sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Artigo sobra a obra de David Cronenberg

FONTE: BOCA DO INFERNO:
http://www.bocadoinferno.com/romepeige/artigos/cronen.html

“Um aspecto do horror, e certamente dos meus filmes, é a repulsa. Tenho que dizer às pessoas que algumas das coisas que elas acham em meus filmes são feitas para serem repulsivas, sim, mas há um aspecto bonito nelas”. Gênio ou louco? Quem acompanha a carreira do diretor (e algumas vezes ator) David Cronenberg sem dúvida já se pegou nesta pergunta e para respondê-la nada melhor do que tentar mergulhar profundamente na obra deste profissional excepcional que entregou alguns dos mais bizarros, escatológicos, polêmicos e marcantes filmes do gênero fantástico e que com sua peculiar assinatura em cada produção gerou uma legião de fãs ao redor do mundo.

O Inicio
David Paul Cronenberg, nasceu no dia 15 de março de 1943 no Canadá. Por ser filho de um jornalista freelance e uma pianista, teve influências na sua entrada no mundo das artes (tocava violão clássico aos 12 anos) e escrita (publicando alguns contos curtos ainda novo), mas sempre mantendo um crescente interesse nas ciências, especialmente em botânica e lepidopterologia (estudo das traças) até que em 1963 entra na Universidade de Toronto como estudante de Ciências, mas um ano após resolve mudar de curso, para literatura, onde recebeu um prêmio honorário da Universidade. Em 1965 Cronenberg fica impressionado com o filme “WINTER KEPT US WARM” de seu colega de classe David Secter, que por sinal foi o primeiro filme canadense em inglês a ser apresentado no festival de Cannes, e se interessa pelo ofício de cineasta e aprende os primeiros passos. Fez duas películas de orçamento zero em 16mm (Transfer e From the Drain) e, inspirado pela cena de filmes underground de Nova York, funda a Toronto Film Co-op junto com Iain Ewing e Ivan Reitman (diretor de OS CAÇA FANTASMAS). Após um ano viajando pela Europa e estagiando em uma TV francesa, Cronenberg retornou ao Canadá e graduou-se como primeiro de sua classe em 1967. Para a sorte de Cronenberg no final dos anos 60, o governo canadense funda Canadian Film Development Corporation (CFDC) para estimular a produção de filmes “não documentais” no país e após a produção do filme de ficção científica STEREO (1969), Cronenberg torna-se um dos primeiros cineastas a utilizar financiamento da CFDC, sendo que sua primeira realização nesta fase foi “CRIMES OF THE FUTURE” (também em 1969), um filme sobre a exploração experimental e surreal da sexualidade, marca que seria freqüente nos próximos filmes do diretor. Após estes dois filmes, Cronenberg deixou as veias experimentais e decidiu que queria ampliar seu público.

O Rei Do Horror
De 1970 até 1973 o diretor trabalhou em curtas para uma televisão local, até que em 1975, com produção de Reitman, Cronenberg dirige seu primeiro trabalho para o cinema, CALAFRIOS (Shivers), que entre uma sutil mistura de A NOITE DOS MORTOS VIVOS (1968) com VAMPIROS DE ALMAS (1956) conta a história de pessoas comuns em um condomínio e que são infectados por parasitas, se tornando gradualmente em um bando de maníacos tarados por sexo. Este primeiro trabalho dividiu as opiniões dos críticos: Os mais moralizadores condenaram-no por conter excessos de sexo e sangue, outros (a maioria da Europa) consideraram-no como um ataque a burguesia, já que em sua visão, os parasitas poderiam ser considerados como anarquistas e ainda hoje é considerado como um dos filmes mais nauseantes já criados. O fato é que entre detratores e elogiadores, Cronenberg ganhou notoriedade no cenário underground e faria mais dois filmes financiados direta ou indiretamente pela CFDC e com temática parecida, que rotulariam o diretor como “O Rei do horror Venéreo” e “Barão do Sangue”: ENRAIVECIDA NA FÚRIA DO SEXO (Rabid, 1977) e FILHOS DO MEDO (The Brood, 1979), que junto com CALAFRIOS formam uma espécie de trilogia áspera sobre as evoluções físicas do corpo humano que podem derrubar a civilização da forma como a conhecemos. ENRAIVECIDA… Teve uma repercussão maior por trazer no elenco a atriz pornô Marilyn Chambers (se bem que a primeira escolha do diretor foi uma jovem atriz então desconhecida chamada Sissy Spacek) e projetou Cronenberg para o mercado internacional.


