sexta-feira, 9 de julho de 2010

Crítica: Medo e Delírio em Las Vegas (Terry Gilliam, 1998)

por Rodrigo Carreiro
Extraído de http://www.cinereporter.com.br/dvd/medo-e-delirio/

Se existe um filme que provoca no espectador um efeito similar os provocado por drogas alucinógenas, esse filme é “Medo e Delírio” (Fear and Loathing in Las Vegas, EUA, 1998). A obra de Terry Gilliam, vista por muita gente como um road movie lisérgico pelas estradas do oeste norte-americano, é na verdade mais do que isso. O diretor, ex-integrante do grupo cômico Monty Python, proporciona ao espectador uma incursão à mente pirada do jornalista e doidão profissional Hunther S. Thompson, durante uma viagem a Las Vegas (EUA) recheadas de alucinógenos dos mais variados tipos.

O truque de Gilliam é simples, mas radical: ele traduz em imagens, em uma seqüência caótica de imagens malucas, um final de semana chapado que Thompson passou na cidade dos cassinos, em 1972. O repórter foi enviado pela revista Rolling Stone para cobrir uma corrida de motos. Junto com o advogado Dr.Gonzo, ele lotou o porta-malas do conversível vermelho com todos os tipos de drogas imagináveis, de éter a mescalina, de maconha a LSD, de cocaína a heroína, e se mandou para a cidade. O objetivo: permanecer chapado pelo máximo de tempo que conseguisse. E dane-se a corrida de motos.

O grande achado de Terry Gilliam foi narrar as peripécias da tresloucada dupla da mesma maneira distorcida com que os dois viam o mundo. O resultado é uma série de encontros hilariantes (com um caroneiro, uma garçonete, policiais). À medida que a dupla vai variando o tipo de droga, Gilliam imprime ao filme mais ou menos o tipo de efeito provocado por ela. A narrativa fica frenética quando eles consomem cocaína, lânguida quando a droga da vez é a maconha, e completamente alucinada quando eles tomam ácido. A certa altura, já paranóico de tanto tomar drogas, Raoul Duke (um Johnny Depp careca, interpretando o alter-ego de Hunher Thompson) começa a ver as pessoas como se fossem lagartos gigantes que andam sobre duas patas.

Na segunda metade, o longa-metragem ameaça sair dos trilhos e se tornar uma viagem sem sentido, mas o diretor evita esse desastre jogando o foco da narrativa nos diversos encontros fortuitos que os dois companheiros estabelecem com as pessoas de Las Vegas. Claro, isso não retira “Medo e Delírio” do rol de obras polêmicas que têm potencial para desagradar profundamente a públicos mais conservadores. Aliás, conservadores não no sentido político e/ou comportamental, mas sim no sentido cinematográfico.

Por outro lado, a coragem e a vontade de Terry Gilliam tinha de fazer o filme transpira das imagens ensolaradas e de cores vibrantes. O projeto é tão arrojado que conseguiu até mesmo passar por cima do tradicional e hegemônico discurso anti-drogas de Hollywood. Nesse sentido, “Medo e Delírio” guarda alguma semelhança com “Trainspotting”; embora tenha menos hype e mais loucura do que o filme de Danny Boyle, possui a mesma postura politicamente incorreta. Gilliam até mesmo arrisca uma explicação, através da epígrafe do filme: “Aquele que faz de si um animal se livra da dor de ser humano”.

A frase, para os mais conectados, traduz a essência da famosa carta escrita pelo poeta Arthur Rimbaud (outro maluco de carteirinha e amante de substâncias proibidas), onde defendia que só depois de experimentar de tudo um homem poderia de fato alcançar um patamar superior de iluminação espiritual. Claro que alguns podem achar que isso é mero papo filosófico- cabeça dos doidões para justificar as pirações – e Gilliam sabiamente evita qualquer tipo de discurso moral para as ações dos seus protagonistas. Ambos são interpretados com garra por Del Toro (que engordou mais de 20 quilos para o papel) e Depp (sem cabelos e pitando uma nojenta cigarrilha na maior parte do filme). Ao final, quando os créditos descem uma estrada de Las Vegas ao som de “Jumping Jack Flash”, dos Rolling Stones, só resta admirar o trabalho desse grupo de talentos que, juntos, têm a coragem de fazer essa maluquice deliciosa, sem preocupações politicamente corretas, o que por si só é digno de elogio.

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