terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Biografia - Akira Kurosawa


por Rodrigo Cunha
» Idade: 88 anos
» Nascimento: 23/03/1910
» Falecimento: 06/09/1998
» País de nascimento: Japão
» Local de nascimento: Omori, Tokyo

Se hoje em dia temos a oportunidade de conhecer a cultura oriental no cinema, o grande responsável por isso é Akira Kurosawa. Ele abriu as portas do mundo à cultura cinematográfica da região, mesmo com importantes cineastas japoneses terem chegado antes de sua explosão (como Ozu e Mizoguchi). Com Rashomon, que levou o Leão de Ouro em Veneza no início dos anos 50, seu talento começava a tomar projeção internacional, e teve a confirmação poucos anos depois, com a obra-prima e um dos maiores filmes de todos os tempos, Os Sete Samurais.

Ironicamente, nem esse reconhecimento internacional foi suficiente para que Kurosawa fosse reconhecido dentro de seu próprio país, sendo considerado um cineasta de segunda categoria por seu próprio povo. Chegou inclusive a tentar suicídio, quando não conseguiu juntar dinheiro para realizar um de seus filmes. Desistiu depois, quando jovens cineastas norte-americanos resolveram tomar uma iniciativa e financiá-lo - leia-se, por esses cineastas, nomes importantes nos dias de hoje, como Steven Spielberg, George Lucas, Martin Scorsese e Francis Ford Coppola.

Talvez um dos fatores que tornem seus filmes tão grandes seja o valor que ele dá às pequenas coisas da vida. Em todos temos lindas paisagens, sons de rios, passarinhos, ou seja, tudo é muito natural e aproxima o que estamos vendo a um mundo de sonho em nossas cabeças; um mundo que já passou e deixa saudades. E, por tratar de questões filosóficas como honra, amizade, expondo assim pensamentos orientais e popularizando uma cultura tão fechada quanto a japonesa, talvez esse tenha sido um dos principais fatores que levaram à sua rejeição interna. O que é uma pena, pois não é preciso olhar com cuidado para perceber o amor com que sempre tratou seus temas e onde eles se passavam.

Nasceu em 23 de Março de 1910, sendo o mais jovem de oito irmãos (quatro homens e quatro mulheres), em Ohimachi, Tóquio. Aos 18 anos já dava os primeiros passos para o lado artístico, quando fez um exame de admissão para a escola de arte, como pintor, onde infelizmente foi recusado. Não desistiu e, depois de algumas exposições com suas obras, começou no cinema como diretor assistente, em 1936. Com seu talento, foi crescendo aos poucos dentro do ramo, até dirigir, em 1943, Sugata Sanshiro (A lenda do judô), um filme que conta a história de Sanshiro e sua descoberta das artes marciais, o judô com o professor Yano; da natureza, com Satori; e do amor, com a filha de seu velho professor de Jiu Jitsu Sayo.

Seis anos depois, era lançado um noir japonês altamente interessante, intitulado Cão Danado. Murukami, um jovem investigador de homicídios, é roubado em um ônibus e perde sua arma. Ele parte em uma busca para encontrá-la, sem sucesso, até deparar-se com Sato, um experiente detetive. Kurosawa já demonstrava seus primeiros sinais de extremo humanismo quando revela as razões para o assaltante ter feito tal ato. No ano seguinte veio o grande pontapé. Com o já citado Rashômon (1950), seu décimo primeiro filme, Kurosawa venceu o prêmio máximo em Veneza e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, impulsionando de maneira arrebatadora a carreira do até então jovem cineasta. Rashomon conta a história do assassinato do marido de uma mulher estuprada, sob quatro pontos de vistas diferentes. O filme é tão curioso, mas tão curioso, que até o próprio morto reencarna só para dar sua versão dos fatos! Mais uma vez, Kurosawa dá sua lição de moral de maneira convincente e arrebatadora.

Com O Idiota, Kurosawa utiliza um texto de peso do mestre Dostoiévski. Conheça a história de Kameda, que viaja para Hokkaiko e acaba se envolvendo com duas mulheres. A tragédia acontece após uma perceber que não é amada e decidir tomar providências drásticas quanto a sua situação. No ano seguinte ele lançaria Viver, que para muitos é o melhor trabalho do diretor. É um filme sensível, incrivelmente triste, que trata da vida de Kanji Watanabe, um burocrata que não liga para nada que não lhe possa trazer algum lucro, até descobrir que está com câncer. Mudado, decide construir um playground em seu bairro, e lá tenta descobrir sua razão de... Viver.

