Por Pablo Villaça.
Oldboy é uma tragédia grega produzida na Coréia do Sul. Inicialmente enfocando o desejo de vingança de seu protagonista, o filme aos poucos mergulha em uma trama repleta de reviravoltas que, a cada nova revelação, leva o espectador a compreender um pouco melhor a mentalidade doentia de seu vilão e a dimensão absolutamente horrenda de seus planos para destruir a vida do pobre herói.
Herói? Corrijo: anti-herói. Vivido com intensidade por Min-sik Choi, o infeliz Oh Dae-su é um indivíduo fraco que, entregue ao álcool, perde o aniversário da própria filha e, depois de aparentemente se meter em uma briga de bar, é levado para a delegacia mais próxima, onde continua a agir de forma pouco social (uma seqüência hilária, diga-se de passagem). Depois de liberado graças à ajuda de um amigo, no entanto, ele acaba sendo seqüestrado e colocado em cativeiro – situação que irá durar nada menos do que quinze anos. Sem saber quem o aprisionou nem o motivo, Dae-su tem apenas uma televisão para lhe fazer companhia – e, de acordo com suas palavras, o aparelho lhe serve como relógio, calendário escola, lar, igreja, amiga...e amante. A tevê funciona, também, como uma espécie de Abade Faria (o mentor de Edmond Dantès em O Conde de Monte Cristo – que chega a ser citado em Oldboy), alimentando a mente e a alma de Dae-su e impedindo que este enlouqueça enquanto planeja sua vingança contra seus captores.
A partir daí, o ótimo roteiro (escrito a oito mãos) dedica-se a estudar as conseqüências psicológicas do longo isolamento imposto ao herói, que, ao encontrar uma pessoa depois de quinze anos sozinho, parece retornar a uma condição quase animalesca, cheirando o outro e forçando-o a acariciar seu rosto – numa ilustração tocante de sua imensa carência. Porém, assim que se acostuma à liberdade recém-conquistada, Dae-su resolve testar se 'o treinamento imaginário de 15 anos pode ser posto em prática, já que passou todo aquele período esmurrando as paredes (observe suas articulações calosas – um detalhe que o filme não esquece) e praticando artes marciais. Esta curiosidade culmina em um dos melhores momentos de Oldboy, quando, em um longo plano sem cortes, vemos o protagonista enfrentar raivosamente uma série de marginais numa luta desajeitada que parece cansativa e real como poucas do gênero.
O filme, aliás, não economiza na violência, levando o espectador a se encolher na poltrona diversas vezes (principalmente aqueles que têm medo de dentista). Ainda assim, o competente diretor Chan-wook Park extrai humor da natureza violenta da história, o que explica a fascinação que Quentin Tarantino demonstrou por este projeto depois de vê-lo no Festival de Cannes de 2004. E, enquanto a fotografia sombria e triste de Jeong-hun Jeong confere um tom quase noir à produção, a trilha composta por Yeong-wook Jo (com `contribuições`de Vivaldi) surge melancólica e evocativa, acentuando a infeliz trajetória de Dae-su. Além disso, Oldboy ainda é beneficiado pela montagem extremamente fluida, que prima pelas passagens de cena criativas e dinâmicas.
Fortalecido também pelas performances de seu elenco principal, o filme guarda suas maiores armas para o ato final, quando finalmente compreendemos toda a extensão dos planos de seu vilão – que, de forma fascinante, parece perceber que exagerou na dose (uma reação que, confesso, não me lembro de ter visto antes no Cinema). Aliás, quando percebi para onde a trama caminhava, confesso que cheguei a sussurrar para mim mesmo (e perdoem-me pela vulgaridade): "Puta que pariu. Puta que pariu. Puta que pariu". Sim, eu poderia ter dito algo mais elegante, como "Oh, Céus, não creio no que meus olhos me dizem!", mas nada poderia expressar meu choque melhor do que um "puta que pariu" em alto e bom som.
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