Extraído de http://cinetoscopio.com/filmes/critica-luz-de-inverno/
Quando os sinos de uma igreja tocam, é sinal de que a missa está prestes a começar. Logo no primeiro minuto de filme, sinos badalam e o Padre Tomas (Gunnar Björnstrand) reza uma missa para poucos fiéis. Já de cara, o diretor expõe algo às vezes obvio: precisa-se realmente de uma missa para conversar com Deus? Porque ir a uma missa é uma obrigação e não algo de espontânea vontade? A fé é uma salvação ou um instrumento de proteção?
Os questionamentos vão surgindo. O padre rezando a missa para poucos fiéis é algo assolador, seria o fim do que se acredita santo? Seria o fim da fé? O filme se situa numa época conturbada da história, a Guerra Fria, mais precisamente no longo ano que foi 1962, por se tratar do ano em que as armas nucleares fizeram um grande boom no mundo. Era o ano em que a guerra nuclear era iminente, era o ano que as pessoas começaram a temer por sua existência, era o ano que Deus se esqueceu do mundo.
Ele tem uma amante, Marta (Ingrid Thulin), que a ama. Em um dos momentos mais espetaculares do filme, enquanto ele lê a carta que ela deixa, fica clara a associação inevitável dela com a pessoa de Jesus Cristo. As chagas na mão e o pedido de amor, uma vez que ela está doando seu amor por alguém, é onde o padre começa a se questionar sobre a veracidade de sua fé.O amor por esse ponto é algo que se renova como Jesus ressuscitou para renovar nossa fé. Mas ele não acredita nisso, é como se não acreditasse mais no amor, como se não mais acreditasse na fé que defende. Em um momento onde ele explica a ela sobre a dualidade que pode ser acreditar em Deus, uma vez que ele pode ser algo tenebroso e amedrontador, vingativo e em alguns sentidos perverso, como no Antigo Testamento da Bíblia; ou nesse mesmo tempo pode ser amoroso, complacente, capaz de mandar seu filho morrer por nós para provar seu amor, como no Novo Testamento, ele quer mostrar que Deus existe para cada um de formas diferentes, mas no fim, ele é um só. Deus é amor, e é nisso que ele existe. Mas quando não mais se acredita no amor, o que é Deus?
As estruturas do padre são mais abaladas quando um homem (Max Von Sydow), abalado pelo medo de viver a crise atômica, decide procurar o padre para pedir auxilio em sua angustia. O padre é ainda mais abalado que o pobre pescador, e isso culmina na sua própria morte. Como alguém que está ali para prestar um serviço de ajuda espiritual e não consegue nem ao menos ajudar um homem a tranqüilizar a mente? A partir desse momento ele sente o peso da batina, e sente também que não pode mais procurar a solução do seu problema na hora de rezar uma missa. Só que um padre também é humano, e sua fé dizia que os alicerces de sua fé estavam no amor que ele sentia pela esposa, e era onde ele enxergava o Deus bom. Com a morte dela e o declínio de sua paróquia, só pode enxergar o Deus cruel.
E esse não é um filme que diz que Deus não existe e que não se pode mais acreditar no melhor. Mas é um filme que te pede acima de tudo, para renovar sua fé e se desprender de qualquer dogma ou corrente que te aprisione e te obrigue a amar e a adorar aquelas estátuas, comer a hóstias e beber o vinho, ajoelhar, sentar e cantar. É um filme que diz para renovar aquilo que acredita e ter mais fé em si mesmo e no que julga ser a verdade. No fim das contas, é isso que Deus é. Fé.
Os questionamentos que surgem ao longo do filme sobre a existência ou não de Deus são a base para o argumento que rendeu esse belíssimo filme sobre fé. Falar sobre religião e ainda por cima sem se prender a um lado e sem criticar gratuitamente a religião em si é difícil, mas só um gênio como Ingmar Bergman para fazer tudo parecer tão fácil.
Filmando os olhos e tirando deles sinceras e destruidoras (no bom sentido) atuações, produz-se um filme intenso e muito realista sobre o poder da fé e sobre o seu significado, indo além do que seja Deus e suas lições.
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