por Alan de Faria
“Qué Tan Lejos”, da diretora Tania Hermida, mostra o choque de duas mulheres com a realidade em ebulição do país
Cinema produzido no Equador? O que era raro, agora pode se tornar freqüente. Pelo menos é o que pretende a cineasta Tania Hermida, que estreou na direção de longas-metragens com “Qué Tan Lejos” (2006), exibido na última Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e durante o II Festival de Cinema Latino-Americano, também realizado na capital paulista.
E, para alcançar esse objetivo, ela está envolvida, como candidata na lista do governo Rafael Correa, no processo de votação para a Assembléia Constituinte, que irá ocorrer no final de setembro. “Trata-se de uma tarefa nova e complicada, pelo fato de eu estar representando todo um setor da cultura que quer uma transformação profunda na gestão cultural do país”, afirma Hermida, que esteve em São Paulo para o II Festival de Cinema Latino-Americano.
Por meio de reformas, ela espera criar mais campos de trabalho para os novos profissionais audiovisuais. Também professora de cinema da Universidade San Francisco de Quito, capital do Equador, Hermida confessa que tem sido muito interessante assistir ao “nascimento” da cinematografia equatoriana. E ela, também, se surpreende.
Sucesso inesperado
“Qué Tan Lejos” foi considerado um fenômeno em seu país. Além de ter estreado em 14 salas -algo que nunca havia ocorrido com nenhum filme equatoriano-, ficou seis meses em cartaz e levou cerca de 200 mil pessoas ao cinema (o Equador tem 13,2 milhões de habitantes). Inclusive, de acordo com Hermida, em muitas salas, o filme obteve mais público que as produções norte-americanas. “Os números mostraram que os equatorianos querem se ver nas telas dos cinemas”, diz. O filme também foi bem recebido no exterior.
Filmado em cinco semanas, “Qué Tan Lejos” se caracteriza como um “road movie”, assim como “Família Rodante”, do argentino Pablo Trapero, e “Diários de Motocicleta”, do brasileiro Walter Salles. Na história, a estudante equatoriana Tristeza (Celilia Vallejo) e a turista espanhola Esperanza (Tania Martinez) se encontram casualmente em um ônibus que se dirige à cidade de Cuenca. Devido a uma rebelião da população indígena (que representa 40% dos habitantes do país), o transporte rodoviário é interrompido, e elas decidem pegar carona na estrada, mesmo sendo difícil, para chegar ao destino final.
“Sempre quis fazer um filme em que a geografia (os Andes e a costa do Pacífico), que moldou quem eu sou hoje, fosse também um personagem importante”, afirma Hermida. “Desde criança, viajo muito, dentro e fora de meu país, e este 'estar em viagem' me dá a sensação de ser o momento mais fértil para a aprendizagem, porque te obriga a colocar em dúvida todas as suas certezas.”
Ao longo da trajetória, as duas personagens perdem suas idéias feitas sobre o país e se vêem livres de tudo que consideravam importante ou indispensáveis para elas mesmas. “No final da viagem, elas estão 'vazias' e, ao mesmo tempo, prontas para começar a viver outra vez”, conta Hermida. A diretora, aliás, costuma comparar a vida das protagonistas com o atual momento do Equador, “que está em crise e em processo de reinvenção.” No ano passado, o país elegeu como presidente o professor e economista Rafael Correa, de esquerda, alinhado com Hugo Chávez e Evo Morales.
Outra característica marcante de "Qué Tan Lejos" é o antagonismo entre os equatorianos e a turista espanhola, que acha tudo belo, exótico e misterioso no país. Em um dos primeiros diálogos do filme, entre a turista e um taxista, este relembra a história colonial e critica os espanhóis pela exploração das riquezas equatorianas.
Para Hermida, pelo fato de o Equador ser um país jovem, as referências à conquista espanhola ainda são freqüentes. “Acontece que temos que entender que somos frutos desse processo, que foi destrutivo e construtivo”, explica. A Espanha também se faz presente no cotidiano equatoriano pelo fato de ainda representar o “sonho europeu”.
Fazer cinema é um luxo?
Entre 1980 e 2005, somente 12 longas equatorianos em 35 mm foram produzidos. Para Hermida, isso ocorreu devido à lógica neoliberal, vigente durante aqueles anos, para a qual tudo que não é rentável devia ser ignorado pelo país. “Além disso, imperava a idéia de que fazer cinema era um luxo, que só teríamos direito de produzir algo depois de o Equador solucionar a pobreza e a corrupção, considerados problemas mais urgentes.”
A chegada (e o sucesso) de “Qué Tan Lejos” aos cinemas marca um esforço dos realizadores locais. Em 2006, a criação do Conselho Nacional de Cinematografia (CNCINE), primeira entidade pública para a gestão da iniciativa audiovisual do Equador, permitiu a realização de novas produções.
“Foi um feito histórico, uma vez que foi resultado da iniciativa dos próprios cineastas”, diz Hermida. De acordo com Rafael Barriga, crítico de cinema, realizador e diretor de programação do Ocho y Medio, o principal cinema independente do país, em entrevista ao site LaLatina, neste ano, há dois outros longas de ficção em 35 mm prontos no Equador para entrar em cartaz.
Entre outros objetivos, o CNCINE é responsável pela formação e especialização de profissionais, promoção e difusão de filmes e criação de festivais, que acabam sendo importantes ferramentas para a exibição de longas locais e de países vizinhos, como o Brasil, Argentina e Paraguai, por exemplo.
“Eu só consegui assistir aos filmes ‘Dois Filhos de Francisco’ e ‘Cheiro do Ralo’ em festivais. No Equador, há somente cinco salas -uma pública e quatro privadas- onde podem ser vistas produções mais independentes ou que não sejam hollywoodianos”, lamenta a diretora.
De qualquer maneira, Hermida, principalmente devido às mudanças sociais e políticas em seu país, mantém as esperanças. Se o cinema equatoriano já nasceu, ela aguarda agora o seu crescimento.
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