Sua obra-prima veio em 1954. Os Sete Samurais popularizou os samurais no cinema, contando a história de sete deles, que são contratados para proteger uma vila da invasão de bandidos, que todo ano roubam muito de sua colheita. Do início ao fim, uma obra maravilhosa, que gerou inclusive uma refilmagem norte-americana, ambientada no faroeste, chamada Sete Homens e um Destino. Toshirô Mifune concede nada mais, nada menos, do que uma das melhores interpretações de toda a história do cinema. Três anos depois Kurosawa trabalharia com um texto de outro gênio. Trono Manchado de Sangue adapta a obra Macbeth, de Shakespeare, para o Japão Feudal de maneira brilhante, e conta a história de Washizu e Miki, dois samurais que têm uma visão de uma senhora em meio a uma floresta. Depois que ela profetiza um ambicioso futuro para um deles, os samurais acabam ficando com isso na cabeça e, sem querer, tomam atitudes que fazem com que o que foi profetizado, aos poucos, torne-se realidade, não importa a quantidade de sangue que seja derramada.

Em 1958 era lançado o filme que inspirou George Lucas em seu irmão mais novo e famoso, Star Wars. Com A Fortaleza Escondida, novamente no Japão Feudal, Kurosawa conta a história de um poderoso homem que escolta uma princesa fugitiva a caminho de casa, em pleno território inimigo, com a ajuda de dois medrosos fazendeiros desertores da guerra. Três anos depois, mais uma obra-prima. Yojimbo - O Guarda-Costas conta a história de um samurai que chega a uma cidade em busca de emprego, mas encontra um caótico cenário de guerra entre duas gangues locais rivais. Decidido a se aproveitar da situação para algo maior, ele oferece seus serviços às duas gangues. Inspirou algumas obras famosas, como o clássico faroeste Por um Punhado de Dólares, de Sergio Leone e estrelado por Clint Eastwood, ou então o mais recente Kill Bill, de Quentin Tarantino.

Sanjuro (1962) é continuação direta de Yojimbo, mas desta vez levando o nome do personagem principal no título. Ele se une a alguns jovens idealistas, que estão determinados a acabar com a corrupção que há em sua cidade. Porém, por causa de suas atitudes e passado, Sanjuro está muito distante dos ideais de nobreza que os jovens têm em mente. Toshirô Mifune repetiu a parceria de sucesso mais duas vezes seguidas, uma com Céu e Inferno, e outra com O Barba Ruiva - o último filme em que ambos trabalhariam juntos, depois de dezesseis trabalhos. O Barba Ruiva conta a história do doutor Kyojio, que ensinará o novato médico Yasumoto os verdadeiros valores da profissão.

Com Dodeskaden - O Caminho da Vida (1970), seu primeiro filme a cores, Kurosawa deu vida a um triste cotidiano de uma precária favela em Tóquio. É uma história de muitos personagens, todos sofridos, em uma belíssima mistura de sonho e realidade. Diversos temas como alcoolismo e fome são tratados de maneira única, como o mestre sabia fazer como ninguém. Porém, cinco anos depois, Kurosawa voltaria a vencer o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Desta vez, com a obra Dersu Uzala, exatos vinte e cinco anos após receber o mesmo prêmio por Rashomon. O filme conta a história do homem que dá título ao filme, um velho caçador, que ajuda um explorador russo em uma missão pela floresta, como guia. Quando se reencontram, tempos depois, o explorador decide levá-lo para sua casa e cuidar do velho, que sofre um forte impacto entre os diferentes padrões de vida da cidade e das montanhas. É, sem dúvida, um dos mais belos filmes do diretor.

