segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Biografia - Lars von Trier

Lars von Trier nasceu em 1956, na cidade de Copenhague na Dinamarca, em uma família de intelectuais em que, segundo ele, apenas a religião e as emoções eram proibidas. Com aproximadamente 10 anos de idade, Trier começou a se interessar pelo cinema ao ter contato com uma câmera super 8mm que sua mãe possuía. Nela, criou inúmeras curtas amadores onde retratava o mundo a sua volta, experimentando e inventando suas próprias técnicas.

Nos anos 70, dentro de um grupo de diretores de cinema amadores, Trier elaborou dois curtas independentes: “The Orchid Gardener” e “Menthe - la bienheureuse”. Porém, foi anos mais tarde, com sua entrada na Escola Dinamarquesa de Cinema, que o diretor pode de fato explorar tudo o que o cinema da época oferecia. Lá, seu fascínio pelos equipamentos pode ser bastante explorado e expresso em filmes que o destacaram dentro das produções acadêmicas.

Os principais produtos lançados por Trier nesse período foram os filmes de curta metragem “Nocturne” (1980) e “Liberation Pictures” (1982) que, de acordo com ele são exemplos das experimentações técnicas que ele buscava na época.

Após concluir o curso de cinema, Trier lançou seu primeiro filme de longa metragem,“Elemento do Crime” (1984), no qual deixou claro que ainda mantinha grande atenção às questões técnicas. O roteiro, escrito por ele, conta uma história de suspense policial passada na Europa, cheia de simbolismos, e retratada por imagens que criam um clima de frieza e estranhamento do começo ao fim da história. Seus enquadramentos, luzes e efeitos especiais eram milimetricamente sobrepostos a fim de obter o que o diretor desejava, e com o resultado final Trier conquistou o Prêmio Técnico no Festival de Cannes, juntamente com o reconhecimento inicial do público e da crítica.

Em 1987, Trier lançou o filme “Epidemia” onde, com uma produção mais modesta, mas não menos provocativa, apresentou um roteiro metalingüístico. Nele dois roteiristas, interpretados pelo próprio Trier e seu co-roterista Niels Vorsel, elaboram às pressas a história de um filme de suspense sobre uma epidemia que devastava certo continente. A imagem final do filme ainda demonstra a atenção que o diretor dedicava ao tratamento das imagens, mas a falta de recurso da produção fez com que já sejam percebidas pequenas inserções da câmera de mão, e enquadramentos mais livres, ambas características que Trier viria explorar amplamente mais tarde.

O filme “Epidemia” não alcançou o reconhecimento de seu antecessor, entretanto, em 1991, Trier voltou a chamar a atenção de Cannes com o longa-metragem “Europa”. No filme, que se passa na Alemanha Pós Segunda Guerra Mundial, uma trama de suspense e romance se desenrola em meio à produção técnica que o próprio Trier definiu como o ápice de sua obsessão por controle da imagem. Por essa produção, o diretor recebeu no Festival de Cannes de 1991 o Grande Prêmio do Júri e o Prêmio de Melhor Contribuição Artística.

Elemento do Crime, Epidemia e Europa formam a Trilogia Europa ou a Trilogia Hipnótica, já que a hipnose é um tema que permeia estes três filmes. Estes filmes vinham apresentando uma composição visual complexa, carregada de simbologias e elementos que os classificavam, muitas vezes, como produtos demasiadamente calculados e frios. Trier alega que esse fator dificultava até mesmo seu convívio com os atores, pois, até aquele momento, eles funcionavam apenas como peças de xadrez que ele movimentava a fim de chegar às imagens que queria, e pouco podiam opinar.

Ele percebeu, então, que não se sentia completamente satisfeito com essa forma de trabalho, pois, quando seguia todas as suas propostas técnicas, e seus storyboards com afinco, sempre lhe parecia que algo era perdido durante as gravações. Passou a procurar uma nova forma de trabalho, em que pudesse oferecer maior liberdade aos atores, e assim obter resultados mais emotivos e interessantes.

Em 1994, Trier dirigiu para a televisão dinamarquesa a minissérie de terror e humor negro “O Reino”, que já indicava grandes mudanças nas suas técnicas de filmagem. Ela mostrava o dia-a-dia de um hospital onde inúmeros fenômenos paranormais e assombrações aparecem e, Trier, a retratou através de uma imagem granulada e escura, dando o clima e o destaque aos personagens e suas tramas bizarras. Grande parte das seqüências eram gravadas com a câmera de mão, os cortes da montagem eram secos e a iluminação original mantida. O resultado cru era exatamente o que a série precisava, e o sucesso foi tão grande que mais tarde Trier dirigiu “O Reino II”, com novos episódios, e os lançou editados em um longa-metragem de 4 horas exibido em festivais de cinema por todo o mundo.

Em 1996, Trier trouxe às telas o drama romântico “Ondas do Destino”. Este foi o primeiro filme da trilogia “Coração de Ouro” a ser lançado, e se baseava em um conto de fadas dinamarquês de mesmo nome que fez parte da infância de Trier. No conto, uma menina se sacrifica para ajudar os outros acima de tudo, sem pensar em si própria. Por esse filme, Trier recebeu inúmeros prêmios, inclusive o grande Prêmio de Cannes em 1996.

