Extraído de http://www.cinereporter.com.br/dvd/nome-da-rosa-o/
Imagine se Sherlock Holmes fosse um monge franciscano e vivesse em plena Idade Média. Imaginou? Então você já tem uma boa idéia do que trata O Nome da Rosa. William de Baskerville (Sean Connery) é um veterano religioso que chega a uma abadia isolada, na Itália, em 1327, para investigar uma morte misteriosa ocorrida dentro do monastério. Logo, outras mortes igualmente intrigantes ocorrem no local. As vítimas são sempre encontradas com manchas de tinta nas mãos e a língua preta. As circunstância levam os monges locais a acreditarem que o próprio Diabo esteja por trás dos crimes. É claro que William não acredita nisso nem um pouco.
O personagem de Sean Connery é, claramente, uma brincadeira de Umberto Eco com o lendário detetive inglês de Sir Arthur Conan Doyle. O nome do personagem já o denuncia, pois Baskerville é o título de uma das mais famosas aventuras de Sherlock Holmes. Além disso, William também baseia suas investigações na lógica dedutiva, que exercita sempre em conversas com um pupilo que o chama de “mestre”. Até a semântica do nome do rapaz é uma referência a Sherlock Holmes: Adson, cuja pronúncia fica muito perto de “Watson”. O garoto, interpretado por um Christian Slater adolescente, chega mesmo a ouvir um “elementar, meu caro Adson”, durante as investigações.
Então, o que temos aqui é um thriller de suspense? Sim, em parte. O Nome da Rosa contém todos os elementos que uma caçada a um criminoso desconhecido precisa possuir: personagens enigmáticos, segredos inconfessáveis, túneis e passagens secretas, livros proibidos. Nesse nível simples, O Nome da Rosa funciona que é uma beleza. Mas o filme pretende ser mais do que isso, refletindo sobre o conflito entre religião e ciência (ou seja, a dualidade fé X conhecimento). Esse conflito fica mais do que explícito na figura de William, alguém que se poderia chamar de filósofo religioso, por mais incongruente que seja essa descrição.
Jean-Jacques Annaud faz um bom trabalho na direção. Sua maior virtude talvez tenha sido a excelente escolha do elenco de apoio, uma verdadeira galeria de rostos antológicos: o bibliotecário mau-encarado, o conrcunda desdentado, o intelectual afeminado, a garota misteriosa da aldeia vizinha. Praticamente todos os coadjuvantes parecem ter algo a esconder – e, na maioria das vezes, têm mesmo. Já Sean Connery exibe a segurança habitual, ao lado de um F. Abraham Murray sinistro, na pele de Bernardo Gui, um padre da Inquisição particularmente violento.
Outro destaque do longa-metragem é a coleção de tomadas espetaculares tramadas pelo fotógrafo Tonino Della Colli, colaborador de Fellini e autor dos memoráveis planos dos faroestes de Sergio Leoni. Della Colli conseguiu fazer um filme escuro, cheio de sombras, que ao mesmo tempo é rico em cores e detalhes visuais. A reprodução dos incríveis ambientes medievais – a riqueza da abadia com a miséria da aldeia camponesa – atinge um contraste muito bom, em termos de composição visual.
Essa beleza toda, contudo, parece ter funcionado contra o filme, pelo menos nos EUA. Lá, “O Nome da Rosa” foi um fracasso de bilheteria e crítica. A escuridão das tomadas era motivo de chacota para o público, que não entendeu a função narrativa desse visual: o ambiente de mistério, em que nada é aquilo que aparenta ser, ganha um reforço extraordinário com o visual sombrio do filme. O ritmo lento e reflexivo, bem como a escassez de diálogos, completaram o pacote desfavorável aos norte-americanos. Por outro lado, as platéias européias entenderam o longa, e transformaram em sucesso insesperado por aquelas bandas.
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