amo (Karim Ainouz e Marcelo Gomes, 2009)

Viajo porque preciso, volto porque te amo - Karim Ainouz e Marcelo Gomes (2009)

Sinopse
José Renato (Irandhir Santos) tem 35 anos, é geólogo e foi enviado para realizar uma pesquisa, onde terá que atravessar todo o sertão nordestino. Sua missão é avaliar o possível percurso de um canal que será feito, desviando as águas do único rio caudaloso da região. À medida que a viagem ocorre ele percebe que possui muitas coisas em comum com os lugares por onde passa. Desde o vazio à sensação de abandono, até o isolamento, o que torna a viagem cada vez mais difícil. Duração: 75 minutos

Crítica: Viajo porque preciso, volto porque te amo (Karim Ainouz e Marcelo Gomes, 2009)


Um road movie pelo sertão ou uma poesia sobre a fuga. Viajo por que preciso, volto porque te amo (Brasil, 2009) de Karim Ainouz e Marcelo Gomes, vai além da geografia dos espaços e do valor de uma simples frase de efeito surgida numa parede. Por ser poético e ficcional, sem deixar de documentar o real, pode-se dizer que ainda não se encaixa em um padrão do cinema brasileiro.

Obrigado a estar no banco do passageiro, a primeira cena de Viajo por que preciso, volto porque te amo não esconde ao espectador que embarcará como carona ao lado do geólogo José Renato (Irandhir Santos). Ele tem 35 anos e é enviado ao sertão nordestino a fim de pesquisar as condições para um possível canal que será feito com o desvio de águas de um único rio caudaloso da região. Não vê-se o protagonista em momento algum, ele é apenas uma voz em off que orienta as cenas de um sertão que por horas é o mesmo árido de sempre e por outros momentos é um desconhecido, um grande vazio com luzes noturnas.

José Renato é um apaixonado e ao mesmo tempo foge da decepção dessa paixão. Fazendo referências interessantes de momentos vividos e pequenos detalhes entre ele e sua mulher, o narrador constrói o cenário que assistimos aliando seus pensamentos dia após dia que se afasta (ou se aproxima) de sua casa. Fazemos parte desse diário de viagem.

Durante a odisséia encontra-se os mais estranhos e incríveis personagens que vão moldando os sentimentos do narrador ao longo do caminho. Desses personagens são as prostitutas que têm o dever de preencher o vazio de José Renato, não somente com o sexo, mas com suas histórias e trajetórias. Destaque para Pati que ao ser questionada sobre o que esperava da vida, ela apenas resume querer ¨Uma vida-lazer com sua filha e um companheiro¨.

Tratar o sertão nordestino sem mitologias é um das características mais interessantes dos dois diretores. Construíram, com as experiências anteriores como em Cinema, Aspirinas e Urubus e O Céu de Suely, um novo conceito sobre a região. Afinal, os sertanejos também são afetados pela mídia e pelas desesperanças do urbano, e fugir do imaginário popular sobre a região não é tarefa fácil. Em entrevista com o diretor Jean-Claude Bernardet, Karim Ainouz e Marcelo Gomes, ambos nordestinos, falam sobre a necessidade que sentiam em experienciar, vivenciar de fato, tudo que ouviam e supostamente sabiam da região. Um trabalho, acima de tudo, sensorial.

Viajo por que preciso, volto por que te amo foi gravado num período de aproximadamente 10 anos, partindo de um projeto que inicialmente seria sobre as feiras do interior nordestino. Karim Ainouz e Marcelo Gomes relatam que tinham uma ligação meio mística com as filmagens, mas até 2009 não tinham muita certeza do que fazer, até decidirem que seria um trabalho que envolveria as gravações do sertão mescladas a história de um personagem, o José Renato, muito bem trabalhado na voz de Irandhir Santos.

A fotografia do filme chama bastante a atenção por mesclar imagens de slides, de uma câmera super-8, duas câmeras 16mm (Bolex), uma câmera tcheca (Minockner) e uma mini-DV VX1000 (Sony). Essa mistura resulta numa bonita colagem e visões sensoriais intensas a quem assiste. Viajo por que preciso, volto por que te amo é simples de concepções técnicas, porém se mostra carregado de uma narrativa intensa. Um filme para ser lido, ou uma leitura para ser vista.

A sensação no fim do longa, é a da necessidade de mudança. Zé Renato encara a viagem como uma transmutação do seu sentimento de perda e vazio. Ao vivenciar os 75 minutos dessa trajetória, fica a vontade de ir para qualquer lugar, uma necessidade de fuga que deixa o espectador buscando algo. Uma sensação de querer uma ¨vida-lazer¨ e de abandono quando Zé Renato cessa a sua fala, afinal não vendo o personagem o espectador se confunde com as coisas ditas e vistas por ele. Impossível não sair do cinema não carregando um pouco do geólogo dentro de si. E mesmo que piegas, o espectador ao fim sabe que todos já viajaram porque precisavam e voltaram porque amavam algo ou alguém.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

12/05: Casanova e a Revolução (Ettore Scola, 1982)

Casanova e a Revolução - Ettore Scola (1982)

Sinopse
 1791. Nicolas Edmé Restif de la Bretonne (Jean-Louis Barrault), o controverso escritor e editor, vê a condessa Sophie de la Borde (Hanna Schygulla), a dama de companhia de Marie-Antoinette (Eléonore Hirt), deixar Paris secretamente. Ele conclui que o rei Luís XVI (Michel Piccoli) e sua família já tinham deixado a capital. Determinado em satisfazer sua curiosidade e testemunhar o maior evento histórico de sua vida, o escritor parte em perseguição à condessa, pois assim achará o rei. No caminho conhece um idoso cortesão, que não é nem mais nem menos que Casanova (Marcello Mastroianni), o mestre da sedução, que guarda seu encanto ainda, apesar de ter 66 anos. Por um acaso do destino eles acabam na mesma carruagem onde também estão também Sophie e Thomas Paine (Harvey Keitel), um ativista político americano. Como o cocheiro faz seu trajeto através da cidade de Metz, os viajantes descobrem que eles estão seguindo a mesma rota de outro cocheiro, que leva à família real. Duração: 122 minutos.

