Extraído de http://cinemacomrapadura.com.br/criticas/84185/cidade-dos-sonhos-2001-84185/
“Cidade dos Sonhos” não é um filme filosófico nem filme que instiga grandes reflexões, mas uma verdadeira aula de linguagem cinematográfica. Alguns dos motivos pelos quais tornou-se um clássico contemporâneo são mais fáceis de observar: David Lynch sempre trabalha com diretores de arte e diretores de fotografia que sabem como fazer emergir da tela um clima sombrio e, para isso, os usos constantes dos cenários em tons de vermelho e azul ajudam a dar personalidade ao filme. Esse recurso foi anteriormente utilizado em outros de seus filmes, como “Veludo Azul” e “Twin Peaks”.
A novidade, entretanto, é o recurso da fragmentação da narrativa, que contribui para dificultar o entendimento do filme. Entender, aliás, é algo que Lynch não espera que aconteça, pois, questionado em entrevistas na época em que “Cidade dos Sonhos” estreou, o diretor fugia das perguntas que culminavam em apelos para dicas de resolução desse quebra-cabeça.
Em meio aos testes que Betty realiza para conseguir uma boa personagem em algum filme, as duas protagonistas acabam se apaixonando. Quando Rita acorda e pede que Betty a acompanhe até o Clube Silêncio, finalmente podemos sentir David Lynch no roteiro.
Em uma das cenas mais elogiadas pelos fãs e por parte da crítica que elogiou o diretor, o apresentador do “teatro” tenta nos avisar de que o que estamos vendo é apenas uma ilusão. A trilha sonora envolvente de Angelo Badalamenti dá lugar a uma versão em espanhol da música “Crying” de Roy Orbison, um dos momentos mais intensos da película.
Quando Rita resolve usar a chave azul para abrir a caixa que encontrou no Clube, tudo vira de pernas para o ar. A sensação do espectador é que, ao invés de ter encontrado a peça necessária para resolver o mistério, Rita abriu uma verdadeira caixa de Pandora, liberando a dolorosa verdade cheia de simbolismos das histórias de ambições e sonhos que permeiam Hollywood. Falar além disso seria estragar o exercício de percepção e concentração que David Lynch nos propõe.
Aqueles que procuram uma saída fácil para a trama ou sua auto-resolução ao término dos 145 minutos cometem um terrível engano, pois Lynch nunca gostou de entregar o jogo para seu público e, nesse caso em especial, até mesmo os mais atentos podem se perder. Não existe apenas um final para o filme, possibilitando que criemos tantos finais quanto nossa imaginação permitir. “Cidade dos Sonhos” não é um filme para ser compreendido, e sim absorvido como uma aula de cinema.
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