sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Crítica: Era uma vez no oeste (Sergio Leone, 1968)

por Rodrigo Cunha
Extraído de http://www.cineplayers.com/critica.php?id=243


Um dos melhores faroestes já feitos, bem diferente dos demais que Leone apresentara ao público.

“O ritmo do filme pretendeu criar a sensação dos últimos suspiros que uma pessoa exala antes de morrer. Era Uma Vez no Oeste é, do começo ao fim, uma dança da morte. Todos os personagens do filme, exceto Claudia (Cardinale), têm consciência de que não chegarão vivos ao final”

- Sérgio Leone

Em mais um dia de sol intenso no Oeste, três homens com longas capas bege aguardam a chegada do trem em sua estação. Não querem bilhetes, mas também não pretendem viajar. De arma em punho, eles apenas esperam, no mais puro tédio que resume a palavra. Um está embaixo de uma goteira, bebendo a água que se acumula em seu chapéu. Outro brinca com uma mosca, que passeava por sua barba por fazer. O terceiro cospe no chão. O vento. A expectativa. O apito. Ele anuncia que a espera chegara ao fim. Os três tomam posição estratégica, aguardando alguma coisa. Ou alguém. Engatilham suas armas e, mais uma vez, esperam. O trem descarrega os itens que para ali se destinam, mas ninguém desce. Os homens observam atentos. Nada. Novamente o apito e o trem começa a andar, partindo. Os homens abaixam suas armas e viram as costas. Nesse momento, ouve-se o som de uma gaita. Eles param e viram-se rapidamente, com as armas novamente em punho. Assim que o trem termina de passar, um homem revela-se por detrás dele, do outro lado do trilho. Ele tem uma gaita em mãos.

Logo após finalizar sua Trilogia dos Dólares, formada por Por um Punhado de Dólares, Por uns Dólares a Mais e Três Homens em Conflito, Sergio Leone resgatara todo o respeito e a certeza de que os faroestes poderiam ser bons filmes, não apenas entretenimento barato. Agora almejava novos horizontes. Em sua mente já se desenhava um dos maiores clássicos policiais de todos os tempos, mas a Paramount só bancaria seu sonhado Era Uma Vez na América caso ele fizesse apenas mais um faroeste. Sergio estava em um beco sem saída, uma vez que, na sua cabeça, já não haviam mais histórias nesse gênero para serem contadas. Mas Leone não se deixou levar pelo olhar ambicioso sobre os lucros que esse novo filme poderia gerar. Se devia ser feito, que fosse algo bom. Ele se juntou então com Sergio Donati, Bernardo Bertolucci e Dario Argento para escrever a história e o roteiro desse seu novo trabalho. Assim nasceu a obra-prima Era uma vez no Oeste.

Jill (Claudia Cardinale) é uma ex-prostituta de New Orleans que largou a vida na cidade grande para casar com Brent McBain (Frank Wolff), um sonhador dono de uma propriedade no meio do nada, viúvo e pai de três lindas crianças. Quando Jill chega à fazenda “Água Doce”, encontra uma chacina realizada na sua nova família. A única pista de quem pode ter feito tal crueldade está em um pequeno pedaço de pano encontrado no local, que remete à cruel gangue de assassinos de Cheyenne. Como Leone queria algo novo para sua história, uma das soluções encontradas foi elevar a importância de Jill dentro do contexto geral, uma vez que Leone não havia reservado papéis importantes para mulheres em seus filmes. A partir do momento que ele coloca Jill no centro de tudo o que acontece no filme, dá uma nova direção aos seus trabalhos também.