Crítica: Casanova e a Revolução (Ettore Scola, 1982)



“Casanova e a Revolução”, do diretor italiano Ettore Scola, faz uma leitura muito particular da Revolução Francesa. O filme, como indica o título original, La nuit de Varennes, se passa durante a famosa tentativa de Luís XVI em fugir da Paris revolucionária, em 1791. Como se sabe, a fuga não foi bem sucedida, o rei foi preso e reconduzido a Paris. O fato ajudou a radicalizar a revolução e acabou resultando no julgamento e assassinato do rei. O filme não retrata exatamente a tentativa de fuga e captura do monarca francês, mas acompanha uma comitiva que seguia seus passos. Nela, seguiam Restif de la Bretonne, um famoso publicista do período, hoje mais conhecido pelo seus livros eróticos (o mais famoso é o Anti-Justine, uma resposta polêmica ao texto do Marquês de Sade), Thomas Paine, uma dama de honra de Maria Antonieta junto com seus consortes e companheiros. No meio do caminho, juntou-se o velho Giacomo Casanova. Por isso, a narrativa está muito mais centrada nos dramas desses indivíduos do que na reconstrução dos eventos políticos que corriam pela França. No filme de Scola, a Revolução serve como uma grande metáfora da velhice. O Casanova do filme, interpretado magnificamente pelo mais genial dos atores italianos, Marcello Mastroianni, é uma pálida figura do que fora no passado (é bem interessante compará-lo com o Casanova de Fellini). O grande sedutor das cortes européias se tornou um homem envelhecido, incapaz de exercer sua arte erótica, vivendo uma existência meio melancólica, uma indiferença com o mundo, quase desligado das paixões mundanas. Seu corpo carcomido pelo tempo, cheio de dores, marcas, rugas, pequenas degradações marca uma substituição da sua antiga dignidade. Tudo que lhe resta é um sábio distanciamento do mundo. Casanova é o símbolo do Antigo Regime que está rapidamente acabando, de um mundo antigo revolucionado por novos hábitos e novos personagens. O grande drama do filme subsiste nisso, na tensão entre um mundo antigo e a juventude do novo. Ettore Scola fala muito mais dessa condição melancólica do homem do que da própria Revolução Francesa. Só que a velhice de Scola, ainda que melancólica, não é trágica. Casanova também representa aquela sabedoria da experiência, tão misteriosa para o nosso mundo, daquele que sabe que a renovação da juventude é a renovação do mundo, e tudo que resta é um sereno sair de cena. Não é gratuito que o título italiano do filme seja Il mondo nuovo. É dessa transação entre o velho e o novo, entre o estável e o revolucionário, que trata o belo filme de Ettore Scola.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

05/04: Qué tan lejos (Tania Hermida, 2006)

Qué tan lejos - Tania Hermida (2006)

Sinopse
Teresa precisa impedir que o ex-namorado se case com outra mulher. Jesus está atendendo o último pedido de sua avó e leva suas cinzas para serem jogadas em um rio. Esperanza é uma turista espanhola que está encantada pelo Equador. No caminho deles, uma greve está paralisando as estradas do país. Em meio à discussões políticas e sentimentais, vários personagens inusitados se cruzam. Eles vão conseguir chegar ao seu destino? Duração: 92 minutos.

Crítica: A nova era do cinema do Equador

por  Alan de Faria


“Qué Tan Lejos”, da diretora Tania Hermida, mostra o choque de duas mulheres com a realidade em ebulição do país 

Cinema produzido no Equador? O que era raro, agora pode se tornar freqüente. Pelo menos é o que pretende a cineasta Tania Hermida, que estreou na direção de longas-metragens com “Qué Tan Lejos” (2006), exibido na última Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e durante o II Festival de Cinema Latino-Americano, também realizado na capital paulista.

E, para alcançar esse objetivo, ela está envolvida, como candidata na lista do governo Rafael Correa, no processo de votação para a Assembléia Constituinte, que irá ocorrer no final de setembro. “Trata-se de uma tarefa nova e complicada, pelo fato de eu estar representando todo um setor da cultura que quer uma transformação profunda na gestão cultural do país”, afirma Hermida, que esteve em São Paulo para o II Festival de Cinema Latino-Americano.

Por meio de reformas, ela espera criar mais campos de trabalho para os novos profissionais audiovisuais. Também professora de cinema da Universidade San Francisco de Quito, capital do Equador, Hermida confessa que tem sido muito interessante assistir ao “nascimento” da cinematografia equatoriana. E ela, também, se surpreende.

Sucesso inesperado

“Qué Tan Lejos” foi considerado um fenômeno em seu país. Além de ter estreado em 14 salas -algo que nunca havia ocorrido com nenhum filme equatoriano-, ficou seis meses em cartaz e levou cerca de 200 mil pessoas ao cinema (o Equador tem 13,2 milhões de habitantes). Inclusive, de acordo com Hermida, em muitas salas, o filme obteve mais público que as produções norte-americanas. “Os números mostraram que os equatorianos querem se ver nas telas dos cinemas”, diz. O filme também foi bem recebido no exterior.

Filmado em cinco semanas, “Qué Tan Lejos” se caracteriza como um “road movie”, assim como “Família Rodante”, do argentino Pablo Trapero, e “Diários de Motocicleta”, do brasileiro Walter Salles. Na história, a estudante equatoriana Tristeza (Celilia Vallejo) e a turista espanhola Esperanza (Tania Martinez) se encontram casualmente em um ônibus que se dirige à cidade de Cuenca. Devido a uma rebelião da população indígena (que representa 40% dos habitantes do país), o transporte rodoviário é interrompido, e elas decidem pegar carona na estrada, mesmo sendo difícil, para chegar ao destino final.

“Sempre quis fazer um filme em que a geografia (os Andes e a costa do Pacífico), que moldou quem eu sou hoje, fosse também um personagem importante”, afirma Hermida. “Desde criança, viajo muito, dentro e fora de meu país, e este 'estar em viagem' me dá a sensação de ser o momento mais fértil para a aprendizagem, porque te obriga a colocar em dúvida todas as suas certezas.”

Ao longo da trajetória, as duas personagens perdem suas idéias feitas sobre o país e se vêem livres de tudo que consideravam importante ou indispensáveis para elas mesmas. “No final da viagem, elas estão 'vazias' e, ao mesmo tempo, prontas para começar a viver outra vez”, conta Hermida. A diretora, aliás, costuma comparar a vida das protagonistas com o atual momento do Equador, “que está em crise e em processo de reinvenção.” No ano passado, o país elegeu como presidente o professor e economista Rafael Correa, de esquerda, alinhado com Hugo Chávez e Evo Morales.

Outra característica marcante de "Qué Tan Lejos" é o antagonismo entre os equatorianos e a turista espanhola, que acha tudo belo, exótico e misterioso no país. Em um dos primeiros diálogos do filme, entre a turista e um taxista, este relembra a história colonial e critica os espanhóis pela exploração das riquezas equatorianas.

Para Hermida, pelo fato de o Equador ser um país jovem, as referências à conquista espanhola ainda são freqüentes. “Acontece que temos que entender que somos frutos desse processo, que foi destrutivo e construtivo”, explica. A Espanha também se faz presente no cotidiano equatoriano pelo fato de ainda representar o “sonho europeu”.

Fazer cinema é um luxo?

Entre 1980 e 2005, somente 12 longas equatorianos em 35 mm foram produzidos. Para Hermida, isso ocorreu devido à lógica neoliberal, vigente durante aqueles anos, para a qual tudo que não é rentável devia ser ignorado pelo país. “Além disso, imperava a idéia de que fazer cinema era um luxo, que só teríamos direito de produzir algo depois de o Equador solucionar a pobreza e a corrupção, considerados problemas mais urgentes.”