Ciência E Violência
O primeiro filme de David Cronenberg que pode ser considerado um blockbuster foi SCANNERS – SUA MENTE PODE DESTRUIR (Scanners, 1981), filme de tamanho impacto para a época que trouxe o nome do diretor para o mainstream, o próprio Cronenberg afirmou que era um passo diferente em sua carreira. A história sobre uma conspiração liderada por um telepata homicida tem aspectos técnicos excelentes e conta com um inspirado Michael Ironside no papel do vilão Darryl Revok, mas sem dúvida será lembrado para sempre por sua clássica cena da cabeça explodindo, embora o final do filme não tenha agradado ao diretor. O filme foi o único de Cronenberg que gerou uma franquia (cinco filmes no total, todos inferiores e um remake anunciado).
Dois anos depois, o sucesso causado com SCANNERS amornaria um pouco com seu filme seguinte, VIDEODROME – A SÍNDROME DO VÍDEO (Videodrome, 1983), por ser um pouco incompreendido para a época. A mensagem subliminar sobre até onde a tecnologia pode chegar e alienar seus usuários (especialmente a TV) soa mais atual do que nunca, além de ser uma história envolvente, sangrenta e com forte apelo sexual, como a maioria de seus filmes anteriores. Curiosamente este foi o primeiro filme de Cronenberg financiado através de um grande estúdio, a Universal Pictures. Já no ano de 1983 Cronenberg partiria para uma produção mais dentro dos padrões hollywoodianos, dirigindo A HORA DA ZONA MORTA (The Dead Zone), baseado no livro homônimo de Stephen King. Com um orçamento de 10 milhões de dólares (4 milhões a mais que VIDEODROME) e um elenco de peso, o filme foi bem recebido pelo público e gerou mais de 20 milhões de dólares. Curiosamente este seria seu primeiro filme em que não tinha envolvimento com o roteiro. Entre os anos que se sucederam até seu próximo filme, foram oferecidos ao diretor alguns scripts que são completamente opostos aos seus interesses criativos como UM TIRA DA PESADA (1984), FLASHDANCE (1983), TOP GUN (1986) e até STAR WARS EPISÓDIO VI – O RETORNO DE JEDI (1983). Até que aceitou dirigir o remake do filme A MOSCA DA CABEÇA BRANCA (The Fly, 1958), filme este que mesclando primorosamente elementos de terror e ficção científica é considerado por muitos a obra prima de Cronenberg na direção. A MOSCA (The Fly, 1986) é repleto das metáforas que cercam suas obras e com efeitos especiais que impressionam e enojam, foi sucesso absoluto de bilheteria e crítica, levando inclusive o Oscar de maquiagem no ano de 1986.

A Mudança De Ares
Com sua reputação de diretor devidamente cimentada, Cronenberg resolve em seus próximos filmes deixar o horror e a nojeira um pouco de lado e explorar o lado mais subconsciente do comportamento e da psique humana, sem deixar de lado os roteiros intrincados e controversos, um retorno aos aspectos experimentais do início de sua carreira. Sua primeira incursão neste segmento foi o thriller GEMEOS: MÓRBIDA SEMELHANÇA (Dead Ringers, 1988, apesar do rascunho do roteiro ter sido escrito pelo diretor em 1981), baseado em fatos reais narra a vida de dois gêmeos (ambos protagonizados por Jeremy Irons) ginecologistas e retrata como suas identidades são lentamente desintegradas e se fundem. O próximo trabalho ainda é menos comercial: MISTÉRIOS E PAIXÕES (Naked Lunch) de 1991, é baseado no polêmico livro “Almoço Nu” de William S. Burroughs. Uma biografia exagerada de Burroughs que na visão de Cronenberg torna-se uma viagem lisérgica do ofício de escritor. Com Peter Weller (ROBOCOP) no elenco, é um filme um pouco mais surreal (como se vindo de Cronenberg isso fosse possível), mas autenticamente “Cronenbergiano”, com mulheres que se “abrem” e se transformam em homens e máquinas de escrever que evoluem em órgãos sexuais. MISTÉRIOS E PAIXÕES, mesmo sendo um filme para poucos gostos, foi um de seus maiores sucessos na crítica, levando entre outros 11 prêmios Genie no Canadá. Seu próximo filme também encara de frente o tabu da homossexualidade com M BUTERFLY (idem, 1993): Também inspirado em uma bizarra história real sobre um embaixador francês que se envolve amorosamente com uma cantora de ópera sem saber que se trata de um homem. Trabalhando novamente com Jeremy Irons, este é o filme mais deslocado dentro de seu estilo e por isto mesmo recebido com frieza e indiferença. Para nossa felicidade Cronenberg aprendeu a lição rápido…

