sexta-feira, 1 de março de 2013

Crítica: O Enigma de Outro Mundo (John Carpenter, 1982)

por José Aragão

Tum-tum. Tum-tum. Tum-tum. Estas duas notas foram criadas por Ennio Morricone em 1982, para o filme O Enigma de Outro Mundo, e são de uma simplicidade brilhante. Com apenas elas, Morricone conseguiu repetir o mesmo efeito que John Williams criou para Tubarão: uma trilha inquietante, marcante e assustadora.

Mas música não a única excelente qualidade que esta obra do lendário diretor John Carpenter tem a oferecer. Na verdade, em sua carreira de alguns acertos (Assalto à 13ª DP, Halloween – A Noite do Terror, À Beira da Loucura) e muitos erros (Fuga de Nova York, Príncipe das Sombras, Fantasmas de Marte, Aterrorizada) esta pode ser considerada a obra máxima do diretor.

Escrito pelo falecido Bill Lancaster  (que merecia uma carreira muito melhor), a trama nos leva até a gélida Antártida, onde um time de cientistas é atacado por uma criatura extraterrestre que consegue se transformar em qualquer pessoa ou animal ao simples toque. Assim como sua trilha sonora, a trama também é simples, porém, incrivelmente engenhosa.

Não demora muito para que os cientistas descubram a ameaça, dando início às melhores cenas da produção, representadas pela sensação angustiante de paranóia que compartilhamos com os personagens. A câmera de Carpenter, auxiliada pela fotografia de Dean Cundey, nos exibe imagens gráficas tão absurdamente bem feitas que é difícil perceber que o filme foi feito há 30 anos.

Além disso, criatividade é um aspecto em abundância, especialmente quanto ao desenvolvimento da “coisa”. Em princípio a enxergamos como um ser estranho e sangrento, nos fazendo duvidar se aquilo está realmente vivo. Ao passar disso, a uniformidade da criatura ganha contornos sexuais e animalescos que, apenas pela sua concepção, já seria o suficiente para gerar calafrios e embrulhos de estômago do público. Embrulhos estes que jamais poderiam ter sido possíveis sem o auxílio do excelente trabalho de maquiagem (é, sem sombra de dúvidas, um dos filmes mais gore que já assisti).

Com um adversário tão forte e temido, seria necessário criar personagens tão fortes quanto. Sim, sabemos pouco sobre o histórico daqueles homens presos em uma situação tão desesperadora e absurda. Mas é pelas atitudes de cada um que passamos a conhecê-los de fato. Kurt Russell, com um mullet-mor e barba de papai-noel, consegue criar um protagonista vigoroso e torna-se o único ponto confiável da trama, uma vez que qualquer um ali pode não ser quem seu rosto estampa. Outra performance bastante sólida é a de Keith Childs, que consegue criar um homem de fortes convicções.

Além de ter as qualidades já citadas, é fato que O Enigma do Outro Mundo consegue também ter uma das cenas mais antológicas do cinema, no qual o temor e a expectativa se elevam a níveis estratosféricos e fazem qualquer espectador suar na poltrona: quando os sobreviventes decidem se reunir em um ambiente fechado e testar o sangue de cada um presente a fim de descobrir quem é quem naquele jogo de gato-e-rato. Essa cena, inclusive, foi reprisada de outro modo bastante distinto na refilmagem desse clássico, mas perdeu forças por não contar mais com o elemento-surpresa.

Tendo a coragem que poucas produções apresentam, ao incluir uma conclusão em aberto, triste e ambígua, O Enigma de Outro Mundo representa o melhor que o cinema de horror-fantástico pode oferecer.

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