A chegada (e o sucesso) de “Qué Tan Lejos” aos cinemas marca um esforço dos realizadores locais. Em 2006, a criação do Conselho Nacional de Cinematografia (CNCINE), primeira entidade pública para a gestão da iniciativa audiovisual do Equador, permitiu a realização de novas produções.

“Foi um feito histórico, uma vez que foi resultado da iniciativa dos próprios cineastas”, diz Hermida. De acordo com Rafael Barriga, crítico de cinema, realizador e diretor de programação do Ocho y Medio, o principal cinema independente do país, em entrevista ao site LaLatina, neste ano, há dois outros longas de ficção em 35 mm prontos no Equador para entrar em cartaz.

Entre outros objetivos, o CNCINE é responsável pela formação e especialização de profissionais, promoção e difusão de filmes e criação de festivais, que acabam sendo importantes ferramentas para a exibição de longas locais e de países vizinhos, como o Brasil, Argentina e Paraguai, por exemplo.

“Eu só consegui assistir aos filmes ‘Dois Filhos de Francisco’ e ‘Cheiro do Ralo’ em festivais. No Equador, há somente cinco salas -uma pública e quatro privadas- onde podem ser vistas produções mais independentes ou que não sejam hollywoodianos”, lamenta a diretora.

De qualquer maneira, Hermida, principalmente devido às mudanças sociais e políticas em seu país, mantém as esperanças. Se o cinema equatoriano já nasceu, ela aguarda agora o seu crescimento.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Programação Cine Clube Ybitu Katu - Maio de 2012: Road Movies

Road movies (filmes de estrada) é um gênero de filme em que a história se desenrola durante uma viagem. Na maioria das vezes, o filme não é regido por uma única situação-problema como é convencional, mas por várias que surgem e são resolvidas conforme e história transcorre.

 O Cine Clube Ybitu Katu exibe:
  
05/05: Que tan lejos (Tania Hermida, 2006) - Equador
Teresa precisa impedir que o ex-namorado se case com outra mulher. Jesus está atendendo o último pedido de sua avó e leva suas cinzas para serem jogadas em um rio. Esperanza é uma turista espanhola que está encantada pelo Equador. No caminho deles, uma greve está paralizando as estradas do país. Em meio à discussões políticas e sentimentais, vários personagens inusitados se cruzam. Eles vão conseguir chegar ao seu destino? Duração: 92 minutos.

12/05: Casanova e a Revolução (Ettore Scola, 1982) - Itália
1791. Nicolas Edmé Restif de la Bretonne, o controverso escritor e editor, vê a condessa Sophie de la Borda, a dama de companhia de Marie-Antoinette, deixar Paris secretamente. Ele conclui que o rei Luís XVI  e sua família já tinham deixado a capital. Determinado em satisfazer sua curiosidade e testemunhar o maior evento histórico de sua vida, o escritor parte em perseguição à condessa, pois assim achará o rei. No caminho conhece um idoso cortesão, que não é nem mais nem menos que Casanova, o mestre da sedução, que guarda seu encanto ainda, apesar de ter 66 anos. Por um acaso do destino eles acabam na mesma carruagem onde também estão também Sophie e Thomas Paine, um ativista político americano. Como o cocheiro faz seu trajeto através da cidade de Metz, os viajantes descobrem que eles estão seguindo a mesma rota de outro cocheiro, que leva à família real.Duração: 122 minutos.

19/05: NÃO HAVERÁ SESSÃO EM DECORRÊNCIA DA VIRADA CULTURAL EM BOTUCATU

26/09: Viajo Porque Preciso Volto Porque Te Amo (Karim Ainouz, 2009) - Brasil
José Renato  tem 35 anos, é geólogo e parte para uma viagem de 30 dias, onde terá que atravessar todo o sertão nordestino. Sua missão é avaliar o possível percurso de um canal que será feito, desviando as águas do único rio caudaloso da região. Ele está em meio a muitos sentimentos, a saudade de sua mulher, e a sensação de abandono e solidão. Duração: 75 minutos

sábado, 28 de abril de 2012

28/04: À Leste de Bucareste (Corneliu Porumboiu, 2006)

À Leste de Bucareste - Corneliu Porumboiu (2006)

Sinopse
No aniversário de 16 anos da queda do ditador Ceausescu na Romênia, uma emissora de TV local decide reunir pessoas para um debate sobre o tema. Entre os convidados estão Piscoci (Mircea Andreescu), um velho aposentado, e Manescu (Ion Sapdaru), um professor de história que analisa as mudanças locais ocorridas desde 25 de dezembro de 1989, data de execução do ditador.  Duração: 89 minutos

Crítica: A agonia romena dos últimos dias de Ceausescu: À Leste de Bucareste (Corneliu Porumboiu, 2006)

por Carlos Fernandes


A grande surpresa no mundo cinematográfico na segunda metade da última década foi, sem dúvida, o Cinema Romeno, que outrora desconhecido, passou a ser uma das mais revigorantes forças do cinema europeu do século XXI. Os olhos de todos voltaram-se para o cinema desse pequeno país do Leste Europeu a partir de 2005, quando o longa A Morte do Sr. Lazarescu (Cristi Puiu, 2005) venceu a mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes em 2005. No ano seguinte, foi a vez de À Leste de Bucareste (Corneliu Porumboiu, 2006) ganhar a Câmara de Ouro desse mesmo festival e em 2007, 4 meses, 3 semanas, 2 dias  (Cristian Mungiu, 2007) levar a Palma de Ouro, o prêmio máximo de Cannes. Desde então, o cinema romeno passou a ser um grande destaque no mundo cinematográfico e diversos outros filmes foram aclamados pela crítica internacional, entre eles, Como festejei o fim do mundo (Catalin Mitulescu, 2007), California Dreaming (Cristian Nemescu, 2007), Polícia, Adjetivo (Corneliu Porumboiu, 2009), Contos da era dourada (Ioana Uricaru, Hanno Höffer, Räzvam Márculescu, Constantin Popescu, Cristian Mungiu, 2009) e Se eu quiser assobiar, eu assobio (Florin Serban, 2010).

Uma das coisas que mais chama atenção nessa recente safra do cinema romeno, além do uso de uma estética realista e minimalista e da recorrente presença de um afiado humor negro, lembrando muitas vezes a obra do cineasta sérvio Emir Kusturica, é a presença quase que constante do ditador romeno Nicolae Ceausescu e dos últimos momentos de seu governo até a sua queda. Se ele e os últimos dias de sua ditadura não são o tema principal, como é o caso de À Leste de Bucareste, Como festejei o fim do mundo e Contos da Era Dourada, eles aparecem como plano de fundo, em silêncio, mas plenamente ativos na cabeça e nas ações dos seus personagens, sufocando-os, como em 4 meses, 3 semanas, 2 dias (o comércio ilegal de cigarros, a proibição do aborto, a necessidade constante de se andar com um documento de identidade) e Polícia, Adjetivo (a força da polícia romena, a crença de que a lei mudará em breve). Mas, de onde vem essa obsessão pelos últimos dias de Ceausescu?

