por Rodrigo Cunha
Extraído de http://www.cineplayers.com/critica.php?id=808
Uma obra-prima do diretor Sidney Lumet, que levou para as telas a história real de um assalto famoso.
Um Dia de Cão é mais uma obra-prima do diretor Sidney Lumet, lançado há quase vinte anos da obra máxima do diretor, Doze Homens e uma Sentença, e apenas a dois de Serpico,
também com Al Pacino. Visto sob um olhar descuidado, pode parecer
simples demais, uma história de assalto a banco feijão com arroz, mas,
se visto com a devida atenção que merece, vai se mostrar infinitamente
mais complexo do que antes; tanto na construção psicológica cuidadosa de
seus personagens quanto no polimento das imagens.
Baseado na história real ocorrida em 22 de Agosto de
1972, conheça Sonny (Al Pacino) e Sal (John Cazale), dois homens comuns
que simplesmente entram em um banco e o assaltam, sem nunca ter a mínima
noção do que estão fazendo exatamente. O que era para durar apenas
alguns minutos estende-se por várias e várias complicadas horas, com
direito a policiais fortemente armados, imprensa tornando tudo em um
gigantesco evento e uma platéia de curiosos que reage a todos os
acontecimentos.
Vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original, escrito
por Frank Pierson, baseado nos artigos de Kluge e Thomas Moore, o
brilhante aqui não é uma situação estratosférica, gigantesca, digna de
um grande blockbuster; o que vale realmente é a situação simples,
anormal, lotada de pequenos detalhes que a enriquecem e a aprofundam.
Perceba, por exemplo, as reações de Al Pacino a todos os imprevistos da
trama, como o olhar surpreso quando a polícia aparece ou então o modo
gentil com que ele trata os funcionários do banco. É tudo muito óbvio,
mas, ao mesmo tempo, profundo. Há um fundamental segredo para o
desenvolvimento da trama, mas que todos os veículos de comunicação
simplesmente ignoram e o revelam, tirando o choque de quem está
assistindo ao filme – algo que não farei, mas dou a dica que é
relacionado à motivação do assalto e que realmente é inesperado.
Acompanhando unilateralmente a visão do personagem de
Al Pacino, que está presente em todas as seqüências do longa, temos
praticamente um "monólogo" interpretativo brilhante do ator, que
indiretamente discute valores da sociedade, preconceitos e mídia. Só que
isso não é ruim, pois simplesmente não atrapalha o andamento e nem o
entendimento da obra e ainda tem o mérito de nos deixar interessados
naquilo tudo – de uma forma ou de outra, somos também uma daquelas
pessoas, seja da parte de fora do banco ou em casa, assistindo à
televisão, interessados no que acontecerá a seguir. Algumas cenas são
clássicas: o povo aplaudindo um Al Pacino que não sabe bem o que faz,
agindo intuitivamente, o entregador de pizza comemorando ter participado
do “evento” que a mídia construiu, ou então as pessoas totalmente à
vontade dentro do banco, onde fica claro que Sonny e Sal nunca quiseram
fazer mal a ninguém; eles foram tão ingênuos que nem um nome fictício
eles chegaram a usar. Uma das reféns chega a dar entrevista durante um
dos discursos de Sonny!
Ao contrário de seu parceiro, Sal é um mistério total
para o público. Interpretando mais uma vez um personagem complexo em
sua carreira, John Cazale, que fez apenas oito filmes, quase todos
obras-primas, antes de falecer por câncer, monta um personagem
extremamente sombrio, que faz tudo por algum motivo que nunca vamos
saber. Sua característica mais forte durante todo o filme é a certeza de
que ele mesmo tem: “não sou homossexual”, apesar de todas as evidências apontarem para o inverso.
Não há uma música sequer para realçar as emoções
pré-estabelecidas pelo longa: as seqüências, por si só, já são tensas o
suficiente para poder segurar a onda do longa. Recheado com um
humor-negro de uma era pré-Tarantino, principalmente pelas atitudes
ingênuas de Sonny (mas nunca idiota, ele está sempre ligado nos passos
dos policiais), o filme tem ainda um final chocante e inesperado, cru e
repentino - os policiais têm a sua teoria e a defendem até o desfecho.
A montagem é ágil e ajuda a manter o interesse em
tudo o que está acontecendo. Mesmo com a escassez de informação do
começo do filme (há personagens que aparecem e desaparecem do nada, mas,
afinal, Sonny realmente não sabe o que aconteceu com eles durante o
assalto), nunca perdemos o interesse do que está acontecendo. As calças
coladas e cores extravagantes definem bem a época em que o filme foi
realizado, mas, ao contrário de seus irmãos inovadores dos anos 70, não
temos uma montagem experimental, e sim o mais linear possível, com as
informações chegando aos poucos, mas sem toda a clareza que Hollywood
costuma mastigar para o seu público. A compreensão vem da inteligência, e
não do explícito.
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