Charles Bronson interpreta o mocinho da história, conhecido como “O Gaita”, homem não identificado de jeitão calado e muita atitude. Não sabemos sua motivação até o final, mas sente-se um doce gosto de vingança em suas atitudes, principalmente quando seu caminho se cruza com o da nossa protagonista Jill. A escolha inicial de Leone para o papel seria Clint Eastwood, mas analisando o filme com um todo, percebe-se que não seria uma boa opção. Não que Eastwood não seja capaz de interpretar um personagem como “O Gaita”, e sim por já ter uma personalidade bastante marcada por protagonizar os três filmes anteriores de Leone. Caso Eastwood fosse mesmo o escolhido para o papel, as pessoas poderiam ligar erroneamente o fato de Leone estar fazendo um novo faroeste protagonizado por Clint Eastwood e correrem para o cinema esperando um novo Três Homens em Conflito. Mas não era esse o caso.

Era uma vez no Oeste é um filme muito mais plástico que os outros de Leone, um drama ambientado no Velho-Oeste. Aqui acontece uma história muito mais profunda, sem humor e com violência menos explícita que em seus outros filmes, mas essas não são necessariamente características ruins. São apenas diferentes. Até mesmo o jeitão do “Gaita” não combina com Clint Eastwood. Ele não é irônico, canastrão e nem brinca com a cara das pessoas. Ele é apenas um tremendo grosso que impõe a sua força quando necessário, calado e de atitude. Em Charles Bronson o diretor encontrou a pessoa certa para combinar boa atuação com o perfil que o personagem exigia.

A idéia de utilizar Clint Eastwood, Lee van Cleef e Eli Wallach, os três protagonistas de Três Homens em Conflito, na introdução do filme (a cena descrita ao início desta análise) chegou a ser cogitada, mas infelizmente teve de ser arquivada devido à indisponibilidade dos atores. Seria algo genial, mágico, pois ninguém imaginaria que esses três atores, tão famosos por seus trabalhos com Leone, morreriam logo nos dez minutos iniciais. Metaforizaria também o corte bruto que Leone queria fazer com seus outros faroestes, deixando claro que Era uma Vez no Oeste seria algo novo, e que eles esquecessem os três que ali estavam.

Outra sacada de gênio, porém dessa vez concretizada, foi que Leone conseguiu ninguém menos que Henry Fonda (de Doze Homens e uma Sentença) para fazer o vilão da história. Fonda nunca tinha feito tal papel na vida. Depois do massacre, quando a câmera gira e mostra que o responsável por aquela cruel chacina era Henry Fonda, muitas pessoas ficavam surpresas e já na expectativa do que de novo aquele filme poderia trazer. Suas lentes azuis bem fortes e a ambição de ser uma pessoa grande tornaram-se características imortais para esse cavalheiro agora na pele de um urubu seco para comer suas carniças.

Fechando o elenco principal temos Jason Robards interpretando Cheyenne, um dos personagens mais interessantes de todo o filme. Barba mal feita, jeitão de safado, o cara é conhecido como um cruel assassino no local onde atua. Quando tentam incriminá-lo de alguns crimes que não cometeu, o cara acaba se tornando um dos mocinhos da história, criando um contraste extremamente interessante com a fama que lhe rodeia. Fora que suas cenas de ação, como quando ele salva Charles Bronson no trem de Morton (Gabriele Ferzetti), geram empolgação e remetem ao seu bom e velho faroeste.

Vale lembrar que esta parte é apenas uma referência aos seus outros trabalhos, o que é mais uma característica de Era uma Vez no Oeste. Leone se preocupou a todo momento inserir uma coisa ou outra que remetesse aos mais conhecidos faroestes já feitos, como por exemplo o modo de filmar a ação de filmes como Rastros de Ódio, Matar ou Morrer, No Tempo das Diligências e Os Brutos Também Amam. Até mesmo filmar no Monument Valley, locação preferida onde John Ford filmara oito de seus filmes, Leone filmou. Seu perfeccionismo era tanto que até pegar um pouco da terra vermelha do local para ser usada nas cenas de estúdio, fazendo entrar poeira pelas janelas e portas dos locais, ele usou. Outra significativa inclusão no filme é a chegada da prosperidade ao Oeste, representada pela linha do trem, por exemplo, e o crescimento que ela traria. A tecnologia como um novo elemento.