Nicolae Ceausescu (1918-1989), líder então do Partido Comunista Romeno, que apesar de repudiar Stalin e adotar uma política de enfrentamento antirrussa, presidiu a Romênia de 1965-1989 com mão de ferro e utilizando-se da propaganda de culto à sua personalidade, criou uma tirania rígida e feroz, onde a Romênia era essencialmente um Estado policial, dada a onipresença de sua polícia secreta (Securitate). Além disso, as políticas econômicas e de desenvolvimento de Ceausescu, muitas vezes megalomaníacas, promoveram uma grave escassez de comida, medicamentos e energia, levando à pobreza a população. A reclusão desse regime era tanta que em Como festejei o fim do mundo, o “fim do mundo” é uma clara alusão ao fim do regime de Ceausescu.

No ano de 1989, movimentos de erradicação ao comunismo vinham de Berlim, onde o muro havia caído em novembro, no sentido do Leste Europeu. Em 17 de dezembro, na cidade romena de Timisoara, manifestantes foram recebidos a tiro pela Securitate, o que provocou uma reação da população em diversas cidades. Cinco dias depois, esse movimento chegaria à capital, Bucareste, e no mesmo dia Ceausescu e sua esposa seriam presos. Por isso, dia 22 de dezembro é considerada a data da chamada Revolução Romena. No dia 25, Ceausescu e sua esposa foram julgados por um tribunal irregular e condenatos à morte por fuzilamento. São executado  no mesmo dia e o fuzilamento é exibido pela televisão romena (e as imagens estão disponíveis no Youtube). A Romênia foi um dos últimos países do Leste Europeu a derrubar o regime socialista e foi o único que teve um fim violento para o seu regime. Entretanto, passados mais do que 20 anos da Revolução Romena, inúmeras questões ainda permanecem sem resposta e ainda geram controvérsias. Pouco se sabe sobre a real atuação dos líderes da Revolução e suas verdadeiras intenções já que muitos deles ainda pertenciam ao velho regime. Questiona-se ainda a razão de alguns fatos terem ocorrido e se tudo não foi apenas uma armação para se tirar vantagem do caos e encenar um golpe.  Nesse ínterim, indaga-se se realmente o levante popular houve importância ou foi apenas um elemento que acabou servindo de joguete para essa encenação. É aí que entra Corneliu Porumboiu e seu magnífico À Leste de Bucareste.

Podemos dividir À Leste de Bucareste em duas partes, cada qual representando uma metade do filme. Na primeira metade, vemos o cotidiano dos três personagens centrais do filme em uma pequena cidade do interior da Romênia: Virgil Jderescu, um egocêntrico jornalista da televisão local; Emanoil Piscoci, um velho senhor famoso por se vestir de Papai Noel no Natal e; Tiberiu Manescu, um professor de história alcoólatra. E na segunda metade, temos a exibição do programa de Jderescu, que convidou Piscoci e Manescu para debaterem em seu programa comemorativo dos 16 anos da Revolução Romena, se naquela cidade houve ou não a Revolução. E é aí que o filme carrega todo o seu brilhantismo. Por quarenta minutos, temos apenas uma única cena que é a exibição do programa de Jderescu, onde Manescu conta sobre como foi à praça da cidade e iniciou ali a revolução, para logo depois ser desmentido por um grande número de pessoas ao vivo na televisão, deixando Jderescu totalmente sem graça. E nós ficamos presos à tela, pela extrema comicidade da cena e pelo trabalho brilhante dos atores Mircea Andreescu (Piscoci), Teodor Corban (Jderescu) e Ion Sapdaru (Manescu). E utilizando-se do escracho, Porumboiu faz daquela pequena cidade um símbolo para toda a Romênia, mostra ao mundo as recentes controvérsias históricas romenas e convida brilhantemente o povo romeno a se lembrar daquela revolução para finalmente compreendê-la e usá-la para se construir um futuro melhor, como o próprio Jderescu propõe em seu programa. Além disso, Porumboiu critica e ameniza o povo romeno. Se por um lado, ele demonstra que a população talvez não tivesse a real dimensão de tudo aquilo (dado pela fala de Piscoci “fui à praça para mostrar à minha esposa que eu podia ser um herói”), por outro ele argumenta que a nova geração (os alunos de Manescu) não se importa com a história da Romênia, já que preferem conhecer mais a Revolução Francesa que o Império Otomano, o qual a Romênia fez parte. Por fim, na primeira metade do filme, Porumboiu ainda nos faz pensar se realmente houve uma revolução propriamente dita na Romênia já que muitas coisas permaneciam iguais há 16 anos: mesmo estando em 2005 o professor ainda tinha que retirar o seu pagamento na escola, a rede de televisão no qual Jderescu é dono é uma cópia idêntica das televisões estatais dos regimes socialistas da Cortina de Ferro, além da própria arquitetura da cidade, que não parece ter mudado em nada nos últimos 30 anos. Além disso, Porumboiu dá sinais que a transição para o capitalismo e globalização tem sido difícil para o povo (tema mais explorado em A Morte do Sr. Lazarescu), é o comerciante chinês sendo ofendido, é a banda da televisão tocando pateticamente uma música latina.

A Romênia fez do seu cinema recente um divã para as suas questões históricas. À Leste de Bucareste é a sessão de psicanálise que mergulha mais profundamente em suas agonias. Entretanto, sua mensagem final é bastante positiva, com a esperança de dias melhores à Romênia com o acender das luzes, com a neve que volta a cair depois de tanto tempo e com a frase “Pacífica e bela, é tudo o que eu lembro da revolução”.

sábado, 21 de abril de 2012

21/04: Katalin Varga (Peter Strickland, 2009)

Katalin Varga - Peter Strickland (2009)

Sinopse
Expulsa pelo marido e pelo povo de sua aldeia, Katalin Varga fica sem escolha a não ser ir em busca do verdadeiro pai de seu filho, Orbán. Levando o menino com ela sob outro pretexto, ela viaja através dos Cárpatos, onde decide reabrir um capítulo sinistro de seu passado e se vingar. A caçada leva a um lugar ao qual ela jurou 11 anos antes nunca mais voltar. Duração: 82 minutos.

Crítica: Katalin Varga (Peter Strickland, 2009)

por Marcelo Hessel


História forte de acerto de contas cava o que a Romênia tem de mal-assombrada


Depois de uma leva de filmes romenos urbanos, com preocupações frequentemente associadas ao fim do comunismo, como os premiados À Leste de Bucareste e 4 Meses, 3 Semanas, 2 dias, pra ficar em dois que chegaram ao nosso circuito comercial, eis que surge esse corpo estranho que é Katalin Varga, resgatando o que a Romênia rural tem de mais atemporal, mal-assombrada. Não é a Romênia dos vampiros, mas há fantasmas por todo lado.

