quinta-feira, 17 de março de 2011

Crítica: A Carruagem Fantasma (Victor Sjöström, 1921)

por Eugênio Vital
Extraído de http://olugardosangue.blogspot.com/2007/09/krkarlen-1920.html

A Carruagem Fantasma (1920) foi realizado por Victor Sjöström, um dos pioneiros do cinema mudo sueco. Baseado no romance homónimo de Selma Lagerlöf, conta a história de uma lenda sueca segundo a qual um macabro veículo que recolhe as almas dos mortos até ao Além é conduzido pelo último ser humano que morre em estado de pecado na noite do Ano Novo. Esta maldição implica ser testemunha, durante um ano inteiro, da cruel injustiça da Morte e do profundo desespero dos moribundos. Tal sorte caberá a David Holm (brilhantemente interpretado por Sjöström), um alcoólico odioso e autodestrutivo que morre momentos antes de soarem as doze badaladas enquanto aguarda com dois companheiros a chegada do Ano Novo. Assolado por um sentimento de culpa buscará a redenção dos seus pecados, mesmo estando no Além.

Um dos aspectos mais marcantes e originais da estrutura narrativa de A Carruagem Fantasma resulta da utilização de uma série de flashbacks e, até, de flashbacks dentro de flashbacks que vão desvendando, de um modo não linear ou cronológico mas antes em função dos estados emocionais das personagens, as relações que estas mantêm entre si. Através desta técnica, quase inaudita para a época, Sjöström consegue tornar o enredo do filme complexo, mas de fácil compreensão.

Do ponto de vista formal, A Carruagem Fantasma destaca-se pelo uso de uma sucessão de exposições duplas que materializam os episódios mais fantásticos: a chegada da Carruagem envolta em nevoeiro, a imagem fantasmagórica do seu condutor, o périplo nocturno do veículo recolhendo as almas dos mortos, o encontro entre o fantasma de David e a enfermeira agonizante. O êxito arrebatador que o filme obteve ficou a dever-se, também, ao domínio perfeito da montagem paralela, ao rigor demonstrado no enquadramento e composição dos planos, ao elaborado tratamento fotográfico, à excelência dos encadeamentos da acção e à subtil mistura da dimensão onírica e fantástica da história com o realismo descritivo aplicado ao mundo rural do séc. XIX.

O perfeccionismo de Sjöström e do director de fotografia, Julius Jaenzus, e a complexidade das técnicas utilizadas levaram a que o filme, rodado em Maio de 1920, só estreasse na véspera do Ano Novo de 1921 — a escolha da data não terá sido por acaso!

A Carruagem Fantasma pode ser colocado a par de outras grandes obras como Broken Blossoms (1919), de D. W. Griffith, Sunrise (1927), de Friedrich Wilhelm Murnau, ou La Passion de Jeanne d'Arc (1928), de Carl Theodor Dreyer, todos eles tributos gloriosos à dignidade de um estilo cinematográfico marcado por um carácter experimental e inovador, fruto da visão pessoal dos seus criadores.

Ingmar Bergman, que considerava Victor Sjöström um dos seus mestres, disse que via o filme pelo menos uma vez por ano.

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