segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Entrevista de Marjane Satrapi ao G1 notícias após a estréia de Persépolis no festival de Cannes em 2007.


"Diziam que estava usando símbolos da 'decadência ocidental'"

Em entrevista ao G1, quadrinista Marjane Satrapi fala da infância no Irã.
Adaptação de 'Persépolis' para o cinema estreou em Cannes.

Flávia Guerra Especial para o G1, em Cannes

Marjane Satrapi é, como reza a fama das iranianas, uma linda mulher. Distante do visual pasteurizado que divas de Hollywood (e suas imitadoras) exibem em Cannes, a quadrinista e diretora da animação “Persépolis” tem 39 anos, os lindos olhos puxados do Oriente, sobrancelhas fortes e cabelos negros sobre os ombros – beleza esta que passou muito tempo escondida sob o sagrado véu islâmico.

O Irã não era assim até a chegada da Revolução Islâmica, no final dos anos 70. Marjane era uma menina que viu seus tios serem presos, amigos de bairro virarem ora mártires ora inimigos, sua cidade ser bombardeada e destruída. Na adolescência, teve os direitos de ir, vir e escutar o que bem entendesse proibidos em nome de Deus. O pai dela, liberal que era, chegou a montar um verdadeiro esquema de fabricação de vinho em casa.

Vida e obra de Marjane se confudem em “Persépolis”, única animação a concorrer à Palma de Ouro nesta edição do Festival de Cinema de Cannes. Em entrevista exclusiva ao G1, ela mostra que não perdeu a ternura, mas passou por uma leve endurecida depois de tantas provações.


G1 - Voce não teme represálias contra a sua família, que ainda mora no Irã?
Marjane Satrapi -
Da minha família falo pouco. Tudo o que posso dizer é que eles ainda moram no Irã e estão ótimos. Eles têm se comportado muito bem e tenho certeza que serão protegidos. Eu não tenho medo. Sei que estou contando a minha história. Nao sou como você, jornalista, que tem compromisso com a verdade. Eu tenho o compromisso de contar a minha verdade, [do modo] mais real que posso.

G1 – E os quadrinhos foram a melhor forma de fazer isso?
Marjane -
Exatamente. Pode parecer irônico criar uma realidade em quadrinhos para contar a realidade do meu país, mas é isso, sim. Eu sempre amei desenhos e descobri neles a melhor forma de contar minha historia.

G1 - Quais foram suas principais influências?
Marjane -
Eu li de tudo, vi de tudo, escutei de tudo, do movimento punk a Abba, de Bee Gees a Pink Floyd. Eu gosto dos mestres dos quadrinhos e sempre comprava quando podia, mas não vou destacar nenhum em especial porque foram muitos que me influenciaram.

G1 - E esse mergulho na cultura pop se deu quando, na adolescência, você foi morar em Viena?
Marjane -
Sim e não. No Irã, eu já comprava [fitas] cassetes do Iron Maiden no mercado negro. Pode parecer piada, mas é a mais pura verdade: para se comprar um simples tênis era toda uma operação. Eu pintava eu mesma minhas jaquetas com frases do tipo “Punk is not ded (com erro mesmo, em vez de ‘dead’). E isso me custou várias broncas das bedéis islâmicas. Diziam que eu estava usando os símbolos da “decadência ocidental”, o que não deixava de ser verdade. Mas a liberdade de cada um usar o que se quer é, para mim, irrefutável.

G1 - Mas esta cultura pop não ameaca a preservação da cultura nacional entre os jovens?

Marjane - Sim e não. Acredito que, se um país tem sua cultura de base muito bem fundamentada, ele pode se abrir para o que de melhor há nas outras culturas sem perder a sua. Acho que é um balanço de tudo. Eu estudei em uma escola francesa a vida toda, mas jamas deixei de ser iraniana. Eu ainda sinto muita saudade de casa. Moro em Paris. mas, como minha avó me dizia, procuro nunca perder minha integridade.

G1 - Você tem planos de continuar a carreira e a saga de “Persépolis” no cinema?
Marjane -
Sim, claro! Mas não posso te adiantar mais nada. Quando tiver novidades, conto. E espero que os brasileiros possam ver “Persépolis” no cinema. Tenho muita vontade de conhecer seu país.

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