Um desses fantasmas assombra a personagem-título. Katalin Varga (Hilda Péter) está sendo expulsa de casa pelo marido, porque um segredo seu, de anos atrás, chegou aos ouvidos de todo o vilarejo. Ela mal tem tempo de se despedir - junta algumas roupas, coloca o filho sobre a carroça e pega a estrada. Katalin diz ao menino que eles vão para a casa da avó, que está doente, mas logo descobrimos que o destino dos dois é outro.

Durante boa parte do filme o roteirista e diretor inglês Peter Strickland nos esconde o tal segredo. Mas pela forma como filma a viagem da mulher, com o som desenhado para amplificar os menores barulhos, dá a entender que o ambiente (e a forma como o homem interage com esse ambiente) tem parte de culpa nessa história. Sinos de gado, trote de cavalo, um regato, o vento, o barulho da carroça, sons de inseto, tudo contribui para o tormento de Katalin Varga, como se Terrence Malick filmasse uma história de Cormac McCarthy.

Se o uso do som não é muito sutil em alguns momentos, Strickland compensa com a criação de um competente universo bucólico de fantasmagoria. Não por acaso, o acerto de contas de Katalin começa ao redor de uma fogueira, com uma dança acelerada que parece se passar nos portões do inferno. Quando o diretor finalmente nos conta em detalhes o tal segredo da mulher, ela está sentada numa canoa em movimento, e a paisagem turva ao fundo adiciona vertigem a essa viagem no tempo a que somos submetidos. Para um estreante, Strickland faz um trabalho bastante seguro. A menção a McCarthy não é gratuita - as narrativas sangrentas do escritor têm a mesma preocupação com a descrição de pequenas coisas que a câmera do diretor tem para eleger planos-detalhes. Ele não vitimiza Katalin além da conta (ela não perde o sono, por assim dizer, como mostra o filme) e reúne religiosidade, selvageria e memória em um combinado forte. É um cineasta a acompanhar.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

07/04: 4 meses, 3 semanas, 2 dias (Cristian Mungiu, 2007)

4 meses, 3 semanas, 2 dias - Cristian Mungiu (2007)

Sinopse
Em 1987, nos últimos dias do comunismo, Otilia (Anamaria Marinca) e Gabita (Laura Vasiliu) dividem um quarto num dormitório estudantil. Elas são colegas de classe na universidade de uma pequena cidade romena. Gabita está grávida e o aborto é ilegal no país. Otilia aluga um quarto num hotel barato. Lá elas recebem um certo Sr. Bebe (Vlad Ivanov) , chamado para resolver a questão. Mas, ao saber que Gabita está com a gravidez mais adiantada do que havia informado, Sr. Bebe aumenta as exigências para o serviço. Ele cobra um preço que as duas não estão preparadas para pagar. Vencedor da Palma de Ouro em Cannes no ano de 2007. Duração: 113 minutos

Crítica: 4 meses, 3 semanas, 2 dias (Cristian Mungiu, 2007)

por Rodrigo Carreiro
Extraído de http://www.cinereporter.com.br/criticas/4-meses-3-semanas-e-2-dias/

Palma de Ouro em Cannes 2007, filme romeno prossegue tradição do país: contar histórias muito humanas de gente miúda.

Filmes que ganham a mais prestigiosa láurea do cinema de autor – a Palma de Ouro no Festival de Cannes – conquistam, também, a responsabilidade de ter que satisfazer a enorme expectativa criada instantaneamente na comunidade cinéfila internacional. Não é uma tarefa fácil. Do ponto de vista do espectador, encarar um longa-metragem premiado em Cannes significa estar frente a frente com um candidato a obra-prima. Pois bem: jogando no lixo todo o aparato estético disponível para apegar-se apenas a uma narrativa crua e muito bem construída, “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias” (4 Luni, 3 Saptamani si 2 Zile, Romênia, 2007) sacia todas as expectativas, e vai além.

A rigor, Cristian Mungiu fez um filme-irmão do sensacional “A Morte do Sr. Lazarescu” (2005), obra responsável por lançar os holofotes do mundo cinéfilo em direção à minúscula Romênia. Ou seja, fechou um ciclo vitorioso. Graças à exposição gerada pelo filme de Gabriel Puiu (que ganhou a mostra paralela Um Certain Regard em Cannes 2005), o cinema barato e despojado produzido no país do leste europeu conquistou o respeito e a admiração de Cannes, tendo outras obras premiadas por lá (“Como Comemorei o Fim do Mundo”, “A Leste de Bucareste” e “Califórnia Dreaming”). A Palma de Ouro atribuída a “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias” coroa esta etapa do cinema romeno. É um troféu que valoriza tanto o filme em si quanto toda a cinematografia do país.

Afinal de contas, o cinema romeno contemporâneo é um movimento articulado e coletivo, como foi o Dogma 95 na Dinamarca (aliás, movimento que lançou um manifesto estético de onde os filmes da Romênia bebem bastante). Os longas produzidos por lá dividem muitas características. A estética é minimalista, crua e despojada, que aparenta desleixo técnico mas tem grande rigor formal: longas tomadas sem cortes, câmera na mão, luz natural e som direto, exclusivamente diegético (ruídos cuja origem está dentro do espaço cênico). Não há música para indicar o que o espectador deve sentir. É um cinema visceral, que quebra intencionalmente diversas regras da gramática cinematográfica clássica, mas o faz com a autoridade de quem sabe que isto é necessário para gerar uma resposta emocional verídica na platéia.

Observe, por exemplo, a longa cena do jantar, em que a câmera permanece parada, focalizando com clareza o desconforto de Otilia (Anamaria Marinca, maravilhosa) diante da situação indesejada. Por longos minutos, enquanto ela permanece estática e impaciente, as pessoas que a rodeiam na mesa conversam despreocupadamente, sem perceber o drama que se desenrola na cabeça da garota – e que nós, a platéia, conhecemos bem, porque estávamos com ela antes. Vários participantes da conversa permanecem fora do quadro quando falam, algo inimaginável em um filme de Hollywood. Só que o diretor Cristian Mungiu sabe o que faz. Ao se recusar a desviar o olhar do rosto de Otilia, ele cria uma tensão e uma angústia crescentes do espectador. Este rigor formal ajuda a platéia a compartilhar a assustadora situação vivida por Otilia e Gabita (Laura Vasiliu, ótima), as duas personagens principais.

