sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Crítica: Um dia de cão (Sidney Lumet, 1975)

por Rodrigo Cunha

Uma obra-prima do diretor Sidney Lumet, que levou para as telas a história real de um assalto famoso. 
 
Um Dia de Cão é mais uma obra-prima do diretor Sidney Lumet, lançado há quase vinte anos da obra máxima do diretor, Doze Homens e uma Sentença, e apenas a dois de Serpico, também com Al Pacino. Visto sob um olhar descuidado, pode parecer simples demais, uma história de assalto a banco feijão com arroz, mas, se visto com a devida atenção que merece, vai se mostrar infinitamente mais complexo do que antes; tanto na construção psicológica cuidadosa de seus personagens quanto no polimento das imagens.
Baseado na história real ocorrida em 22 de Agosto de 1972, conheça Sonny (Al Pacino) e Sal (John Cazale), dois homens comuns que simplesmente entram em um banco e o assaltam, sem nunca ter a mínima noção do que estão fazendo exatamente. O que era para durar apenas alguns minutos estende-se por várias e várias complicadas horas, com direito a policiais fortemente armados, imprensa tornando tudo em um gigantesco evento e uma platéia de curiosos que reage a todos os acontecimentos.

Vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original, escrito por Frank Pierson, baseado nos artigos de Kluge e Thomas Moore, o brilhante aqui não é uma situação estratosférica, gigantesca, digna de um grande blockbuster; o que vale realmente é a situação simples, anormal, lotada de pequenos detalhes que a enriquecem e a aprofundam. Perceba, por exemplo, as reações de Al Pacino a todos os imprevistos da trama, como o olhar surpreso quando a polícia aparece ou então o modo gentil com que ele trata os funcionários do banco. É tudo muito óbvio, mas, ao mesmo tempo, profundo. Há um fundamental segredo para o desenvolvimento da trama, mas que todos os veículos de comunicação simplesmente ignoram e o revelam, tirando o choque de quem está assistindo ao filme – algo que não farei, mas dou a dica que é relacionado à motivação do assalto e que realmente é inesperado.

Acompanhando unilateralmente a visão do personagem de Al Pacino, que está presente em todas as seqüências do longa, temos praticamente um "monólogo" interpretativo brilhante do ator, que indiretamente discute valores da sociedade, preconceitos e mídia. Só que isso não é ruim, pois simplesmente não atrapalha o andamento e nem o entendimento da obra e ainda tem o mérito de nos deixar interessados naquilo tudo – de uma forma ou de outra, somos também uma daquelas pessoas, seja da parte de fora do banco ou em casa, assistindo à televisão, interessados no que acontecerá a seguir. Algumas cenas são clássicas: o povo aplaudindo um Al Pacino que não sabe bem o que faz, agindo intuitivamente, o entregador de pizza comemorando ter participado do “evento” que a mídia construiu, ou então as pessoas totalmente à vontade dentro do banco, onde fica claro que Sonny e Sal nunca quiseram fazer mal a ninguém; eles foram tão ingênuos que nem um nome fictício eles chegaram a usar. Uma das reféns chega a dar entrevista durante um dos discursos de Sonny!

Ao contrário de seu parceiro, Sal é um mistério total para o público. Interpretando mais uma vez um personagem complexo em sua carreira, John Cazale, que fez apenas oito filmes, quase todos obras-primas, antes de falecer por câncer, monta um personagem extremamente sombrio, que faz tudo por algum motivo que nunca vamos saber. Sua característica mais forte durante todo o filme é a certeza de que ele mesmo tem: “não sou homossexual”, apesar de todas as evidências apontarem para o inverso.

Não há uma música sequer para realçar as emoções pré-estabelecidas pelo longa: as seqüências, por si só, já são tensas o suficiente para poder segurar a onda do longa. Recheado com um humor-negro de uma era pré-Tarantino, principalmente pelas atitudes ingênuas de Sonny (mas nunca idiota, ele está sempre ligado nos passos dos policiais), o filme tem ainda um final chocante e inesperado, cru e repentino - os policiais têm a sua teoria e a defendem até o desfecho.

A montagem é ágil e ajuda a manter o interesse em tudo o que está acontecendo. Mesmo com a escassez de informação do começo do filme (há personagens que aparecem e desaparecem do nada, mas, afinal, Sonny realmente não sabe o que aconteceu com eles durante o assalto), nunca perdemos o interesse do que está acontecendo. As calças coladas e cores extravagantes definem bem a época em que o filme foi realizado, mas, ao contrário de seus irmãos inovadores dos anos 70, não temos uma montagem experimental, e sim o mais linear possível, com as informações chegando aos poucos, mas sem toda a clareza que Hollywood costuma mastigar para o seu público. A compreensão vem da inteligência, e não do explícito.

Ao final, temos uma tragédia que a mídia transformou em evento e um evento que Sidney Lumet transformou em obra-prima.

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