Em 1998, o diretor lançou o filme “Os Idiotas”, segundo filme da trilogia “Coração de Ouro”, e seu primeiro fiel ao Manifesto Dogma 95, que havia criado com Thomas Vintenberg em 1995. Com um roteiro provocante, Trier mais uma vez estarreceu o público e a crítica mostrando que sua proposta dentro dos dez mandamentos do movimento poderia, de fato, resultar em uma história interessante e coesa. Ele alegou que essa forma de trabalho só é possível, pois ele, desde o começo, sempre se mantém fiel a seus roteiros, incluindo nos filmes apenas algumas poucas cenas interessantes que forem improvisadas pelos atores no set.

Dançando no Escuro”, o último filme de sua trilogia “Coração de Ouro”, foi lançado em 2000 e, contrariando as expectativas dos críticos, não seguia aos rígidos mandamentos do Dogma 95. O filme contava um musical dramático e, Trier, afirmando que cada um de seus trabalhos pede sua própria estética, nesse caso chegou a usar até 100 câmeras fixas simultaneamente para captar variados ângulos das cenas cantadas. Mesmo com essa excentricidade, o diretor em nenhum momento perdeu seu enfoque no conteúdo.

No roteiro, a personagem Selma, vivida por Björk, é uma imigrante tcheca que mora nos EUA, está perdendo a visão e trabalha para conseguir dinheiro e operar seu filho que tem, por hereditariedade, a mesma doença. Diante dessa situação, a inocente personagem, apaixonada pelos clássicos musicais americanos, se abstrai de sua vida sofrida sonhando com as cores e sons dos mesmos. Nos momentos em que são retratadas as cenas da vida da personagem, a câmera de mão, as imagens tremidas e os cortes secos bastante presentes na obra de van Trier, criando um clima próprio de grande frieza para aquela realidade. Entretanto, no mundo de sonhos, todos os ângulos das cenas de dança transbordam cores aos olhos dos expectadores, que sentem o alívio momentâneo da personagem, e saem compenetrados do mundo apagado de Selma.

Esse filme foi considerado por muitos um dos mais dramáticos já feitos, pois com sua proposta de closes, personagens carismáticos e regras de dinâmica claramente estabelecidas, Trier acabou levando novamente o público a se envolver de uma maneira muito profunda com a trama. “Dançando no Escuro”, aclamado pela crítica, recebeu o prêmio de maior prestígio do Festival de Cannes: a Palma de Ouro.

Por retratar a vida da personagem nos EUA, sem nunca ter estado nesse país, Trier recebeu duras críticas da mídia. Alegou que sua vida, assim como a de grande parte das pessoas do mundo, é composta em 70% por elementos difundidos pela cultura americana, e por isso não temia apresentar em seu filme uma faceta dessa sociedade, acreditando que essa só se tornaria mais interessante por possuir as características e erros da visão de um estrangeiro.

Em 2003, Trier, que se disse tentado pelos críticos, lançou mais um filme cujo roteiro se passa nos EUA: “Dogville”. Novamente se propondo novas regras, o diretor criou o conceito que chamou de “filme fusão”, onde uniu elementos da linguagem da literatura, do cinema e do teatro. Para criar o conceito principal do filme, afirmou ter se inspirado no “teatro épico” de Brecht.

Aplicado em Dogville, o conceito de "teatro épico" ofereceu grande destaque à trama, pois Trier chegou ao ápice de remover todo o cenário e apenas demarcar o chão com a planta da cidade em que os personagens convivem, inserindo poucos móveis e luzes cenográficas. O público, diante disso, tem um estranhamento inicial por visualizar apenas atores abrindo portas imaginárias, e as ações de pessoas que supostamente estão em outros ambientes, mas que aparecem a todo o momento por não haver paredes no local. Contudo, após alguns momentos, toda aquela cidade claramente se remonta na mente de cada um que a visualiza, e a trama passa a ser acompanhada de perto, sem os desvios de atenção que os cenários podem provocar.

“Dogville”, primeiro filme da trilogia “EUA - Terra das oportunidades”, conta uma história dramática sobre vingança, em que o diretor discute friamente aspectos da formação das sociedades, suas relações e mazelas. Cada vez mais caricatos, seus personagens são expostos ao público de forma íntima, criando um vínculo com o mesmo que, se hipnotiza pelo jogo de quebra de paradoxos técnicos e morais, e desaba geralmente em uma sensação subversiva. Essa experiência pode ser agradável para alguns, e causar repúdio a outros, mas de um modo geral atinge o objetivo do diretor de provocar a reflexão diante da história.

Diferente de suas seqüências de filmes anteriores, na trilogia “EUA” os filmes são realmente continuações de uma mesma história, sendo que o segundo filme “Manderlay” foi lançado em 2005.

O último filme da trilogia, com o nome previsto como “Washington”, ainda não foi lançado e, segundo Trier, só será feito no momento em que ele estiver interessado em gravá-lo. Isso porque o diretor, que diz ter passado sempre por problemas emocionais, tem reduzido sua carga de trabalho devido a uma crise de depressão.

Desde 1991, von Trier trabalha em um projeto chamado “Dimension”, estrelado por seu amigo Udo Kier. Todo ano, durante o período natalino, Lars roda 3 minutos do filme em um local diferente da Europa. O cineasta planeja terminar o filme em “2024”.

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