As duas moças estão na faixa dos 20 anos e dividem um quarto numa república de estudantes em Bucareste. Como todo estudante, elas não têm grana. A ação se passa em 1987, nos últimos anos da ditadura comunista de Nicolau Ceaucescu, quando produtos ocidentais como cigarros e chicletes só podiam ser encontrados no atuante e caríssimo mercado negro. A história, narrada quase em tempo real, tem semelhanças claras com a contada em “A Morte do Sr. Lazarescu”. Uma das meninas está grávida e deseja se submeter a um aborto ilegal, que só pode ser realizado num hotel vagabundo e por um médico asqueroso (Vlad Ivanov, assustador), que não hesita em tirar proveito da condição de desespero das mulheres. A longa seqüência que reúne os três personagens dentro do hotel é um primor de direção. Mungiu escolhe sabiamente cada posição de câmera, mostrando e deixando de mostrar na medida exata, e consegue criar um instante cinematográfico de fortíssimo impacto emocional.

Também roteirista, Cristian Mungiu escreveu o roteiro do filme em apenas um mês, baseado em uma história verídica que ouviu enquanto era estudante. Durante as filmagens, realizadas ao custo ínfimo de US$ 600 mil, ele se permitiu realizar diversas alterações, cortando e cortando cada vez mais diálogos, de modo a sugerir mais do que explicitar (e note como isto funciona perfeitamente, como na cena em que Otilia suborna sutilmente a atendente de um hotel com uma carteira de cigarros, sem jamais pronunciar uma única palavra sobre o “presente”). A verdade é que há muito talento escondido atrás do trabalho técnico aparentemente desleixado – a fotografia de Oleg Mutu é excepcional, com composições precisas e de clareza narrativa, mesmo sob condições difíceis de iluminação.

O que temos aqui, de fato, é o caso clássico da estética que serve à narrativa. O despojamento técnico ajuda a desnudar por completo a essência do filme: uma história pequena, humana, narrada com grau razoável de distanciamento emocional, com muito respeito à dor e aos sentimentos dos personagens. Como todos os filmes contemporâneos feitos na Romênia, a obra de Cristian Mungiu conta histórias genuinamente humanas de gente miúda, com um grau de naturalismo espantoso, reforçado pelo espetacular elenco jovem e desconhecido. É por tudo isso que “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias” sacia as expectativas dos cinéfilos atentos e se configura como um dos grandes filmes de 2007.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Crítica: O pequeno grande cinema da Romênia

por Cléber Eduardo
Extraído de http://www.revistacinetica.com.br/romenia.htm

O cinema romeno carrega as contradições e os paradoxos comuns aos personagens e situações dos poucos (e premiados) filmes produzidos nos últimos anos no país. Para o padrão europeu de produção, o da Romênia é miúra: pouco mais (ou menos) de uma dezena de filmes produzidos por ano; um circuito com pouco (ou menos) de uma centena de salas; um instituto estatal de cinema cujos financiamentos não são especificados em valores – embora se fale em orçamentos médios de 500 mil euros – e onde as informações sobre a produção nacional são praticamente inexistentes – sem dados sobre quantidade de filmes produzidos, dinheiro investido, formas de investimento e público dos filmes produzidos ano a ano.

Embora tenha vivido um período de transição de regime econômico e político nos anos 90, como de resto todo o Leste Europeu e a Rússia, a Romênia parece ainda lidar com o cinema como se estivesse fora do capitalismo cinematográfico. Em um cenário desses, sem mercado, sem estatísticas, sem a cultura do cinema, com salas de exibição pouco disputadas por espectadores, e diretores fazendo comerciais para sobreviver, nem ter seus filmes premiados em Cannes, como tem acontecido com alguns dos filmes romenos recentes, permite fechar sua conta em casa: é preciso viabilizar o comércio da exibição em outros países. Os prêmios em Cannes, nesse sentido, são a senha do cofre. Esses filmes podem não ser sucessos de bilheteria onde passam, mas têm seus preços de comercialização inflacionados após as premiações e, com isso, acabam valorizando por tabela qualquer filme romeno. Por tabela e na tabela.

Se o mercado de compra e venda de direitos de exibição tem momentos de ascensão da produção de algum país específico ou de alguns países de determinado continente, como foi com o Irã, tem sido com a(s) China(s) e foi em menor medida com a Argentina, agora é a vez da Romênia viver seu ápice de projeção nessa bolsa de cotações – ao menos de acordo com a curadoria e com os jurados de Cannes, que, em matéria de premiações e de prestígio, têm catapultado os filmes romenos à condição de protagonistas mundial. Se esta é só uma onda como outras ou evidência de consolidação de uma geração de cinema no país (dentro dos limites de um país periférico em matéria de produção cinematográfica, claro), não há ainda como prever apenas com base nos últimos anos e prêmios internacionais. Por ser hoje um cinema nacional de prestígio, mas sem mercado interno, a Romênia nem ocupa espaço no Atlas da Cahiers du Cinema, que faz um breve panorama do mercado de vários países do mundo.

É por ser um país cujo cinema, mesmo sem público doméstico, tem um público seleto de admiradores, que se abriu espaço para essa produção da ala pobre do cinema na Europa em um seminário realizado em São Paulo, no Reserva Cultural. Organizado pela jornalista Maria do Rosário Caetano, e produzido pelo próprio Reserva, o evento tinha por objetivo ampliar os enfoques sobre cada país tratado pelos Cahiers – mantendo como prioridade um espírito de diagnóstico de momento de mercado para os cinemas nacionais, com sorrisos de satisfação ao se ouvir falar do cinema em países cuja ocupação de mercado é em sua maioria de ingressos vendidos para a soma dos filmes nacionais (como Coréia, Índia, Irã, Nigéria). Por trás dessa iniciativa, tanto dos Cahiers quanto de Reserva/Maria do Rosário Caetano, existe uma atitude política: a de manter o olhar crítico em estado de alerta para os sinais de resistência e de crises nos cinemas nacionais, que, além de serem tradicionalmente ameaçados ou implodidos pela onipresença do cinema americano em quase todos os países com telas no planeta, também têm de lidar com a transnacionalidade de vários diretores e produções, criando uma confusão de identidades, conceitos, origens e pertencimentos, cuja discussão ainda está distante de se esgotar e de ter chegado a bons termos, como impedem as simplificações e os maniqueísmos trajados de discurso anti-globalização.

Nesse sentido, a Romênia sempre teve um cinema nacional, ainda que nunca muito importante na perspectiva internacional – sem nenhum cineasta a se tornar uma questão crítica, como tiveram o cinema tcheco, iugoslavo, polonês e húngaro desde os anos 60, de alguma forma influenciados por características do cinema moderno. Houve sim uma geração de cineastas romenos dos anos 70, assim tratada como tal, que tinha como destaques diretores como Dan Pita e Mircea Daleniuc, ainda ativos no cinema contemporâneo.