Mais um intervalo de cinco anos e era lançado Kagemusha - A Sombra do Samurai, um filme que conta a complexa história do lorde que, prevendo sua morte, ordena que um sósia se passe por ele, evitando assim a queda de seu reinado (que estava em plena guerra). Entra em cena um jovem ladrão, idêntico ao antigo comandante, que enfrenta logo de cara uma situação que nenhuma pessoa sensata escolheria enfrentar. A produção internacional ficou a cargo de jovens cineastas norte-americanos, mas já bem famosos: Francis Ford Coppola (já havia realizado O Poderoso Chefão) e George Lucas (que havia explodido com o seu Star Wars). Mais uma vez indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro, ficou 'apenas' com a Palma de Ouro em Cannes de 1980 - prêmio que fora dividido com O Show Deve Continuar.

Com Ran, em 1985, Kurosawa voltaria a trabalhar com um texto de Shakespeare. Adaptação do clássico Rei Lear, ele transpôs a história para o Japão Feudal, onde o chefe da família Ichimonjis, já velho, decide dividir seus preciosos bens entre os três filhos, o que gera uma sangrenta batalha entre eles. Uma obra grandiosa, que levou mais de 10 anos para ser realizada. Diversos storyboards foram produzidos nesse período, que ajudaram na hora das filmagens, já que a visão do diretor já estava bastante prejudicada quando o filme foi, finalmente, para a lata. Para se ter uma idéia da dimensão da produção, um castelo fora, de verdade, construído para as filmagens e destruído durante, nessa tragédia clássica que resultou em um dos melhores filmes do diretor - por ele, foi indicado ao Oscar de Melhor Direção.

Tomando como exemplo sua mais recente obra-prima, Sonhos (1990), vemos que Kurosawa não só tratou de temas delicados da cultura e do folclore oriental, como também não deixou de lado sua preocupação e opinião sobre importantes fatores da história, como a bomba atômica que explodiu em Hiroshima. Pelo nome do filme, percebemos o quão pessoal é seu trabalho, novamente apoiado por seus amigos cineastas ocidentais. Aliás, nesse filme o diretor Martin Scorsese teve uma participação significativa em um dos oito episódios que conta, interpretando ninguém menos que Van Gogh. É um dos mais bonitos e tocantes filmes de sua exemplar filmografia. Ainda em 1990 recebeu da Academia um Oscar especial, pelo conjunto da obra. Em Rapsódia em Agosto, de 1991, voltaria a tocar no assunto bomba atômica, mas aprofundando o tema e opinião desta vez. Richard Gere interpreta um norte-americano que viaja ao Japão, decidido a pedir desculpas a uma viúva da bomba atômica. Duas gerações que se encontram em forma de arrependimento e um novo começo. O final é antológico e extremamente poético.

Em 1993, era lançado o seu último filme. Madadayo conta quarenta anos da vida de um professor que se aposenta, mas seus alunos não o deixam por o amarem de verdade. Enquanto a morte não chega, a vida continua. Este filme deixava claro que o gênio ainda não estava pronto para a morte por hemorragia cerebral, que acontecera somente cinco anos depois, em sua própria casa. Deixou o roteiro de Depois da Chuva, filmado com competência recentemente por seu fiel assistente de direção Takashi Koizumi, e Sob o Olhar do Mar, lançado recentemente em DVD. Se Kurosawa não estava preparado para morrer, o cinema não estava pronto para perder um de seus maiores corações. Vira-se a página, mas com a certeza de que deixou a saudade e grandes obras escritas para toda a eternidade.

Filmografia:

1993 - Madadayo
1991 - Rapsódia em agosto
1990 - Sonhos
1985 - Ran
1980 - Kagemusha, a sombra do samurai
1975 - Dersu Uzala
1970 - Dodesukaden
1965 - O barba ruiva
1963 - Céu e inferno
1962 - Sanjuro
1961 - Yojimbo, o guarda-costas
1960 - Homem mau dorme bem
1958 - A fortaleza escondida
1957 - Ralé
1957 - Trono manchado de sangue
1955 - Anatomia do medo
1954 - Os sete samurais
1952 - Viver
1951 - Hakuchi, o idiota
1950 - Rashomon
1950 - O escândalo
1949 - Cão danado
1949 - Duelo silencioso
1948 - O Anjo Embriagado
1947 - Subarashiki nichiyobi
1946 - Juventude sem arrependimento
1946 - Asu o tsukuru hitobito
1945 - Tora no o wo fumu otokotachi
1945 - Judô Saga II
1944 - Ichiban utsukushiku
1943 - A lenda do judô


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