por José Aragão
Tum-tum. Tum-tum. Tum-tum. Estas duas notas foram criadas por Ennio Morricone em 1982, para o filme O Enigma de Outro Mundo, e são de uma simplicidade brilhante. Com apenas elas, Morricone conseguiu repetir o mesmo efeito que John Williams criou para Tubarão: uma trilha inquietante, marcante e assustadora.
Mas música não a única excelente
qualidade que esta obra do lendário diretor John Carpenter tem a
oferecer. Na verdade, em sua carreira de alguns acertos (Assalto à 13ª DP, Halloween – A Noite do Terror, À Beira da Loucura) e muitos erros (Fuga de Nova York, Príncipe das Sombras, Fantasmas de Marte, Aterrorizada) esta pode ser considerada a obra máxima do diretor.
Escrito pelo falecido Bill Lancaster
(que merecia uma carreira muito melhor), a trama nos leva até a gélida
Antártida, onde um time de cientistas é atacado por uma criatura
extraterrestre que consegue se transformar em qualquer pessoa ou animal
ao simples toque. Assim como sua trilha sonora, a trama também é
simples, porém, incrivelmente engenhosa.
Não demora muito para que os cientistas
descubram a ameaça, dando início às melhores cenas da produção,
representadas pela sensação angustiante de paranóia que compartilhamos
com os personagens. A câmera de Carpenter, auxiliada pela fotografia de
Dean Cundey, nos exibe imagens gráficas tão absurdamente bem feitas que é
difícil perceber que o filme foi feito há 30 anos.
Além disso, criatividade é um aspecto em
abundância, especialmente quanto ao desenvolvimento da “coisa”. Em
princípio a enxergamos como um ser estranho e sangrento, nos fazendo
duvidar se aquilo está realmente vivo. Ao passar disso, a uniformidade
da criatura ganha contornos sexuais e animalescos que, apenas pela sua
concepção, já seria o suficiente para gerar calafrios e embrulhos de
estômago do público. Embrulhos estes que jamais poderiam ter sido
possíveis sem o auxílio do excelente trabalho de maquiagem (é, sem
sombra de dúvidas, um dos filmes mais gore que já assisti).
Com um adversário tão forte e temido,
seria necessário criar personagens tão fortes quanto. Sim, sabemos pouco
sobre o histórico daqueles homens presos em uma situação tão
desesperadora e absurda. Mas é pelas atitudes de cada um que passamos a
conhecê-los de fato. Kurt Russell, com um mullet-mor e barba de
papai-noel, consegue criar um protagonista vigoroso e torna-se o único
ponto confiável da trama, uma vez que qualquer um ali pode não ser quem
seu rosto estampa. Outra performance bastante sólida é a de Keith
Childs, que consegue criar um homem de fortes convicções.
Além de ter as qualidades já citadas, é fato que O Enigma do Outro Mundo
consegue também ter uma das cenas mais antológicas do cinema, no qual o
temor e a expectativa se elevam a níveis estratosféricos e fazem
qualquer espectador suar na poltrona: quando os sobreviventes decidem se
reunir em um ambiente fechado e testar o sangue de cada um presente a
fim de descobrir quem é quem naquele jogo de gato-e-rato. Essa cena,
inclusive, foi reprisada de outro modo bastante distinto na refilmagem
desse clássico, mas perdeu forças por não contar mais com o
elemento-surpresa.
Tendo a coragem que poucas produções apresentam, ao incluir uma conclusão em aberto, triste e ambígua, O Enigma de Outro Mundo representa o melhor que o cinema de horror-fantástico pode oferecer.
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