por Gabriel Neves
Traduzindo motivações para palavras, o
homem permanece uma incógnita que permanecerá sem ser descoberta. A
frieza humana provém do mesmo lugar que deu origem à bondade. E porque
não se perguntam os motivos para ambos? Porque apenas o mal assume lugar
nesse fim do devir, nessa decisão do bem e do mal, sem dar nenhuma
chance das motivações boas se explicarem? Há bondade em impulsos
considerados maldosos pela moral social? E como se define um psicopata
numa sociedade? Todo o público que foi ver e ainda verá a obra de Truman
Capote adaptada para o cinema sabe muito bem distinguir o certo do
errado à partir de uma ideia perdurada da filosofia platônica. Mas é
impossível sair do cinema balançado. Sabe-se que aquele ali é o certo,
mas o final não poderia ser diferente?
A Sangue Frio é um filme baseado no
romance homônimo de Truman Capote. Ele conta a história de Perry Smith
(Robert Blake) e Dick Hickock (Scott Wilson), dois criminosos que
começam a bolar um plano para roubar todo o dinheiro da família Clutter,
uma família de fazendeiros ricos de Holcomb, Kansas, e assassinar todos
os moradores da casa. Após a brutalidade do assassinato, que realmente
ocorreu, o filme não para. Aos poucos ele mostra as motivações, as
personalidades e a mentalidade dos dois criminosos, explorando tudo que
os levou a cometer o crime.
O que difere essa obra de 1967 de
qualquer outra que já tinha vindo é a aproximação do público com o lado
antagonista do longa-metragem. Se alguém vai para o cinema e acaba
simpatizando com um psicopata cuja única função no filme inteiro foi
matar, roubar, estuprar, torturar e tudo isso à sangue frio, isso não é
considerado normal se não houver um atrativo a mais para a
caracterização do vilão. Mas quando o vilão nos é apresentado junto a
sua ficha criminal e suas motivações para o caso e todo o psicológico é
posto à prova, é difícil não admitir que o antagonista é que trouxe o
carisma para a sessão. Primeiramente analisamos a visão de Dick, o homem
que planejou tudo e apenas incluiu Perry em seu plano pela facilidade
que ele tinha em perder a cabeça e matar. Dick fez tudo isso pelas
motivações mais pífias que podem existir: conseguir dinheiro fácil, sair
com as mãos limpas, apostar numa garantia inexistente na vida. É a
despreocupação ambulante, que consegue improvisar caso algum plano dê
errado. Todos os seus passos são movidos pela ganância e, após isso,
pela aceitação. Desde que ele sempre esteja com um sorriso idiota no
rosto, sempre com um ar superior aos demais até quando está por baixo.
Ele não se deixa atingir e isso é fatal para ele. No fim do filme, o
público chega a agradecer pelo final que lhe é dado.
Perry é o contrário disso tudo em apenas
uma parte de sua consciência perturbada. O homem tem seu certo carisma e
cria toda uma aura bondosa ao redor de suas ações que o público
consegue adquirir simpatia pelo antagonista, e esse é um grande trunfo
tanto do livro quanto do filme. Ao tornar o criminoso o psicológico
principal do longa metragem, explora-se um lado desconhecido do
espectador. Como se sente tamanha afeição por um homem que se mostra
implacável, que consegue matar facilmente e prova isso aos poucos para a
tela? Com uma delineação magnífica da redenção e de um perfil
perturbado, ele chega a um ponto em que só se pode sentir pena. Há até
uma revolta por causa do final de Perry, mas, analisando o crime apenas
em teoria e não colocando o papel social sobre o homicida, ele não fez
por merecer? Os atores principais merecem uma ressalva, tanto Scott
Wilson, por criar tamanho ódio num drama concentrado para as telas;
quanto Robert Blake, que é o lado emocionante e humano de A Sangue Frio.
Há até uma certa química entre os dois em cena, por meio de palavras ou
de ações, que não se concretiza explicitamente. Outro ponto que merece
ser levado em conta é a fotografia de Conrad Hall, que até foi indicada
ao Oscar de 1967. O filme, que é todo rodado em preto e branco, possui
cenas lindas que se contrastam graças aos diversos tons escuros.
Uma das últimas cenas foca a face de
Perry enquanto ele faz um discurso. Observar as gotas de chuva caindo
pela janela dá a impressão sutil de que ele chora enquanto fala. É a
humanização do monstro até por parte da natureza. Tudo em A Sangue Frio é
carismático, é tocante e é enganador. É a visão de um criminoso que não
se espera encontrar em cada esquina, um criminoso que é gentil, que
respeita e que tem medo, por mais que tenha uma facilidade espantosa em
matar. É a inversão de papéis feita por Truman Capote em seu livro que
tornou Perry a vítima de todo o planejamento, enquanto a sociedade se
mostrou cruel em não deixar ele sair impune. Depoimentos foram feitos
para deixar o homem cada vez mais bondoso. Mas de que, afinal, adianta a
bondade num equilíbrio para redenção dos pecados? E onde está a
verdadeira diferença entre o pecado e as boas intenções?
Nenhum comentário:
Postar um comentário