O ritmo do filme é bem lento, calculado, sempre criando expectativa para o que vai acontecer a seguir e como o que está na tela irá terminar. Leone demorava horas para fazer um plano simples para poder alcançar a mais perfeita estética que estes planos poderiam gerar. Ele deixava que cada um tivesse o seu significado. Leone chegava até mesmo a controlar a quantidade de poeira que estaria em cada roupa de seus atores, e utilizou fotos de época exigindo o máximo de fidelidade de sua equipe na hora de criar a arte do filme. O resultado foram alguns planos memoráveis, como quando Claudia chega na cidade e ainda não temos uma visão do local. Apenas alguns planos da estação de trem e, quando ela atravessa essa estação, a câmera fixa por uma pequena janelinha. Após a grua levar a câmera bem alto, temos noção da dimensão da cidade que fora construída apenas para esse filme (o orçamento folgado liberado para essas construções era maior do que o orçamento inteiro gasto em Por um Punhado de Dólares).

O duelo final entre “O Gaita” e Frank é memorável. Para mim, a melhor cena do filme disparada. Desde a preparação, com a chegada de Frank e o encarar dos dois, até o "mega-hiper-ultra" close nos olhos de Charles Bronson, para representar a entrada na mente dele pelo público, tudo tem seu significado dentro da obra. Com o flashback, todo o filme ganha uma importância extra, pois conhecemos a motivação do “Gaita” e a importância de suas ações. Como drama também, pois a cena é simplesmente revoltante e nos faz pensar se teríamos a mesma calma do personagem em suas atitudes ao se confrontar com Frank.

Outro fator que ajudou Era uma Vez no Oeste a ser uma valsa da morte foi sua trilha musical, algo a que Leone sempre deu muita atenção em suas obras. Cada personagem possui sua trilha sonora própria, entrando em cena juntamente com o seu possuidor. Mais uma vez durante a cena inicial, quando não há nenhuma trilha sendo executada (afinal, não havia nenhum personagem principal em cena ainda), Leone elevou a importância dos sons naturais para criar sua trilha. Deixou que o moinho de vento fizesse mais barulho, que a goteira fosse percebida, que a mosca fosse tão irritante quanto na vida real. Quando o trem chega, entra a trilha sonora de “O Gaita”.

Certas vezes, antes mesmo do personagem entrar em cena já sabemos que isso irá acontecer, devido à trilha executada por Leone ao início de cada seqüência. Quando dois personagens estão no mesmo local, percebe-se a genialidade: os temas se misturam criando uma nova sensação ao escutar as músicas, aproveitando ao máximo o belo material que tinha em mãos. Ao invés de torrar nossa paciência apenas com os quatro mesmos temas de sempre, Leone nos faz sentir algo extremamente positivo.

O melhor de tudo é que cada tema tem o seu significado. “O Gaita”, por exemplo, ganha um significado brutal quando, no duelo final, o flashback eleva sua importância ao extremo. As músicas sempre tiveram uma importância fundamental nos filmes de Leone, mas aqui elas ganham o seu patamar máximo. Foram compostas antes mesmo das filmagens começarem, pois Leone queria que elas ditassem o ritmo que sua história seria contada. Isso ajudou também na preparação dos atores, já que Leone costumava tocar seus temas no set para inspirar os atores. Leone já tinha na ponta da língua tudo o que queria antes mesmo de começar a filmar. Tarantino aprendeu bem a lição...

Infelizmente, na época em que foi lançado, Era uma Vez no Oeste não alcançou um grande sucesso comercial nos EUA, o que resultou no corte de 20 minutos do filme para deixá-lo mais acessível ao público, bem como o estúdio queria. Só que o reconhecimento veio com o decorrer do tempo. Uma obra de arte poética e sensível, completa como faroeste, perfeita como um filme. Acabou sendo o primeiro de uma nova trilogia imperdível, seguido por Quando Explode a Vingança e a outra obra-prima Era uma Vez na América. Seja fã de Leone ou não, este é um daqueles títulos indispensáveis para quem quer conhecer a boa história do cinema.

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