Extraído de http://www.cinereporter.com.br/criticas/homevideo/setimo-selo-o/
O tema principal de “O Sétimo Selo” é, também, a temática dominante da primeira metade da obra de Bergman, composta de 62 longas-metragens. De meados dos anos 1940 até o princípio dos anos 1960, o diretor sueco trilhou diversas matizes do registro dramatúrgico – comédias, dramas, tragédias – através de variações do mesmo tema, que poderia ser resumido em uma pergunta: se Deus realmente existe, por que ele não fala, ou não interfere no destino trágico da humanidade? Vale ressaltar que aquela era a época do medo do holocausto nuclear, e a Europa ainda vivia o rescaldo da destruição causada na II Guerra Mundial. Tanto sangue derramado havia mergulhado os europeus, os artistas em especial, em uma fase de torturantes dúvidas religiosas.
Este trauma era ainda mais forte, em Bergman, devido ao background pessoal. Filho de um pastor luterano, o cineasta sueco cresceu em um ambiente de enorme repressão. Era constantemente surrado pelo pai, e sofria com a indiferença sentimental que ele lhe dedicava. Ao mesmo tempo, foi doutrinado desde pequeno através de uma educação protestante bastante rígida. O resultado foi o desenvolvimento de sentimentos ambivalentes, no que se refere à religião. Bergman se dizia ateu, mas fez diversos filmes cuja noção de Deus estava fortemente presente. Muitos críticos vêem, na postura crítica do sueco ante a religião, uma revolta contra o próprio pai, e não propriamente contra Deus.
Tudo isso se infiltrou com força em “O Sétimo Selo”, cuja história nasceu de uma peça teatral. Ao adaptar o enredo para o cinema, o cineasta optou por manter os traços não-realistas oriundos da origem nos palcos, e incrementou esta opção através de uma estética derivada de movimentos como o expressionismo, que adotavam técnicas radicais de iluminação para sugerir um cenário além da realidade. Com uma produção pobre, Bergman filmou quase tudo em estúdio, inclusive as cenas que se passam em florestas, o que justifica o uso de muitos planos com a câmera postada próxima aos atores. A história reúne esquetes em torno de uma situação única: uma partida de xadrez, disputada ao longo do filme, entre um homem comum e a Morte.
A metáfora principal do filme, tornada mais clara nas longas conversas mantidas entre a Morte e o cavaleiro, funciona com eficiência – é simples, básica, engenhosa, atinge um nível profundo, quase como uma fábula. Além disso, o sueco pontua toda a ação com alegorias e referências religiosas que nem sempre têm intenção muito clara, mas contribuem para impregnar a obra de uma religiosidade melancólica e tortuosa, o que reforça a investigação do tema.
Um exemplo? Há uma família de andarilhos no filme, que o cavaleiro encontra e toma sob sua proteção, formada por pai, mãe e bebê. Muitos críticos interpretam esta família como uma metáfora para Jesus, José e Maria. Bergman jamais confirmou ou negou esta hipótese, mas ela parece bem plausível, inclusive porque o cavaleiro tem uma epifania justamente quando encontra o trio. Mas, afinal, o que a aparição da família quer dizer? A explicação fica por conta de cada espectador. Na obra de Bergman, não há respostas fáceis.
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