Nos anos 90, após a queda da Ceauscescu, houve um boom de estreantes: uma dezena deles entre 1991 e 1992 (Laurentiu Damian, Daniel Barbulescu, George Busecam, Bogdan Dumitrescu, Adrian Istratescu-Lener e Radu Nicoara), todos eles nascidos entre o fim dos anos 40 e o fim dos anos 50, poucos deles com continuidade na carreira (entre as raras exceções, Bamian, Busecam e Dumitrescu). O único dessa leva a fazer a diferença, a ponto de ser considerado uma referência em alguma medida para a atual geração de novos diretores, foi Nae Caranfil. Seu cinema é marcado pelo interesse pelas contradições sociais e por enfoques politizados, e seu filme de maior circulação e aceitação foi Filantopica (2002) – seu quarto longa-metragem, quando já era um paradigma e não mais uma revelação.

Ainda nos anos 90, a Romênia mandou sinais de cinema para fora de suas fronteiras com Trem da Vida (1999), de Radu Mihaileanu, ganhador do prêmio da crítica em Cannes e São Paulo, prêmio do público no Sundance e o italiano Donatello de lançamento estrangeiro. Nunca antes um filme romeno havia sido tão internacional: em sua produção – com a França, Bélgica, Holanda, Romênia e Israel – e em sua carreira. O diretor havia realizado um curta francês nos anos 80, quando estudava cinema em Paris, e estreou em longa com um filme de pouca repercussão (Tahir, 1993), co-produção multieuropéia parcialmente falada em francês. Mihaileanu ganhou experiência como diretor de segunda unidade ou assistente de direção em filmes de Marco Ferrerei (I Love You, 1986, e Come Sono Buoni Bianco, 1988) e Vicente Trueba (O Sonho do Macaco Louco, 1989), antes de fazer seus longas com dinheiro de diferentes países. Aos 50 anos, Mihaileanu, em seu filme mais recente, Herói de Nosso Tempo, ambientado na Etiópia, ganhou prêmio de público em Berlim e o César de roteiro, com uma repercussão razoável – mas o diretor não é considerado parte da nouvelle vague romena, ou sequer do novo cinema romeno.

A nova onda

A nova geração de cineastas estreantes reúne diretores na casa dos 30/40 anos, com alguma experiência em sets de filmagens de produções internacionais rodadas no país, com passagens pela Universidade do Filme em Bucareste, experiência em curtas metragens universitários e independentes, que já tinham chamado a atenção e conquistado prêmios em festivais importantes – Cannes (sempre Cannes) aí incluído. Napoleon Helmis e Catalin Saizescu foram os estreantes de 2004, o segundo com um sucesso local de público, Milionari de Weekend. Em 2005 e 2006, aumentou a produção, com a militância pelo baixo orçamento com liberdade criativa do ator-diretor Florin Piersic Jr (com Fix Alert, filme em preto e branco) e o erotismo cheio de elipses de Tudor Giurgiu em Love Sick. Mas o destaque maior começou mesmo com Cristi Puiu.

Antes de ganhar a mostra Un Certain Regard com seu longa de estréia, A Morte do Senhor Lazarescu (2005), também ganhador dos festivais de Chicago, Copenhague, Trieste e da Transilvânia, Cristi Puiu havia se destacado internacionalmente com duas narrativas de poucos minutos: Marfa Si Banii (2001) ganhou o prêmio de melhor curta no festival independente de Buenos Aires e o prêmio da crítica em Thessaloniki. E o curta seguinte, Un cartus de kent si un pachet de cafea (2004), ganhou o Urso de Ouro em Berlim.

Corneliu Porumboiu, antes de levar a Camera d’Or por A Leste de Bucareste (2006), já era querido em Cannes – tendo ganho prêmio no Cinéfondation, para competição para filmes de estudantes, com seu curta, Calatorie Las Oras. Catalin Mitulescu, cuja estréia em longa, Como Festejei o Fim do Mundo (2006), rendeu prêmio no Un Certain Regard em Cannes para a atriz Doroteea Petre, era curta-metragista notável. Bucuresti-Wien, 8-15 (2000) e 17 minute intarziere (1999), esse segundo apenas em 2002, ganharam o festival de cinema romeno para estudantes. E Traffic (2004), dando um passo mais alto, ganhou a Palma de curta em Cannes. Antes de estrear em longa com Maria (2003), premiado em Locarno (especial do júri), Calin Peter Netzer foi premiada em Dresden, um segundo lugar, com seu curta Zapada Meillor (1998). E Cristian Nemescu teve uma bem aceita trajetória no curta, com destaque para Poveste La Scara “C”, ganhador de um menção especial no Festival de Berlim, antes de estrear em longa com California Dreaming (2007) – sem chegar a terminar a montagem do filme, por conta de sua morte em um acidente de carro. Mesmo com um corte provisório, Cannes exibiu o filme assim mesmo e ele saiu com o principal prêmio da Un Certain Regard – apenas dois anos depois de Puiu.

Finalmente, temos Cristian Mungiu, ganhador do prêmio máximo em Cannes com 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (2007 - foto que abre este texto), que veio da escola (formou-se em 1998 na Universidade do Filme), mas veio também da prática. Trabalhou alguns anos em tarefas diferentes em sets de filmes estrangeiros e estreou em longa com o razoavelmente premiado Occident (2002), que saiu com troféus importantes em festivais europeus, como os de Transilvânia, Thessalonoki, Sofia e Mons. Em matéria de renovação e revelação, o cinema romeno, na Europa, só tem equivalente no cinema francês.

Perspectivas e Expectativas

Quase todos esses diretores desta chamada nouvelle vague estão com novos filmes em gestação. Mas o que esperar, para além dos prêmios, dessa geração? Falta tempo e mais filmes para afirmarmos algo sem algum grau de profecia. Faltam os filmes saírem da moda, como estão hoje, porque a moda produz modelos, repetições, diluições e fórmulas – o que, no caso do cinema romeno, é mais ou menos fácil de acontecer por conta das características marcantes de seus premiados em Cannes. É preciso saber se os diretores conseguirão seguir adiante sem atender uma demanda de circuito de festivais e de arte, sem atenderem à expectativa de fazerem um cinema romeno facilmente reconhecível como tal – portanto, sob o risco de virar um estereótipo nacional.

Mas o que se premia em Cannes, o que é a “romenidade” cinematográfica? Premia-se, claramente, menos um rigor estético, como se faz quando se premia a maioria dos filmes asiáticos, e mais um olhar singular/inusitado, nessa fronteira, por meio do qual se confronta o passado (II Guerra, regime comunista). Percursos e dramas individuais, vividos por gente comum em situações incomuns, que se conectam com a Romênia, com seus fantasmas, com seus escombros morais e políticos, com a atmosfera de um lugar em descompasso com seu tempo. Essas voltas ao passado de 20 ou 60 anos atrás, comum e compreensível em filmes de países com experiência traumática na carne e no espírito de regimes de rédeas curtas, não carregam consigo disposição para acertar contas. Nem de denunciar nada. O olhar predominante é o de testemunha para quem nada choca mais ou para quem só é possível rir dos absurdos nacionais.

