sexta-feira, 3 de abril de 2009

Crítica - Memórias do Subdesenvolvimento

por Rafael Reines
extraído de http://oficinadetextos2007.blogspot.com/

A simples menção da palavra subdesenvolvimento tem tirado o sono de boa parte do povo latino-americano durante muito tempo, ela pode significar que seu país possui uma economia colonizada ou um baixo desenvolvimento industrial (IDH), ou simplesmente significar que o que vem de fora é melhor que o produto interno. Tomás Gutiérrez Alea lida com esse tópico de várias maneiras diferentes em seu filme Memórias do Subdesenvolvimento. O filme é focado na vida e nos pensamentos de Sergio, um intelectual burguês que ficou de fora da revolução - enquanto sua mulher e seus pais fugiram para os Estados Unidos - ele ficou para observar o que iria acontecer a Cuba durante a revolução. Típico homem de classe média alta, Sergio se achava superior aos demais cubanos, principalmente sobre as mulheres, que para ele eram todas fúteis e despolitizadas, ele se via como um intelectual europeu cercado de cubanos que pensavam de forma subdesenvolvida.

Usando cenas documentais da própria revolução cubana ocorrida no início da década de 60 misturadas com uma narrativa ficcional que bebeu diretamente nas águas do neo-realismo, Alea criou uma obra de caráter único que combinava perfeitamente documentário e ficção. Memórias do Subdesenvolvimento foi o 5º filme de Alea e provavelmente seu mais marcante (Morango e Chocolate, de 1994, também chegou a fazer algum sucesso, com uma indicação ao Oscar).
No filme, o termo subdesenvolvimento se refere tanto à estagnação política de Cuba quanto ao falso idealismo de Sergio. O jeito que Alea monta seu filme deve contar como seu próprio ato de resistência política: o material documental chama a atenção para uma dialética complexa do individual-grupal que é discutida por todo país.

Memórias do Subdesenvolvimento chocou os críticos dos Estados Unidos, quando teve seu lançamento pelos lados de lá em 1973, e os americanos descreveram-no várias vezes como "extremamente rico", "enorme e eficaz", "belo e subestimado" e "é um milagre". O filme não é nenhum "milagre" em si, mas simplesmente um dos exemplos mais finos do revolucionário cinema cubano, Memórias também teve uma recepção sem sal dos espectadores cubanos, apenas alguns cinéfilos retornam para vê-lo repetidas vezes. A estrutura complexa e a textura dialética presentes em Memórias do Subdesenvolvimento merecem que essas visões sejam refletidas, porque transforma os temas agora familiares da alienação e do "outsider" (aquele que assiste tudo de camarote) e os inserem num meio revolucionário. Nós nos identificamos e compreendemos Sergio, que é capaz de trazer-nos momentos do lucidez. Entretanto, nós compreendemos igualmente que sua perspectiva não é universal nem é atemporal, mais uma resposta específica a uma situação específica. Alea insiste que tais situações não são permanentes e que as coisas podem ser mudadas com o compromisso e o esforço. A história é um processo concreto e material que, ironicamente, é salvação de Sergio.






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