Extraído de http://cinemacomrapadura.com.br/criticas/221712/a-arvore-da-vida-o-poder-da-setima-arte-em-obra-existencialista/
A Árvore da Vida: o poder da sétima arte em obra existencialista
O cineasta Terrence Malick realiza o seu filme mais ambicioso, propondo significativas questões filosóficas que irão repercutir na mente dos espectadores, independente de suas crenças. Uma experiência cinematográfica incrível.
O grande feito deste “A Árvore da Vida” é lidar com temas existenciais sem alienar religiosos ou ateus. Escrito e dirigido por Terrence Malick, o longa retrata quão magnífica e terrível a vida pode ser, fazendo isso em diversos níveis.
O mais presente deles é a luta interna de seu personagem central, Jack (Sean Penn), amargurado filho de um casal com ideologias completamente diferentes. A trágica morte do irmão mais jovem do protagonista, aos 19 anos, marcou aquela família para sempre, com este trauma ainda se fazendo presente muitos anos depois.
A escala da história contada por Malick é inacreditável, indo desde o Big Bang até os dias atuais. O cineasta cria uma narrativa única através de uma montagem não-linear. Algumas das elipses presentes em determinado ponto da produção avançam em centenas de milhares de anos, remetendo diretamente a “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, de Stanley Kubrick, cujo estilo cinematográfico é referenciado por diversas vezes durante a projeção, inclusive de modo bastante gráfico em uma determinada tomada.
As lacunas presentes na produção devem ser preenchidas pelas próprias experiências do público, com este sendo confrontado e desafiado por questionamentos a cada momento, com o longa nunca apresentando respostas fáceis. Estaria o milagre da vida nos magníficos e aterrorizantes eventos que fizeram com que seres tão diferentes existam em nosso mundo ou escondido nas nossas interações com o meio e com nós mesmos? E como aceitar a existência de um Deus que nos interpõe tantos dissabores e dificuldades?
Dentre tantas perguntas, Malick parece ter uma certeza: a capacidade de amar e de se assombrar da humanidade é o que define a beleza e a razão da existência desta. Destarte, seriam os percalços e destruições que ocorrem durante nosso período nesta esfera azul o preço a pagar por tais maravilhas, uma parte inerente da incrível aventura que é viver?
Nada retratado nos contemplativos e longos planos estabelecidos pelo diretor é por acaso, com a menção explícita ao livro de Jó se mostrando precisa. Aceitar acontecimentos negativos se torna difícil para aqueles que, instintivamente, visam uma noção egoísta de bem estar.
Neste ponto, surge o conflito entre a Mãe (Jessica Chastain) e o Pai (Brad Pitt) de Jack. Fincando este ponto da narrativa nos anos 1950 – a era do self-made men americano -, presenciamos o crescimento do pequeno Jack (Hunter McCracken), seu amor pelo irmão fadado à morte e sua evolução de criança inocente até o adulto sem alegria que vimos ao encontrá-lo pela primeira vez. As performances que o diretor extrai do elenco, principalmente do trio Pitt, Chastain e McCracken, são absolutamente arrebatadoras, com a dinâmica familiar sendo extremamente beneficiada pela química entre os atores.
A forma autoritária e dura com a qual Jack e seus irmãos são tratados pelo austero Pai esconde um amor palpável e um desejo de que seus filhos consigam ser donos de si mesmos, de suas existências, de seus sonhos. Tal ponto de vista é contrastado pelo carinho incondicional que os garotos recebem da Mãe, que absorve as dificuldades da vida de forma aparentemente passiva, sem entrar em conflito direto com seu esposo, jamais traindo sua natureza abnegada e bondosa, dotada de uma compaixão que lhe vem sem esforço.
O Pai é visto como uma figura relativamente ausente e, ao aparecer, notamos primariamente suas características menos agradáveis, com até mesmo sua paixão pela música se tornando uma fonte de ressentimento. Mesmo assim, o público jamais sente antipatia pela figura paterna exatamente por ser tangível o amor que este sente por seus filhos, ainda que o sentimento se manifeste de formas pouco carinhosas e nada complacentes. Notem que ele trabalha em uma fábrica, sempre lidando com elementos artificiais. Dono de várias patentes, o longa ressalta que o Pai é um inventor, um criador, deixando bastante clara esta metáfora em relação a Deus.
Enquanto isso, a Mãe é enquadrada por uma viés acolhedor, sempre em comunhão com seu meio, seja no seio do lar ou no verde da grama sobre a qual pisa com seus pés descalços. Suas interações com os filhos ocorrem de maneira leve, descontraída, com ela sempre banhada em uma luz que aparenta ser quente e acolhedora, tal como sua personalidade, dando-lhe um ar quase etéreo.
Mãe e Pai são vistos quase como partes de uma espécie de “santíssima trindade” para Jack que, aos poucos, vai conhecendo mais sobre si mesmo. Desta noção, há um novo questionamento: Pai, o pequeno Jack e Mãe representariam “Pai, Filho e Espírito Santo” ou ”Superego, Ego e Id” para o protagonista? Repare que, a despeito do Jack adulto ser a alma conflituosa que nos leva nesta jornada, é pelo ponto de vista de sua versão jovem que enxergamos a lide interior do personagem, até a sua catarse final.
Contando com uma fotografia irretocável, ótimos efeitos especiais e embalado pela belíssima trilha sonora de Alexandre Desplat (reforçada por composições clássicas, tais como “Vltava”, de Bedřich Smetana), “A Árvore da Vida” é uma obra repleta de simbolismos e significados. Trata-se não apenas de um filme, mas do poderoso retrato de um artista sobre a própria natureza da vida. Recomendado.
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