O Retornos as Origens
Cronenberg seguiu em 1996 com o filme CRASH – ESTRANHOS PRAZERES (Crash), a obra mais controversa, polêmica e discutida do diretor. Baseado no romance underground escrito por J. D. Ballard (escrito em 1973), CRASH mostra um cenário psicológico futurista com personagens que entram em rituais bizarros de carros batidos que envolvem sexo e fetichismo. O filme é tão intenso que foi banido na Inglaterra por algum tempo e foi lançado nos Estados Unidos com classificação NC-17 (proibido para menores de 17 anos), além de algumas manifestações de repúdio devido ao seu conteúdo, considerado pornográfico e niilista. Entretanto foi agraciado com o prêmio especial do juri no festival de Cannes e é considerado uma obra prima moderna pelos veículos especializados. Seu próximo filme foi eXistenZ (idem, 1999) onde Cronenberg volta com um roteiro original de sua autoria, coisa que não acontecia desde VIDEODROME e em seguida SPIDER – DESAFIE SUA MENTE (Spider, 2002) baseado no livro de Patrick McGrath. Apesar de serem bem diferentes em termos de ROTEIRO, ambos os filmes tratam de ficção científica e o limiar entre a realidade e a loucura, como nos primórdios de sua carreira. Mas até um diretor de talento passa por percalços financeiros e para fazer SPIDER, Cronenberg abriu mão de seu salário. Consequentemente o diretor precisou fazer uma “concessão” para conseguir dinheiro e topou fazer um projeto meio a contra-gosto. O resultado deste projeto foi MARCAS DA VIOLÊNCIA (A History of Violence), seu último filme até o momento e um dos mais aclamados trabalhos de 2005. Entretanto ironicamente, para revolta dos fãs, não foi lembrado pela Academia de Cinema nas indicações para o Oscar, mas esta é uma outra discussão… Concluindo, entre altos e baixos, David Cronenberg sempre se mostrou um diretor completo e audaz, diferente sob todos os aspectos. Capaz de mexer na profundeza obscura e perversa da sociedade moderna, deixando seus espectadores admirados e ao mesmo tempo chocados com a força nua e crua de sua direção.

CURIOSIDADES
-Além de diretor David Cronenberg fez várias pontas como ator, entre os filmes que participou podem-se citar RAÇA DAS TREVAS (1989), MEDIDAS EXTREMAS (1996) e JASON X (2001); - Em 1999, David Cronenberg foi incluido na calçada da fama do Canadá, neste mesmo ano foi presidente do juri no festival de Cannes. Em 2006 foi agraciado com o prêmio Carrosse D’or no festival de Cannes, uma espécie de prêmio vitalício pelo conjunto da obra.
- Os figurinos em seus filmes costumam ser confeccionados por sua irmã Denise, outras figurinhas carimbadas em seus filmes são Howard Shore (Música Incidental) e Robert A. Silverman (Ator).
- Inicialmente seria o responsável pela direção de “O Vingador do Futuro”, tendo inclusive escrito alguns tratamentos iniciais do roteiro.

Filmografia
2007 – Senhores do Crime (Eastern Promises)
2005 – Marcas da violência (A History of Violence)
2002 – Spider – Desafie sua mente (Spider)
2000 – Camera
1999 – eXistenZ (eXistenZ)
1996 – Crash – Estranhos prazeres (Crash)
1993 – M. Butterfly (M. Butterfly)
1991 – Mistérios e paixões (Naked Lunch)
1988 – Gêmeos – Mórbida semelhança (Dead ringers)
1986 – A mosca (The Fly)
1983 – Na hora da zona morta (The Dead Zone)
1983 – Videodrome – A síndrome do vídeo (Videodrome)
1981 – Scanners, sua mente pode destruir (Scanners)
1979 – Filhos do medo (Brood, The)
1979 – Fast company
1977 – Enraivecida na fúria do sexo (Rabid)
1975 – Calafrios (Shivers)
1972 – Don Valley (TV)
1972 – Fort York (TV)
1972 – In the dirt (TV)
1972 – Lakeshore (TV)
1972 – Scarborough bluffs (TV)
1972 – Winter garden (TV)
1971 – Jim Ritchie sculptor (TV)
1971 – Letter from Michelangelo (TV)
1971 – Tourettes (TV)
1970 – Crimes of the future
1969 – Stereo
1967 – From the drain
1966 – Transfer

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