Não deixa de se ver nesses filmes uma corrosão seca, como em 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, ou cômica, como em A Leste de Bucareste – ou as duas vertentes corrosivas juntas, como em California Dreamin' (foto ao lado). Os universos diante do qual a ironia e a corrosão são despejadas vai da classe média ao caldo cultural romeno, que parece moldar os personagens em percursos nos quais, inevitavelmente, algo de insólito ou absurdo acontecerá – porque, mais que sintomas, esses personagens são atrelados a uma lógica do absurdo hegemônica no país onde vivem (mas não uma lógica estrutural e, sim, intrínseca a condição da Romênia). Seria um cinema cheio de filmes políticos? Ou a despolitização do político em nome do exótico e do sensacionalismo distanciado (4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias)? Cada caso é um caso, mas o que interessa, nesse caso, é menos a ausência de denúncia, porque não se denuncia nada, nem ninguém, nem uma instituição, mas a presença de narrativas singulares, cheia de elipses, buracos, sugestões, avessas aos códigos narrativos, com certa incorporação da aparência de caos, em sintonia com o algo de caótico mostrado em alguns filmes.

Em outro texto, dei a essa característica o nome de “estética e dramaturgia do tripé quebrado”, inspirado no tripé quebrado do cinegrafista do programa de entrevista de A Leste de Bucareste. Sem o tripé, o cinegrafista, no filme, faz na mão. A câmera treme, ele não enquadra dentro dos códigos de um programa de TV – com isso, torna-se outra coisa, com a clara evidência dos problemas financeiros e organizacionais a afetar o produto final. A mesma subversão com o padrão do cinema culto contemporâneo tem levado os diretores a conceberem suas histórias sem respeito pelo “bem contar”. Nesse sentido, Mungiu, em um filme seco e sem humor, com a câmera quieta e observadora, foge à regra, porque, dentro de sua proposta contundente, manifesta a preocupação do “bem contar”, sem o tal tripé quebrado a intervir em sua organização. Seu filme carrega no estilo um ar de realismo europeu (ecos de Dardenne). Influência? Busca de um diálogo estético em vista ao mercado internacional?

Parece não haver opções melhores para quem não se contenta com os limites de se permanecer na Romênia que viabilizar co-produções com empresas de outros países europeus ou mesmo dirigir produções internacionais fora da Romênia. Mungiu, nesse sentido, é precavido. Tem demonstrado precaução com as produções maiores, ou com possíveis convites para trabalhar como diretor contratado de projetos de produtores, porque sua noção de cinema exige controle total, sem interferência de produtores e investidores. Por isso, para seu tipo de cinema, a Romênia, como periferia da produção, é um bom contexto. Permite a ele ter liberdade para fazer os filmes como bem entende porque não deve satisfações a ninguém. Talvez isso venha a mudar se e quando os investidores europeus se interessarem por co-produções. Deverão aparecer os astros internacionais (como têm aparecido nos filmes de Amos Gitai) e os diálogos nos idiomas dos sócios majoritários.

Ou é isso ou Mungiu, assim como outros colegas, terão de pagar o preço – da visibilidade limitada mesmo no próprio pais – de fazer cinema na Romênia. Seus prestígios e ambições podem se tornar superiores às condições estruturais do cinema romeno para atender suas demandas. Por enquanto, porém, são só especulações.

Programação Abril de 2012: Cinema Romeno

A grande surpresa no mundo cinematográfica na segunda metade da última década foi o Cinema Romeno com seus filmes extremamente intimistas, muitas vezes com pano de fundo histórico, sobretudo do período correspondente ao final da ditadura de Nicolae Ceausescu, que marcou também o fim do socialismo no país. O Cinema Romeno, sem sombra de dúvidas foi uma das mais revigorantes forças do cinema europeu do século XXI.

O Cine Clube Ybitu Katu exibe:

07/04: 4 meses, 3 semanas, 2 dias (Cristian Mungiu, 2007)
Em 1987, nos últimos dias do comunismo, Otilia (Anamaria Marinca) e Gabita (Laura Vasiliu) dividem um quarto num dormitório estudantil. Elas são colegas de classe na universidade de uma pequena cidade romena. Gabita está grávida e o aborto é ilegal no país. Otilia aluga um quarto num hotel barato. Lá elas recebem um certo Sr. Bebe (Vlad Ivanov) , chamado para resolver a questão. Mas, ao saber que Gabita está com a gravidez mais adiantada do que havia informado, Sr. Bebe aumenta as exigências para o serviço. Ele cobra um preço que as duas não estão preparadas para pagar. Vencedor da Palma de Ouro em Cannes no ano de 2007. Duração: 113 minutos

14/04: A Morte do Senhor Lazarescu (Cristi Puiu, 2005)
Sr. Lazarescu chama uma ambulância após sofrer com dores de cabeça e de estômago. Inicia-se então uma viagem através da cidade, entre um hospital e outro, em busca de tratamento médico. Duração: 150 minutos

21/04: Katalin Varga (Peter Strickland, 2009)
Expulsa pelo marido e pelo povo de sua aldeia, Katalin Varga fica sem escolha a não ser ir em busca do verdadeiro pai de seu filho, Orbán. Levando o menino com ela sob outro pretexto, ela viaja através dos Cárpatos, onde decide reabrir um capítulo sinistro de seu passado e se vingar. A caçada leva a um lugar ao qual ela jurou 11 anos antes nunca mais voltar. Duração: 90 minutos

28/04: A Leste de Bucareste (Corneliu Porumboiu, 2006)
No aniversário de 16 anos da queda do ditador Ceausescu na Romênia, uma emissora de TV local decide reunir pessoas para um debate sobre o tema. Entre os convidados estão Piscoci (Mircea Andreescu), um velho aposentado, e Manescu (Ion Sapdaru), um professor de história que analisa as mudanças locais ocorridas desde 25 de dezembro de 1989, data de execução do ditador. Duração: 89 minutos

sábado, 31 de março de 2012

31/03: Os Primos (Claude Chabrol, 1959)

Os Primos - Claude Chabrol (1959)

Sinopse
Ingênuo e pesado homem do campo destrói seu primo boêmio e decadente da cidade. Esse garoto do campo não é realmente tão honesto como parece: a sua diligência, sobriedade e todas as suas virtudes antigas podem ser apenas uma defesa pessoal frente à vida moderna. A heroína, que quase acredita que o ama, percebe que isso é apenas uma reposta estética e intelectual; ela gostaria de acreditar em um puro, doce e duradouro amor. Duração: 112 minutos.

"Les Cousins é definitivamente parte do New Wave francês da década de 1950. Embora um pouco mais polido do que os filmes de seus contemporâneos (nomeadamente, Godard e Truffaut), Chabrol aparece com uma insurgência de novas técnicas cinematográficas e talento fresco. A sensação de novidade é reforçada pela presença de jovens atores, vestidos elegantemente em smokings e vestidos de noite, mas agindo quase deliquentemente na maior parte do filme. Este filme aparece quase como a festa de batismo para o nascimento de uma nova era no cinema francês. " por Angela, extraído de www.makingoff.org