terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Entrevista do diretor Takeshi Kitano após o lançamento de Dolls

Takeshi Kitano, samurai das cores e das emoções profundas
03/07/2003
Por Neusa Barbosa

Extraído de http://www.cineweb.com.br/index_textos.php?id_texto=295

Fiel à tradição, sem se importar com as conveniências de ser agora um diretor internacional, Takeshi Kitano só fala japonês. Expressa-se por frases curtas, minimalistas, mas de sentido profundo, o que inevitavelmente cria armadilhas para os seus tradutores. Não foi diferente na conferência de imprensa concedida pelo diretor no Festival de Veneza 2002, onde Kitano apresentou em competição seu décimo filme, Dolls. Dando uma guinada radical de ambiente e estilo em relação ao explícito e violento Brother - seu único filme feito nos EUA -, Kitano voltou para casa e mergulhou na tradição secular do teatro Bunraku, uma das formas de expressão mais peculiares do Japão. Não para fazer uma adaptação cinematográfica fiel, mas usando esta arte secular como ponto de partida. Em cenários contemporâneos, Kitano intercalou três histórias de amor encharcadas de fatalismo e de uma esplêndida beleza visual, a partir de uma sólida direção de arte, magníficas paisagens e dos figurinos do estilista Yohji Yamamoto. Nesta entrevista, onde não faltam colocações bem-humoradas e até autodepreciativas, o diretor explica suas influências e motivações neste novo trabalho.

Cineweb - Dolls é um muito diferente do seu trabalho anterior, Brother. Que tipo de filme o senhor pretendeu realizar aqui?
Takeshi Kitano - Queria mostrar um filme violento, em que o amor fizesse parte da história. Não foi minha primeira intenção mostrar a cultura japonesa. Procurava um desafio.

Cineweb - Não é tão simples enxergar em Dolls um filme violento. Pode explicar melhor seu conceito aqui?
Kitano - Dolls é, para mim, meu filme mais violento porque a morte atinge os personagens de modo muito espontâneo, mais brutal até do que quando causada pela violência. É o destino que os vitima. Mesmo as paisagens estão impregnadas por um sentido de morte, como as flores da cerejeira, que florescem completamente justamente quando estão prestes a cair.

Cineweb- Em todas as histórias, a morte e o amor estão muito interligados. Essa é uma característica básica das histórias originais do Bunraku?
Kitano - No Japão, o teatro Bunraku realmente encena muitas óperas sobre amores infelizes, onde os dois amantes morrem tragicamente no final. Minha avó trabalhava no Bunraku, onde tocava "samisen" (espécie de banjo) e era narradora. Fui criado nesta cultura. O filme pode ser encarado como uma versão contemporânea desse tipo de teatro, que refletia muito a sociedade de sua época.

Cineweb - Há em alguma das histórias um elemento real?
Kitano - Sim. Conheci na infância o casal amarrado por um fio. Mas nunca soube o que os levou a ficar assim, meio maluquinhos.

Cineweb - Como foi a sua colaboração com o estilista Yohji Yamamoto?
Kitano - Somos amigos há muito tempo. Na verdade, eu queria um figurino mais fiel ao Bunraku. Ele queria mais um tipo de desfile. Finalmente, o que se vê no filme foi uma mistura, um acordo entre nossas visões.

Cineweb - Há momentos em que a beleza das imagens lembra Sonhos, de Akira Kurosawa. O senhor tem esse filme como referência?
Kitano - Não é que Sonhos me tenha impressionado tanto, mas sua primeira parte era muito forte. E eu queria filmar algo muito forte, violento.

Cineweb - O senhor foi influenciado pelo estilo visual dos mangás (gibis japoneses)?
Kitano - Os mangás fazem parte da cultura japonesa mas não tive muito acesso a eles porque meus pais não me deixavam lê-los quando era garoto. Diziam-me que ficaria estúpido! Por isso, acho que não exerceram grande influência sobre mim.

Cineweb - O senhor é influenciado pelo trabalho de algum pintor contemporâneo?
Kitano - Para falar a verdade, não sei direito o que seja a arte contemporânea - e me envergonho um pouco disso!

Cineweb - O senhor já trabalha num próximo filme. De que se trata?

Kitano - Meu próximo filme (Zatoichi) será mais realista, com combates de espadachins. Aí, até há uma referência mais próxima aos filmes de samurais de Kurosawa. Entretanto, vou procurar romper com essas imagens projetadas pelo cinema tradicional japonês.

Cineweb - O senhor é influenciado pelas artes marciais?
Kitano - As artes marciais são famosas mas os japoneses não as praticam tanto assim. Se lutamos com os ocidentais, que são mais fortes, perdemos sempre!

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